Henrique Oliveira de Azevedo é arquiteto e urbanista, presta consultoria em planejamento urbano e mobilidade urbana sustentável e administra o blog Rua de Gente
O transporte sobre trilho não é em si melhor do que o que se faz sobre pneu. Se mal planejado, pode se tornar um elefante branco: obra destinada mais ao lucro de construtoras que ao beneficio da cidade. Porque é fixo e caro, dificilmente é possível voltar atrás após a implantação de um sistema metroviário. No caso soteropolitano, desconheço haver quem se gabe do metrô “montanha russa” sequer ainda inaugurado!
Como pôde ser feito um investimento tão alto sem pesquisas e estudos suficientes para elaborar e definir alternativas? Não bastasse o caso do metrô, outros projetos faraônicos despendem quantias maciças dos cofres públicos, como a recente ponte Itaparica-Salvador. Nos dois casos, a lógica está invertida: somente depois de decidido é que se contratam estudos para justificar as decisões do governo. A história se repete. E os poucos heróis da resistência, que encontraram em Paulo Ormindo seu porta-voz, bradam para os que não querem ouvir.
Há falta de planejamento prévio e a contratação, a posteriori, de estudos que deveriam embasar tanto o metrô quanto a ponte. Ambos são obras de grande impacto, que antes de executadas ou terem contratados seus projetos executivos, deveriam estar embasadas em estudos prévios, como os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Tais estudos analisam os impactos de implantação e operação, incluindo alternativas locacionais e impactos pela não realização da obra. Nos dois casos, metrô e ponte, a Pesquisa de Origem Destino (O/D) que deveria embasar a concepção inicial, foi recém-concluída e desconsiderada.
Outro ponto fundamental é que tudo isso deveria fazer parte de um Plano de Mobilidade Urbana. Nossa Prefeitura tem até 3/1/2015 para elaborar este plano e ainda nada vi divulgado sobre o assunto. Que não ocorra o mesmo sucedido com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de Salvador, que saiu atropelando todos os procedimentos legais, sem participação popular, até ser considerado inconstitucional pela justiça.
Não por acaso, Salvador recebeu o título de pior desempenho em mobilidade urbana entre as seis cidades-sede da Copa das Confederações 2013. O relatório preliminar do Observatório da Mobilidade Urbana da Copa das Confederações aponta que Salvador não conseguiu dar tratamento diferenciado ao transporte público em detrimento dos automóveis particulares. Que será que nos aguarda na Copa do Mundo, em 2014?
A Linha 2 comparada à pesquisa de Origem-Destino
O metrô é um modelo de transporte público de alta capacidade, viabilizado apenas se houver um elevado fluxo de passageiros. Para demandas menores, há os ônibus, VLTs (veículos leves sobre trilhos), entre outros. Então, por que até hoje nosso metrô não funciona? Exatamente por isso: falta demanda para custeá-lo. Pois, no local onde está construído, não há circulação suficiente de usuários para pagar as contas de sua operação.
A partir da apresentação da Pesquisade Mobilidade Urbana na Região Metropolitana de Salvador, na qual há um mapa das viagens produzidas e atraídas por zona de tráfego que nos dá uma ideia mais aproximada das demandas para o metrô, produzimos o diagrama a seguir sobre mapas do Google Earth: em azul escuro, a Linha 1, trecho do metrô de Salvador já construído; em azul claro, a ampliação da Linha 1; em rosa, a Linha 2; as barras azuis representam as viagens produzidas de modo coletivo, por zona de tráfego; e as barras verdes, as viagens atraídas por zona de tráfego.
Linha 1 passa próxima a algumas zonas de grande demanda, mas as condições topográficas de nossa cidade têm dessas coisas, o que visualmente é próximo pode ter uma distância vertical a ser vencida. O metrô foi construído nos vales, mas as pessoas moram nas cumeadas. É necessário, assim, utilizar ônibus para fazer a integração ou soluções alternativas, como escadarias mecânicas, ascensores, bicicletas, plano inclinado etc. Por que não foi feito, como em todo lugar do mundo, um metrô subterrâneo? Assim ele poderia passar por locais de real demanda por transporte público, que são as cumeadas.
Vejam que ironia do destino! No início das obras, o governo justificou a concepção do metrô pelos vales por causa do custo. Hoje temos o metrô com o quilômetro mais caro do mundo! E feito em uma posição que não atende as necessidades da população. Ou seja, caro e inútil.
As duas propostas de ampliação caem no mesmo erro. Até hoje, São Paulo não tem metrô nos aeroportos. Por que será? Porque não existe demanda para metrô nos aeroportos. Muito simples: quem chega de avião normalmente não usa transporte coletivo. Claro que temos de estimular a troca do carro pelo transporte público, mas antes temos que atender, de forma satisfatória, a demanda já existente.
Pensando alternativas para o metrô
Apresentamos uma proposta preliminar, que precisa ser mais detalhada, mas certamente pode fazer parte de uma das alternativas locacionais do EIA-RIMA, pois toma por base os poucos dados disponíveis da pesquisa O/D.
Considerando a parte construída da Linha 1 e seu prolongamento em direção a Paripe, em vez de margear a BR-324, deveria penetrar as áreas mais habitadas, como Jd. Santo Inácio, Pau da Lima, Castelo Branco e Águas Claras. Pois as estações podem ter mais de uma saída para atender localidades próximas.
A Linha 2 não é a mais importante, no momento.
Mais interessante seria a revitalização do trem do subúrbio, estudando a possibilidade de expandi-lo e integrá-lo ao sistema, o que atenderia toda a região da Calçada e Comércio.
Em vez de se conectar em “Y” na estação de Brotas, a Linha 2 deveria seguir por outra rota, atendendo alguma região da cidade ainda não contemplada no projeto. O roteiro completo seria: Lapa – Campo Grande, atendendo Graça, Alto das Pombas, Federação, Lucaia, Parque da Cidade e, por trás, o Nordeste de Amaralina, Pituba, Tancredo Neves e Rodoviária.
Mas ao invés de passar pela Paralela, que tem pouco usuário para o sistema de transporte público, a Linha 2 deveria seguir a faixa de domínio da linha da CHESF, prevista para essa finalidade desde o Plano de Desenvolvimento Metropolitano (PDM da CONDER de 1977). Assim, atenderia Saramandaia, Pernambués, Saboeiro, Arenoso, CAB e São Marcos, além de Trobogy e Mussurunga.
E o Aeroporto deveria sair da rota do metrô. Assim, a Linha 2 seguiria direto para Itinga e Lauro de Freitas. As linhas propostas complementariam as principais ligações radiais da cidade, deixando, por enquanto, as concêntricas para o sistema de ônibus/BRT.
A falta de planejamento urbano é um dos maiores obstáculos que Salvador enfrenta. Por isso, urge realizar o Plano de Mobilidade Urbana para orientar investimentos públicos e privados e fornecer uma projeção mais nítida do desenvolvimento da cidade nos próximos 20 anos.
Texto/Ilustrações: Henrique Oliveira de Azevedo
Edição: Nisia Rizzo de Azevedo