Citado com entusiasmo adolescente pelo candidato à Presidência da República Fernando Haddad na sabatina de 14.09.2018 do Jornal Nacional, o impiedoso desmonte da inspeção veicular ambiental no Município de São Paulo não trouxe nada de positivo para a sociedade e para os cofres do Município. Ocorreu exatamente o oposto disso: o cancelamento desse programa tem sido trágico para a saúde e o bolso dos paulistanos, para a proteção do clima e também representa uma grave ameaça para todos os brasileiros.
A inspeção veicular obrigatória vinculada ao licenciamento anual é um programa complexo e politicamente sensível. Foi desenvolvido pela Agência Ambiental do Estado de São Paulo – Cetesb – muito ativa no início da década dos noventa – com vistas a uma implementação consistente, de abrangência regional. Mas, devido a um tóxico acordo político subterrâneo, caiu nas mãos de Paulo Maluf, o então Prefeito em 1995. Maluf articulou com o Governo do Estado para restringir a medida exclusivamente ao Município de São Paulo, o que facilitaria sua licitação; criava-se assim em São Paulo, por meio de um certame relâmpago, com um único concorrente (!!), o maior monopólio de inspeção veicular do mundo, com mercado cativo de cerca de seis milhões de inspeções anuais (a cerca de R$50,00 por inspeção), operado por uma única empresa, controlada à época pelo famoso Grupo OAS.
Entretanto, o programa demorou quinze anos para ser iniciado, devido a complicações com o Judiciário. Tornou-se – por linhas tortas – uma realidade; mas, somente no Município de São Paulo, uma vez que no Estado, o programa regional idealizado e concebido pela Cetesb, foi sistematicamente esvaziado por um governo estadual sem nenhum apreço pelo combate à poluição atmosférica e sonora e pela saúde pública. A propósito, até hoje, por absoluta falta de proatividade da militância ambientalista e dos agentes de defesa do interesse público, esse mesmo Governo insiste, sem constrangimento, em afrontar o artigo 104 da lei federal 9.503/1997 – criado a partir de iniciativa da sua própria agência ambiental.
A inspeção técnica periódica é um programa imprescindível, do tipo ganha-ganha-ganha, praticado há décadas em dezenas de países; mas alguns leigos, metidos a entendidos, “acham” que, além de inútil, é uma medida impopular no Brasil.
A realidade é que a inspeção veicular se auto-sustenta, traz comprovadamente economia global de combustível e redução das emissões de gases do efeito estufa, da ordem de três a cinco porcento, reduz a carga total anual de emissões tóxicas de partículas cancerígenas da frota em cerca de 20%, trazendo benefícios concretos à saúde da população – quando bem implementada.
No Município de São Paulo, o programa foi, de fato, bem implantado em 2008 pela empresa Controlar; e depois de cinco anos, já fazia parte (pacificamente) da cultura cidadã do Município, e era visto na América Latina como um exemplo operacional a ser seguido – em que pese o indesejável monopólio e sua equivocada restrição geográfica, limitada às fronteiras do Município de São Paulo.
Entretanto, quando candidato a Prefeito, Fernando Haddad – para atrair os votos da classe média e dos ricos (que andam de automóvel próprio) – prometeu que iria acabar com a inspeção veicular – uma promessa prá lá de estranha para um candidato a zelador de uma população de 12 milhões de paulistanos que respiram veneno 24 horas por dia, muitos, entre eles, com perdas auditivas importantes causadas em parte pelo tráfego intenso de veículos em condições de manutenção inadequadas. Dizia o candidato em suas manifestações públicas, sem base técnica ou qualquer outro motivo plausível, que se tratava de um programa inútil, um caça-níqueis. Obviamente, não era, nunca foi; e o programa de São Paulo, desde o início, ia muito bem, obrigado.
O então Prefeito eleito Haddad, de fato, não tinha em mãos nada que pudesse justificar suas desatinadas declarações eleitoreiras contra a inspeção veicular. Além do mais, o programa sempre foi uma exigência legal desde 1997, e tem que ser feito invariavelmente em todo País. A extensão do desserviço já ultrapassava durante a campanha o limite da responsabilidade, em se tratando de uma política pública ambiental e de saúde pública em vias de consolidação, estabelecida com grande dificuldade pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama.
Eleito Prefeito, depois de dois anos, deu um jeito de encerrar o programa, alegando problemas contratuais; e, é claro, não se deu o trabalho de por outro no lugar numa transição sem descontinuidade. A ideia era cumprir a rasteira promessa aos eleitores que usam o transporte individual motorizado poluidor – um compromisso aparentemente mais importante para o jovem e inexperiente alcaide, do que as milhares de vidas perdidas anualmente pelo excesso de poluição cancerígena na cidade.
O então Prefeito declarava ainda, como vaga justificativa, sem apresentar estudos e números, que o programa desviava receita do tesouro municipal, pois muitos estavam emplacando o carro em outros municípios vizinhos para fugir da inspeção anual, e o dinheiro do IPVA (50% desse imposto é destinado aos municípios) ia para cofres da vizinhança. Outra invenção: essa evasão, se existisse, seria irrelevante – quem estuda o tema em profundidade sabe que o potencial de evasão do licenciamento de tais programas – se houver – é diminuto. Um levantamento feito junto aos despachantes da cidade, confirmava a inexistência de qualquer movimento importante de evasão.
Destruiu-se assim, o maior programa de controle da poluição de veículos em uso do Brasil – benchmark para o resto do País. São cerca de seis milhões de veículos registrados em São Paulo, com estado de manutenção precário, poluindo muito mais do que deveriam. Um dano irreparável à sociedade; uma triste contradição, o equivocado ato de governo! Logo o Haddad, que fazia um espalhafatoso proselitismo no tema da “Mobilidade Sustentável”: ciclofaixas, corredores de ônibus etc.
Enquanto isso, segundo estudos científicos sistemáticos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, morrem prematuramente na área metropolitana de São Paulo cerca de 8 mil pessoas/ano por doenças cardiorrespiratórias relacionadas com os picos de concentração da poluição do ar, causada predominantemente pela frota de veículos automotores.
Conclusão: se um prefeito comete esse ato insano localmente, para levar vantagem pessoal, imagine o estrago que poderá fazer nacionalmente, como Presidente, responsável que será pela iminente regulamentação da implementação da inspeção veicular integrada (emissões e itens de segurança) em todo País!