Por Ayrton Camargo e Silva*
O serviço regular de transporte urbano iniciou-se na capital paulistana em 1872 a partir da concessão, dada pelo poder público, do direito de exploração de uma linha de bondes a burro, que conectava as imediações da Praça da Sé à Estação da Luz.
Era o começo da formação de uma grande rede que seria operada por várias empresas diferentes, só unificadas em sua administração a partir de 1889, pela Companhia Viação Paulista (C.V.P.). A nova empresa monopolista surgia com a missão de racionalizar e expandir as linhas, tentando melhorar seus serviços em uma época de grande crescimento urbano. A concessão, que iria até 1939, parecia dar segurança à C.V.P. manter seu monopólio na operação dos bondes. Porém, em poucos anos suas intenções seriam frustradas: o capital da empresa era insuficiente para melhorar a rede herdada, que teria no uso da eletricidade para tração, já presente em diversas cidades do mundo, a grande esperança para melhoraria dos serviços. Porém, sem recursos, a operação piorava cada vez mais e a empresa parecia justificar o apelido dado pela população ao significado da sua sigla: “C.V.P.: Cada Vez Pior…”.
No final do século 19 o município entrara em um surto de desenvolvimento econômico irmanado à chegada de grandes volumes de imigrantes que vinham suprir a necessidade de mão de obra em vários setores da economia paulista. De pouco mais de 31 000 habitantes em 1872 o município entraria no século 20 com quase 240 000 habitantes.
A incapacidade da C.V.P. em atender as necessidades de transporte do município exigia soluções mais arrojadas para tentar atender a expansão urbana e os volumes crescentes da demanda. A chegada da Light em 1899, com o compromisso de eletrificação e expansão da rede de bondes a burro, não inibiu a mobilização pela implantação de outras formas de transporte que, mesmo não efetivadas, revelam que nem todos acreditavam que a rede convencional de bondes, mesmo eletrificada e expandida, resolveria todos os problemas de uma cidade em veloz expansão urbana.
A própria ação da prefeitura revela essa visão, quando concede, no final de 1898, ao cidadão Benedito Lacerda o direito de explorar por 20 anos uma ferrovia circular, podendo ter sua implantação segregada do sistema viário por “cercas de arame”, articulando em superfície o Anhangabaú, a Mooca, o Brás, Campos Elíseos e Consolação. Não estava previsto o uso do subsolo para sua operação, mas este é o primeiro registro da tentativa de implantar no município em área urbana, um serviço de concepção totalmente nova, de articulação perimetral e inserção segregada em superfície, que conectasse bairros da cidade sem passar pelo seu hipercentro, nos limites da área mais adensada de então. O projeto não prosperou e a Câmara Municipal declarou caduca a concessão em 15.03.1899, às vésperas da chegada da Light a São Paulo.
Em março de 1906, a prefeitura concedia a Felipe Antônio Gonçalves, concessão para implantação de “uma estrada de ferro circular”, retomando ideia similar apresentada oito anos antes, de implantar uma ligação perimetral no município. A concessão, renovada em 1909 com vigência de 30 anos, prevê que “será dada ao concessionário a licença de utilizar-se do subsolo do município para efeito de sua concessão.”
É a primeira vez que o poder público municipal concede concessão para a implantação de um transporte urbano subterrâneo em São Paulo, quatro anos antes da inauguração do metrô de Buenos Aires, esse o primeiro sistema dessa modalidade implantado na América Latina.
Seu concessionário adotou para a ferrovia o nome de “metropolitana”, tratando-a também como “o metropolitano”, talvez a primeira vez que o termo surge em São Paulo vinculado a um sistema subterrâneo de transporte.
A linha seria em bitola estreita e o traçado apresentado conectava a atual Praça da Bandeira, seguia pelo Anhangabaú até o Vale do Tietê, e daí até o Pacaembu, Cemitério do Araçá, Matadouro da Vila Mariana, Ipiranga, Vale do Tamanduateí até novamente alcançar a Praça da Bandeira.
