Muitas das cidades brasileiras passaram, em pouco tempo, de pequenos vilarejos a centros metropolitanos; assim, encontram-se regidas pelo domínio do movimento e da pressa. Este estilo de vida elege como prioritárias todas as modalidades de transporte motorizadas, em especial a individual. Para atender a esta demanda, as cidades remodelam seus formatos e escalas espaciais, elegem o automóvel como seu principal urbanista e relegam a um plano secundário, ou ao completo esquecimento, as necessidades essenciais do ser humano, a convivência entre habitantes e a sua prática pelos modos de mobilidade não motorizada.
Em contrapartida, a mobilidade motorizada, como uma grande e insaciável devoradora de espaços urbanos, é responsável por produzir cidades com intrincadas soluções de predomínio de viadutos e largas avenidas. Estas fragmentam e engolem praças e espaços de convívio e definitivamente comprometem a qualidade de vida urbana pela perda do referencial de escala humana.
Em meio a isto tudo a maioria da população continua exercer suas formas primordiais de deslocamento em ambientes altamente desfavoráveis, que lhe ignoram presença e necessidades. São pessoas que continuam gerando ambientes propícios à prática diária do velho instinto de sobrevivência, na contramão das atuais tendências de conforto e conveniência cada vez mais presentes e valorizadas nas grandes metrópoles do planeta como padrões de vida urbana com qualidade. Vale lembrar que atualmente vivem nas cidades em torno de 80% da população mundial.
A partir dos anos setenta, muitas cidades no Brasil passam a adotar tecnologias de engenharia de tráfego, que contribuem definitivamente para consolidar a situação de priorização dada ao fluxo motorizado e o despreparo da infraestrutura urbana de circulação para receber e amparar, com segurança e conforto, viagens que não envolvem o uso de motor.
Este cenário acaba por expor a situação desfavorável de expressiva parcela da população que elege, certamente por faltar melhor alternativa, seus pés e pernas como principal forma de se transportar. Não contam com um ambiente minimamente adequado para que seus deslocamentos sejam apoiados por condições básicas de dignidade e cidadania. Diariamente submetem-se a perversos esquemas de circulação, conveniados pelas divisões de permissão de uso do tempo e do espaço das vias da cidade, que destinam aos que circulam desmotorizados, as sobras de um banquete consumidas em travessias corridas, em meio a sensações de estresse e medo.
É aceito como situação normal a indignante e crítica desproporcionalidade de ocupação dos espaços públicos das vias entre os fluxos motorizados e não motorizados. Quase nunca se questiona este desfavorecimento injusto e desequilibrado que torna o atropelamento a maior causa de fatalidade entre estatísticas de acidentes de trânsito das cidades brasileiras.
Entretanto o atual e irreversível processo de redução do grau de mobilidade verificado na maioria dessas cidades, consequência da má qualidade dos atuais sistemas de transportes públicos, aliado à intensa dependência dos modos individuais motorizados, acaba por gerar consumo excessivo e irracional dos espaços públicos urbanos dedicados à circulação. A decorrência são os cada vez mais presentes congestionamentos de trânsito, principais responsáveis pelo comprometimento da qualidade de vida de toda a população pelo tempo perdido nos deslocamentos cotidianos, emissão de poluentes no ar além de outras deseconomias.
Como reação natural a esta situação, verifica-se uma espontânea reversão dos hábitos de mobilidade da população de muitas cidades, com a intensificação de viagens não motorizadas a pé e por bicicleta. Esse fenômeno aponta à urgente necessidade de se rever paradigmas, de forma a se buscar o reequilíbrio da divisão dos espaços e tempo urbanos, resgatando assim os preciosos espaços perdidos para o trânsito motorizado e promovendo uma real melhoria na vida das pessoas.
Assim, no blog PÉ DE IGUALDADE, a Mobilidade Não Motorizada pede igualdade de condições às demais modalidades. Sua situação, problemas, necessidades e seu ambiente urbano serão denunciados, refletidos, analisados, discutidos e avaliados, de forma a estruturar um legado sobre o seu papel e sua importância para o futuro das cidades brasileiras.