A aprendizagem do mundo começa com o próprio corpo. O chão é o espaço ideal livre de barreiras para a criança experimentar seu corpo. O bebê começará a se rastejar, engatinhar, se sentar só e depois tentará se levantar. Nesta fase de descobertas, o chão, é o melhor espaço de jogos para o bebê. Precisa de um espaço amplo, sem limites nem obstáculos para brincar. O nível zero oferece liberdade.
“A capacidade para entender o movimento através dos sentidos é a base da aprendizagem” (Montserrat Reyes)
Sentir, tocar, curtir…apropriar-se do chão. Os adultos adoram fazer isso na praia, na grama do parque, um pique nique, um deck de madeira, na escadaria de uma praça. Mas o resto do dia, preferimos ter outro olhar e esquecer o que pisamos. “Pisamos”. Nosso nível zero na cidade não é um espaço vivido, é pisado. Para as crianças é mais fácil, é questão de escalas, ficam perto do chão! Mas os adultos temos o olhar a mais de um metro do chão. E os hábitos de mobilidade urbanos ainda separam os pés muitos centímetros do chão. Nossos pés não sentem a cidade, fogem dela nesse meio metro elevado (metro para quem quer sentir mais segurança). E as crianças são transportadas assim, sem tocar o chão. Perderam seu espaço de liberdade. Sentir, tocar, curtir. Porque nem no tanque de areia do parque pode, imagina a calçada!
Porém, se faz uma caminhada com uma criança pelos lugares que você conhece, provavelmente vai se surpreender. Porque elas reparam em tudo! E as coisas que estão mais perto do chão, que a gente não “vê”, às vezes são para se admirar e observar. Se você mora em São Paulo, reconhece a Rua Augusta nesse peixe?
Às vezes o chão nos deixa expressar nossa arte. Quando faço oficinas com crianças, adoro usar o chão dos espaços. Nos apropriamos dele! O nível zero da cidade é nosso, pertencemos a ele e nos divertimos. Nas oficinas que realizo como Red OCARA, os espaços públicos são “matrioskas”: um espaço encaixa dentro do outro. Chão-rua-praça-cidade. As crianças, habitantes mirim dos espaços urbanos. Das ruas, das praças, da cidade.
Às vezes o chão da cidade define sua identidade.
E às vezes há pequenos gestos que fazem que adultos e crianças comecem a reparar mais nas feridas da cidade. E é aqui que queria chegar, nos Curativos Urbanos.
A Rede OCARA (rede latino-americana de experiências e projetos sobre cidade, arte, arquitetura, espaço público e mobilidade urbana nos quais participam crianças; falaremos sobre isso em outros post!) desenvolve o subprojeto OCARA Lab, laboratório urbano com formato EOR (Educational Open Resources / Recursos Educativos gratuitos on-line), replica experiências criativas de ação coletiva aplicáveis em todas as realidades urbanas.
A primeira proposta são os Curativos Urbanos, criados pelo coletivo Bela Rua. Uma ação que usa cor e bom humor para despertar a atenção sobre o estado das calçadas e agitar o debate sobre os espaços da cidade.
As oficinas OCARA Lab propõem interação com a cidade, animar as crianças a criar, investigar e ter um olhar crítico e propositivo sobre seu meio urbano. A realização simultânea da experiência em países de diversas realidades urbanas, com semelhanças e diferenças, vai dar uma outra visão das oportunidades e desafios urbanos para as crianças.
Nos últimos meses jogaram com os Curativos Urbanos Venezuela (Caracas), Argentina (La Plata), México (Cholula) e Portugal (Porto). Quem gostar pode descarregar os materiais e se divertir! Desde o site compilamos os registros e compartilhamos com todos.