Gonçalves enfrentou diversos embates que visavam desqualificar a solução subterrânea para a operação do transporte público na cidade, sendo que sua concessão mobilizou intensos debates com a Câmara Municipal. Alguns vereadores alegavam que a cidade não tinha a densidade de tráfego suficiente que justificasse o uso do subsolo, o que traria custos elevados à implantação do projeto. O vereador Alcântara Machado foi um dos que mais se opôs à ideia, alegando que os serviços de transporte não ocupavam sequer um terço do sistema viário do município, não entendendo haver, portanto, motivos para uso do subsolo da cidade para transporte. Sua argumentação acabou tornando-se majoritária entre a maioria dos veadores, que, em votação, revogaram a concessão dada a Lacerda.
Em 1914 uma nova proposta é apresentada à prefeitura visando o uso do subsolo da cidade para implantação de transporte público. Dessa vez, o projeto previa a construção de um túnel de pouco menos de 1 km de extensão, unindo o Anhangabaú ao Parque D. Pedro II, operado por bondes a vapor, justamente no trecho de maior intensidade de trânsito na área central do município.
O túnel possuiria uma estação na Praça da Sé, acessível por elevadores. A Light protestou, alegando ser ela a única concessionária dos serviços de bondes na capital, sendo seu argumento acatado pela Câmara Municipal, que negou a aprovação para a implantação dos túneis sob a área central da cidade.
Terminada a Primeira Guerra Mundial, nova ideia vem à carga em 1924, dessa vez de implantação de um sistema “de viação subterrânea para a cidade”, que operasse serviços de cargas e de passageiros. Seu proponente, Heribaldo Siciliano, justificava sua proposta à prefeitura em um contexto de crescente aumento do número de automóveis, de verticalização no perímetro central e sem que houvesse qualquer possibilidade de alargamento das ruas para desafogar o trânsito. Segundo ele, restaria apenas ao subsolo a possibilidade de comportar um sistema rápido de transporte público. Mas também dessa vez, a ideia não prosperou.
Na década de 1920 a Light enfrentou grandes problemas que impactaram profundamente suas receitas. Em julho de 1924 a cidade de São Paulo foi tomada por militares descontentes com o governo autoritário de Arthur Bernardes, o que resultou em pesados combates entre os revoltosos e as forças legalistas, as quais realizaram os primeiros bombardeios sistemáticos a alvos civis no Brasil, devastando muitos bairros da cidade, e de quebra, destruindo inúmeras instalações da Light, (subestações, trilhos, postes, rede aérea etc.).
No mesmo ano, uma pesada seca que assolou o Estado de São Paulo obrigou a empresa a iniciar um grande racionamento da geração e distribuição de energia, aprofundando a redução de receitas, já comprometidas com a reconstrução das instalações destruídas na Revolução de 1924, nunca indenizadas pelo governo. Além disso, o serviço de ônibus, que estreara por ocasião da redução das viagens de bondes por conta do racionamento, quebrara, na prática, o monopólio da operação dos serviços de transporte que a empresa canadense possuía desde 1899.
Por tudo isso, pela primeira vez as receitas com os serviços de bondes foram suplantadas pelas receitas com a geração e distribuição de energia elétrica. Tentando reverter esse quadro, a Light solicita à prefeitura a correção das tarifas, que vinham congeladas desde que o serviço de bondes estreara na cidade, em 1872, ainda com tração animal.
Após um amplo debate, a prefeitura rejeita o pedido da Light, e as tarifas prosseguem congeladas, sem perspectiva de readequação econômico-financeira do serviço de bondes a uma remuneração minimamente atrativa à empresa, face às necessidades de custeio e expansão do sistema, fortalecimento do monopólio e adequação à dinâmica de expansão urbana da cidade bem como de garantia de dividendos aos acionistas.
