A Secretaria Municipal de Transportes de São Paulo (SMT) anunciou recentemente as diretrizes para licitação dos transportes públicos. Mais do que entregar o que foi prometido durante a campanha eleitoral, foram incluídas modificações conceituais de mobilidade urbana e integração modal que são importantes para a construção de um sistema de transportes públicos mais eficiente.
A primeira mudança é a inclusão de linhas tronco alimentadas com estações de transferências, terminais, integração com trilhos, malha cicloviária, priorização semafórica e a possibilidade de um sistema tarifário que permite adicionar novos formatos de pagamento. Mas o mais importante foi a inclusão do gerenciamento de demandas local e de longa distância.
Trocando em miúdos: em todas as cidades do mundo existem dois tipos de passageiro. Aquele que viaja ponto a ponto em longas distâncias, indo da origem ao destino final e vice-versa; e outro tipo, o que viaja até a metade do trajeto da linha, para fazer uma simples transferência ou chegar ao seu destino.
Ocorre que estes dois passageiros competem entre si, na origem, pelo mesmo tipo transporte. E isso cria um gargalo cuja consequência é o acúmulo de pessoas, filas, baixa qualidade e desconforto nos sistemas.
Adicionalmente, há cerca de 80% de motoristas que utilizam o carro para o trabalho e moram a até 10 km de seu destino. E somente uma ínfima porcentagem deste público utiliza ônibus para seus deslocamentos diários – felizmente, aliás, pois no formato atual o transporte público não atenderia a mais essa demanda de motoristas conscientes, dispostos a trocar o carro pelo ônibus.
São Paulo nunca concebeu uma estratégia para atender a demandas por distâncias curtas. E a separação entre demanda local e de longo percurso é um excelente começo. Mas é importante a criação, no bojo do planejamento, de linhas expressas para longo percurso, para evitar a “erosão da base de passageiros”.
Muitos resistirão em fazer transferências modais ou baldeações demoradas. A estratégia de distâncias curtas poderá atrair o usuário de automóvel, e é possível que o crescimento da demanda neste segmento alcance entre 5% e 10% nos próximos 5 anos. Isso, desde que o governo gerencie bem a demanda de mobilidade, incluindo aí uma estratégia de transportes não motorizados, e o ganho de eficiência na redução do tempo de espera no embarque e melhoria na frequência do transporte.
Mesmo assim, no curto prazo o reflexo para os congestionamentos ainda seria baixo, dado o aumento da taxa de motorização; mas a médio e longo prazos teríamos uma sensível melhora.
O desafio a curtíssimo prazo seria a retirada dos táxis dos corredores de ônibus e a limitação do uso do automóvel em vias constantemente congestionadas da cidade. São questões por ora ainda não abordadas pela prefeitura.
Padrão BRT
Importante entender que as diretrizes propostas pela SMT estão longe do tratamento exigido para uma operação no padrão BRT (Bus Rapid Transit), implementado em muitos países e inspirado no sistema de canaletas proposto pela cidade de Curitiba há mais de 30 anos.
A conversão dos corredores num sistema tronco alimentado é apenas um começo nessa direção. Para entender como funciona a operação do BRT, deve-se acompanhar o avanço deste sistema no mundo. O modelo está em constante evolução e muitas vezes sua implantação torna-se inviável devido ao espaço que necessita para operar com eficiência.
A cidade de Bogotá, na Colômbia, tem ainda hoje a maior rede de BRT do planeta, operando os ônibus com quase a mesma eficiência do metrô, dentro dos parâmetros de qualidade que o sistema consegue atingir: linha troncal, 6 pistas de cada lado da via (duas de cada lado apenas para o BRT), estações de transferência, terminais e garagem perto dos terminais.
Bogotá avançou incluindo em seu sistema linhas expressas, mais rápidas, que circulam em faixas duplas, com ultrapassagem e menos paradas. O sistema ainda dispõe de priorização semafórica e poucas conversões à esquerda – ou seja, recebe pouca interferência do tráfego local, o que aumenta a velocidade média. As estações têm painéis de informação bem sinalizados e o acesso e pagamento da passagem são feitos apenas nas estações, facilitando o embarque e desembarque (as estações são fechadas e acessadas por passarelas).
O ponto fraco em Bogotá é que o sistema BRT foi feito em substituição ao sistema de metrô, mais caro, submetendo as pessoas a um único sistema de transportes, no limite da sua capacidade.
Outra cidade colombiana, Medellín, foi além e desenvolveu uma rede integrada de alta capacidade, conectando diversos modais – BRT, metrô, bicicletas, o brilhante sistema de cabos (teleférico urbano) e ainda o inusitado sistema de escadas rolantes nos bairros. Não por acaso a cidade de Medellín é hoje símbolo de desenvolvimento urbano e social no mundo todo.
Conclusão: é importante que a cidade de São Paulo invista em outros sistemas de transportes complementares e no desenvolvimento de uma rede de alta capacidade mais criativa, inovadora, integrada, acessível e sustentável.