Pé de Igualdade

30
April
Publicado por admin no dia 30 de April de 2018

IMG_9888-001                                     Foto: youngtoodles.com

O que mudou o cotidiano dos deslocamentos?

 

Outro dia me deparei com a divulgação de uma atividade realizada pelo Instituto Corrida Amiga, uma ONG que estimula as pessoas a assumirem a caminhada e a corrida como deslocamento cotidiano ou “trocar o carro pelo tênis” como eles  definem o maravilhoso trabalho que realizam.

Esta atividade,  com crianças das regiões  centrais da cidade de São Paulo, consistiu em fazê-las caminhar até a estação de metrô mais próxima e utilizar o metrô. Na atividade seria  estimulado o olhar para a cidade e a conscientização sobre a importância do andar a pé e usar o transporte público. Ou seja, mostrar que há vida fora da “caixinha”.

 

Bonde a pé pela cidade, onde tudo pode virar brinq

Fonte: Instituto Corridaamiga

Hoje, nessas regiões se vê pouca criança andando nas ruas, ainda mais desacompanhadas.  Brincando, então, nem se fala. Hoje a vida se processa dentro de caixinhas: a caixinha de morar, a caixinha de estudar, a caixinha de passear e para conectar todas elas, a caixinha de se deslocar, o carro.  Assim andar a pé e depois pegar metrô virou um programão para a criançada que vive nesse mundo de caixinhas.

Isso remete à época quando ainda não se vivia em caixinhas.  Crianças iam sozinhas à escola e se precisassem pegar condução  faziam isso também sozinhas, ensinadas e estimuladas pela família.  Era comum ter amiguinhos no bonde e no ônibus. Claro que já havia ônibus e perua escolares, mas a maioria ia de transporte comum mesmo.

O processo de descoberta da cidade no caminho para a escola era o melhor, mesmo  repetido todos os dias: conversar com o pipoqueiro, provocar o cachorro da casa de portão alto, ver as estações do ano na copa das árvores,  até se chegar ao destino tinha muita coisa para ver e fazer.

Anos mais tarde, já mãe,  achei que valia a pena repetir a experiência com meu filho de 11 anos.  Iria para a escola no ônibus de linha. De cara descartamos o transporte escolar, porque além de caro  passaria muito cedo para pegá-lo e o deixaria muito tarde. A “aventura” do ônibus seria só na ida, no início da tarde, com o ônibus vazio que passava perto de casa. Era um percurso longo, mas tranqüilo e seria uma boa oportunidade para o aprendizado da autonomia e da vida em cidade.

Assim que colocada em prática, minha atitude foi  taxada de louca e leviana. Achavam absurdo criança em ônibus comum.  Também fui chamada pela direção da escola e “convidada” a repensar a forma escolhida para meu filho se deslocar, pelo “perigo” que representava.

Para meu filho foi ótimo, adquiriu desembaraço e independência.  Nas férias conseguia sair da área de lazer do prédio onde morávamos porque pegava ônibus.  E animava a criançada de lá a ir junto com ele, para desespero das mães. Essa experiência certamente o ajudou muito a ser a pessoa independente que é hoje,   se vira muito bem sem carro.

Para terminar esta história, algumas perguntas:

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# Como o cotidiano das pessoas passou a transcorrer  em caixinhas e a depender delas?

# Quando e porque, exatamente, se achou que espaço e transporte públicos não podiam ser utilizados fora de caixinhas?

# Porque não se buscou solucionar isso ao invés de se recorrer à vida de caixinhas?

# Será que um dia as pessoas conseguirão sair das caixinhas?

# E, finalmente, será que caixinhas sairão das pessoas?



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Pe-de-igualdade Meli Malatesta (Maria Ermelina Brosch Malatesta), arquiteta e urbanista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e com mestrado e doutorado pela FAU USP. Com 35 anos de serviços prestados à CET – Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, sua atividade profissional foi totalmente dedicada à mobilidade não motorizada, a pé e de bicicleta. Atualmente, ministra palestras e cursos de especialização em Mobilidade Não Motorizada além de atuar como consultora em políticas, planos e projetos voltados a pedestres e ciclistas.
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