CARACAS, VENEZUELA
O dia da atividade na rua, Cheo Carvajal se reuniu na sala de aula com todas as crianças da turma de 3ª série da Escola Comunitária Luisa Goiticoa (ECLG). Conversaram sobre a cidade e saíram para caminhar à rua da escola com quase cinquenta curativos. Naquele itinerário os curativos são colocados chamando a atenção em buracos, desníveis, faixas de pedestre. Para mais informações, aqui
LA PLATA, ARGENTINA
Com as crianças do abrigo Centro de Día Rayuela começou a atividade com a conversa sobre as viagens diárias e as dificuldades que apareceram nos itinerários. Trabalharam com as ideias que surgiam do verbos curar, proteger, consertar e cuidar o espaço público e as repercussões daqueles curativos no uso da rua. Para mais informações, aqui
CHOLULA (PUEBLA), MÉXICO
Nos días 28 ao 31 de maio aconteceu en Cholula (Puebla, México) o II Congresso Internacional de Pedestres (podem ver mais informações no post do Passos e Espaços “Vc também é pedestre / Tú también eres peatón”
No último dia de congresso foi aberta a terceira maior Rua de Lazer do México (a de Guadalajara tem uma extensão de 72 Km e a de Cidade do México 48 Km. Uma das atividades foram os Curativos Urbanos, em parceria com La Banqueta se Respeta.
As crianças e adultos que as acompanhavam foram convidados a ser multiplicadores da ação. Primeiro mostramos a atividade feita pelas crianças de Caracas e La Plata. Sugerimos que fizessem a ação dos Curativos, em grupo, com os vizinhos do seu bairro ou com os professores das suas escolas. As cidades, próximas e distantes, têm problemas semelhantes. Não somos tão diferentes!
Para mais informações,aqui.
PORTO, PORTUGAL
As atividades do grupo ArkiPlay levam à descoberta do que é a arquitetura e o trabalho do arquiteto através da experiência. A oficina de Curativos urbanos fez parte do evento Cidade Mais, um ponto de encontro entre a área do Ambiente e Sustentabilidade.
As crianças criaram os curativos gigantes para, posteriormente, se dividir em dois grupos que foram explorar os Jardins…porque a cidade é um corpo de múltiplas dimensões, e porque há muitas feridas que é preciso curar, para que adultos e crianças comecem a reparar mais nelas. Para depois atuar.
Para mais informações, aqui.
Curar, proteger, consertar, cuidar o chão. Sentir, tocar, curtir o nível zero da cidade.
O espaço de liberdade, de respeito. Quais cidades queremos?
“Um gole
de pequenas coisas
perante
a amplidão
do todo”
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Créditos:
Foto 1 – bebê: http://www.tempojunto.com/2015/04/09/atividade-de-desenho-para-bebes/
Fotos 2 a 10: Irene Quintáns
__Foto 2: Praça Buenos Aires, São Paulo
__Foto 3: Festa na rua – Escola infantil Jacarandá
__Diagrama siluetas: Irene Quintáns
__Foto 4 – Rua Augusta
__Foto 5 – Oficina Red OCARA no Brincandado (IPA Brasil)
__Foto 6 – Festa na rua – Escola infantil Jacarandá
__Foto 7 – Oficina Red OCARA no Parque Augusta, São Paulo
__Foto 8 – Oficina Red OCARA na inauguração da ciclovia da Av. Paulista, São Paulo
__Foto 9 – Oficina Red OCARA no Rua ao Cubo (Bela Rua)
__Foto 10 – Criança na calçada, São Paulo
Foto 11: Curativos Urbanos (Brasil)
Diagrama OCARA Lab
Fotos 12 a 20: Curativos Urbanos através do OCARA Lab
__Fotos 12-13: Cheo Carvajal
__Fotos 14-15: Juan Castiglione
__Fotos 16-18: Irene Quintáns y La Banqueta se Respeta
__Fotos 19-20: Cláudia Gonçalves
Foto 21: Children draw on pavement with chalk, 1960s [original] photo by Shirley Bake
Foto 22: Guangzhou,China
Foto 23: Paraguada. Imagem cortesia da XIX Bienal Panamericana de Arquitectura Quito
Poema: Gabriel Augusto, Contém Poesia