Rejeitado o pedido de reajuste de tarifas, era necessário que a Light desenvolvesse uma nova estratégia que viabilizasse o reequilíbrio financeiro do sistema de bondes e, de quebra, o mantivesse como serviço lucrativo dentro das atividades do grupo canadense.
Para evitar reapresentar simplesmente um novo pedido de reajuste tarifário, dessa vez a empresa elabora uma estratégia mais sutil e ao mesmo tempo bem mais ambiciosa. Ela busca de uma só vez resolver o reequilíbrio financeiro da rede e atacar o problema da quebra do seu monopólio nos transportes públicos (surgido em 1925 com o início da operação das linhas privadas de ônibus, amparados em precária permissão legal).
Assim, em maio de 1927 a empresa encaminha à Câmara Municipal o seu “Plano Integrado de Transportes”, um amplo e ambicioso plano visando à implantação de uma rede de transporte coletivo hierarquizada, intermodal e integrada, considerando a operação de um sistema de transporte de passageiros (sobre trilhos e sobre pneus) e também de transporte de carga. O transporte sobre trilhos teria trechos subterrâneos na área central, articulados a eixos que aflorariam em superfície, implantados em bairros consolidados, operados por bondes e alimentados por ônibus que serviriam zonas menos densas (figura 1).
Como contrapartida dos investimentos, solicitava a renovação e prorrogação de sua concessão por trinta anos, renováveis por mais trinta, para operar com exclusividade todo o transporte público na capital (e continuar a deter de fato o monopólio dessa operação), bem como a duplicação das tarifas e também que a prefeitura realizasse uma parte dos investimentos na implantação da infraestrutura necessária aos novos serviços.
A cidade já possuía cerca de 800 000 habitantes, e a proposta apresentada pela Light de dotar a área central de transporte rápido e subterrâneo colidia com os conceitos do Plano de Avenidas, de Francisco Prestes Maia, que, numa visão diversa, propunha que a expansão urbana da capital ocorresse com o apoio de avenidas radiais, unidas por grandes e sucessivos anéis perimetrais, que, segundo seu autor, exigiriam investimento de menor porte se comparado ao transporte “rápido” subterrâneo. Maia defendia esse modelo por entender que a cidade não possuía nem densidade, nem recursos que justificassem no curto prazo, a implantação da proposta apresentada pela Light.
Para ele, uma infraestrutura de circulação voltada ao transporte rodoviário seria mais compatível com zonas de baixa densidade populacional e, portanto, de tráfego, que poderiam, no curto prazo, ser bem servidas por transporte sobre pneus sem investimentos elevados (figura 2).
A partir de visões tão antagônicas sobre qual solução futura deveria ser dado ao transporte público na cidade, um enorme debate sobre a proposta apresentada pela Light tomou conta da opinião pública. As dificuldades operacionais que a rede de bondes enfrentava, com uma expansão tímida frente às exigências do acelerado processo de expansão urbana, somadas ao aumento dos custos operacionais ante uma tarifa aparentemente defasada das necessidades operacionais, entre outros aspectos, refletiam na qualidade do serviço, considerada de forma geral inadequada, desgastando enormemente a imagem da empresa, e enfraquecendo a legitimidade técnica da proposta apresentada. Esse quadro reforçava o desgaste da empresa ante a opinião pública, que não via com bons olhos o aumento do poder da empresa nos serviços de viação urbana, sobretudo à custa de um enorme aumento tarifário associado ao aumento do prazo de concessão.
O excesso de confiança na aprovação do plano levou a situações inusitadas, como o início das desapropriações de terrenos necessários para a implantação dos túneis, mesmo sem que a Câmara Municipal tivesse se manifestado sobre a renovação da concessão. O plano previa a travessia do Anhangabaú por um viaduto para os trens paralelo ao Viaduto Santa Ifigênia, articulado a túneis que seriam implantados sob a sede da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, que ficava no Largo São Bento, no final da Rua Líbero Badaró. A sede da empresa chegou a ser desapropriada para implantação das obras da embocadura dos túneis sob o Largo São Bento, projeto nunca iniciado, local onde, já na década de 1970, seria utilizado para implantação da Estação São Bento da Linha 1-Azul (figura 3).
excessiva politização do debate sobre o plano, mudanças inesperadas no governo estadual, (a morte do governador Carlos de Campos, ex-advogado da Light e a posse do seu vice, Júlio Prestes, de tendência mais nacionalista), bem como o regime de exceção criado pela revolução de 1930, fizeram com que a proposta jamais fosse formalmente analisada pelo poder público. Como para ótimo entendedor nenhuma palavra basta, a Light entendeu que o silêncio da prefeitura significava tudo, menos qualquer preocupação em dar a resposta desejada pela empresa.
As dificuldades institucionais geradas pela ditadura Vargas em São Paulo, com prefeitos e interventores de curta duração, o fechamento do legislativo entre 1930 e 1934 e posteriormente entre 1937 e 1945, agravado pela deflagração da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial impediram qualquer possibilidade de apresentação e discussão de projetos arrojados para a rede de transporte de massa em São Paulo.
A situação excepcional que a Segunda Guerra impunha ao Brasil impedia a oportunidade do poder público capitanear qualquer discussão sobre investimentos para minimizar os problemas de mobilidade da capital.
O problema maior era o que fazer com a rede de bondes da Light, uma vez que a empresa formalizara à prefeitura sua desistência em renovar a concessão, que terminaria em 1941, em função da não resposta ao seu Plano de Transporte de Massa.
Temendo descontinuidade na operação da rede, o governo ditatorial de Vargas impõe por decreto-lei a continuidade excepcional do contrato até o fim do conflito mundial.
Em paralelo, o Instituto de Engenharia propôs em 1942 um concurso de monografias sobre urbanismo para a cidade, ganho pelo engenheiro Mario Lopes Leão com uma monografia sobre “O Metropolitano em São Paulo”. Publicado em 1945, o trabalho alcançou repercussão no meio técnico da época, e ajudou a recolocar o tema em discussão pública, numa época em que todas as preocupações se voltavam para o recebimento do espólio da rede de bondes da Light, herdado por uma empresa pública criada para operar a rede sucateada complementada por um serviço de ônibus ineficiente, pulverizado e concorrente dos bondes.
A proposta de Mario Lopes Leão propunha a implantação de um “anel de irradiação” com aproximadamente 3,5 km de extensão (pela Rua Maria Paula, Praça da Sé, Pátio do Colégio, Parque D. Pedro II, Viaduto Santa Ifigênia, e Avenida Ipiranga). Desse anel sairiam linhas para os bairros consolidados, a saber, para Pinheiros, Vila Mariana e Santo Amaro, Penha, Santana, e Estação Júlio Prestes, em conexão com as linhas de subúrbio da E.F. Sorocabana. Essa rede teria 24,7 km de extensão e seria complementada com sistemas alimentadores operados por bondes, trólebus e ônibus. Porém não houve nenhum desdobramento prático dessa proposta, bem como de outras duas propostas surgidas logo em seguida, uma delas apresentada em 1947 pelo Metrô de Paris e outra apresentada no ano seguinte, pela Companhia Geral de Engenharia, estudo encomendado pela prefeitura de São Paulo na administração Paulo Lauro (figura 4).
São Paulo entra na década de 1950 com mais de 2 milhões de habitantes, se orgulhando desde os anos 1930 em ser “a cidade que mais crescia na América Latina”. Seu transporte público dependia de uma rede sucateada de bondes que tentava uma sobrevida, de uma rede tímida de trólebus e de uma infinidade de linhas de ônibus concorrendo com os dois primeiros, com baixo desempenho e eficiência, mas muita capilaridade.
No final de 1955 o prefeito Lino de Matos institui a Comissão do Metropolitano, coordenada pelo ex-prefeito Prestes Maia, que tinha como objetivo apresentar uma proposta sobre uma rede de transporte de massa. O estudo foi concluído em julho do ano seguinte, tendo sido entregue ao novo prefeito Wladimir de Toledo Piza.
Os estudos resultaram no documento “Anteprojeto de um Sistema de Transporte Rápido Metropolitano” que propunha uma rede radial de aproximadamente 100 quilômetros de extensão, que integrava originalmente seis linhas, das quais três foram detalhadas, a saber: Santana-Santo Amaro, Penha-Lapa e uma linha que conectava a Estrada do Itapecerica até o Ipiranga, nas imediações de São Caetano. Essas três linhas se cruzavam na região central da cidade, sendo que essa concepção acabou por se constituir na base de todos os estudos futuros sobre o sistema de metrô para a cidade, influenciando fortemente a primeira rede básica do metrô moderno da cidade, formatada dez anos depois desse estudo (figura 5).
A gestão Piza chegou a organizar uma concorrência internacional visando a contratação do “Anteprojeto de um Sistema de Transporte Rápido Metropolitano”, vencida pela empresa alemã Alweg. Para essa concorrência as diretrizes do plano são mudadas, e trechos inicialmente subterrâneos são transformados em elevados, como que em justificativa para a escolha da empresa vitoriosa no certame, especializada em sistemas elevados do tipo de monotrilhos (figura 6).
Em 1957, a nova administração municipal recém empossada adota nova orientação para a implantação do transporte rápido na cidade. É abandonada a ideia de implantação do sistema Alweg em troca da implantação de um trecho de linha subterrânea que conectasse as praças João Mendes e República, aproveitando as galerias existentes sob os viadutos. Em 1959 esse projeto foi reduzido para um trecho de 140 metros, caindo logo em seguida no esquecimento.
A instabilidade política vivida pelo município, agravada pela grave crise financeira que o assolava, impediu que qualquer ação estrutural fosse adotada pela prefeitura de forma a viabilizar investimentos na implantação de um sistema de transporte de massa na cidade.
Em abril de 1961, Prestes Maia retorna à prefeitura de São Paulo, e dois anos depois cria, em conjunto com o governo do Estado, uma comissão voltada ao desenvolvimento de estudos visando a implantação do metrô, recuperando os estudos da comissão criada em 1955 e por ele presidida.
Maia encontrou graves problemas financeiros na administração municipal, herdados da gestão anterior, e pouco pode fazer em termos de implantação de obras de maior fôlego, incluindo aí ações concretas para a implantação do metrô.
Mesmo a extinção completa da rede municipal de bondes, mote que vinha desde a sua primeira gestão, teve que esperar, dada a falta de recursos da CMTC em substituir por novos ônibus as linhas de bonde ainda existentes.
Em abril de 1965, Faria Lima assume a prefeitura e encontra-a numa condição financeira completamente diferente, daquela recebida por Prestes Maia quatro anos antes. Mas ainda, com a reforma tributária promovida por Castello Branco no mesmo ano, o município passa a receber mais recursos do governo federal, permitindo que o novo prefeito se dedique a implantar obras sonhadas pelo seu antecessor. E em sua gestão, duas ações importantes são logo tomadas: a extinção total dos bondes e a implantação do metrô na cidade (figuras 7 e 8).
O passo inicial para que o metrô saísse do papel foi dado em 31 de agosto de 1966, quando a administração municipal cria o Grupo Executivo Metropolitano que nasce com o slogan “São Paulo Depende do Metrô”. Ao constituir o GEM, Faria Lima declara “Já está mais do que provado ser o metrô a melhor e a única solução para os transportes coletivos em nossa capital. A população deverá duplicar em 15 anos e impõem-se medidas efetivas para resolver o grave problema dos transportes coletivos”. De imediato, O GEM promove uma concorrência internacional para a contratação de um estudo de viabilidade econômico-financeira, bem como um projeto funcional de engenharia de implantação da rede, daquele que seria o primeiro metrô implantado no Brasil e o segundo da América do Sul. Essa concorrência foi ganha pelo consórcio que ficou conhecido como HMD, iniciais das empresas que o integravam: Hochtief, Montreal e Deconsult. O contrato foi assinado em 7 de abril de 1967 e os estudos concluídos em março de 1968.
Em 26 de dezembro do mesmo ano, a Câmara Municipal aprovava a lei 6.988 que criava a Companhia do Metropolitano de São Paulo. Sua sede seria instalada junto à Secretaria Municipal de Finanças, na Rua Florêncio de Abreu, no centro da cidade.
Em 1967 seria contratada a primeira Pesquisa Origem-Destino de passageiros realizada no Brasil. O levantamento subsidiou os estudos para a definição da primeira rede básica de metrô. Vale dizer que essa pesquisa é realizada desde então a cada dez anos.
Os estudos foram concluídos em 1968 com a apresentação de uma proposta de rede básica com 66,2 km de extensão – 63,4 km em subterrâneo e elevado, e 2,8 km em superfície, constituída pela Linha Norte-Sul (Santana a Jabaquara), conectada a outras duas em arco (abertos para o norte e para o sul), as linhas Casa Verde-Vila Maria e Pinheiros-Via Anchieta. Completavam a rede a Linha Vila Madalena-Paulista e os ramais Moema e Vila Bertioga, o primeiro seria implantado no trecho inicial da última linha de bondes da cidade, extinta no mesmo ano do início das obras do metrô. Essa rede pressupunha a integração dos modos de transporte e a modernização dos serviços de trem de subúrbio, formados à época por três sistemas não conectados, tendo a previsão de estar finalizada em 1978 (figura 9)
A implantação da linha pioneira, então denominada Norte-Sul, com cerca de 18 km, foi dividida em 11 trechos, cada um objeto de licitação específica para contratação do projeto executivo e de implantação das respectivas obras. Em 26 de novembro do ano de 1968 foram assinados os contratos para as obras dos trechos 7 (Santa Cruz-Praça da Árvore) e 8 (Praça da Árvore-São Judas).
A cerimônia de início dos trabalhos de construção da primeira linha do Metrô ocorreu em 14 de dezembro de 1968 na Avenida Jabaquara esquina com Rua Fagundes Dias, presidida pelo prefeito Faria Lima, pouco antes de deixar a prefeitura, em abril de 1969. A Avenida Jabaquara estava interditava desde a Praça da Árvore até o local da solenidade, decorada com bandeiras de São Paulo e balões com a logomarca do Metrô. Quatro filas de caminhões, escavadeiras e gruas, numa extensão de cerca de 500 metros compunham o local (figura 10).
O impacto da implantação da primeira linha do Metrô no desenvolvimento da engenharia e da indústria nacional foi imenso. Como, por exemplo, com a adoção de modernas técnicas de planejamento e projeto, uso de novas técnicas construtivas, até então inéditas no país (com o uso do “tatuzão” para furar os túneis na área central), adoção de formas inovadoras de comunicação com o público, implantação de modernas técnicas de engenharia por ocasião da implantação dos desvios de tráfego, utilização pioneira da “implosão” em área urbana. Estes foram alguns dos aspectos mais relevantes dos primeiros anos de funcionamento do Metrô, com repercussão em diversos campos em todo o país.
Mas isso é tema para uma outra história…
*Ayrton Camargo e Silva é arquiteto e urbanista, e assessor técnico da Diretoria de Planejamento e Expansão dos Transportes Metropolitanos do Metrô-SP | Texto publicado originalmente na Revista Engenharia, Edição 638, jun 2018