Marcelo Blumenfeld
Diretor de projetos da AHEAD Innovation Strategies, uma consultoria com foco em pesquisas estratégicas em sustentabilidade e inovação na área de desenvolvimento urbano. Mestre em Planejamento de Transportes pela Universidade de Leeds e Bacharel em Desenho Industrial pela FAAP, tem como interesse primário a aplicação de novas tecnologias em soluções urbanas e o desenvolvimento de novos modelos de transportes
No começo do mês, o governo de São Paulo e o Metrô-SP publicaram os resultados da Pesquisa de Mobilidade da Região Metropolitana 2012. De cinco em cinco anos, a pesquisa mostra em números aquilo que estamos cansados de ver nas ruas: cada vez mais pessoas dirigindo carros por cada vez mais tempo nos congestionamentos, e aqueles espremidos nos trens e ônibus esperando sua vez de poder dirigir o seu.
Em São Paulo, carros são mais do que meros meios de transporte. Por aqui, são a moeda social usada como estandartes de personalidade, poder e status. Bem, eram até agora. De acordo com a pesquisa, as classes A e B (renda familiar acima de R$ 4.976,00) reduziram o uso de automóveis em 6%, e aumentaram as viagens a pé ou em transporte público na mesma proporção, quando comparado com 2007. Aparentemente, a combinação do trânsito cada vez mais caótico, com as novas linhas de metrô e ônibus e a crescente conscientização socioambiental acenderam a chama da mudança.
Os paulistanos parecem ter começado a ver a luz no fim do túnel congestionado, o que nos traz a dúvida. Se esta mudança aconteceu mesmo enquanto o transporte público se mostra ineficiente, quanto mais a cidade melhoraria se o planejamento fosse otimizado?
Coincidentemente, na mesma semana houve o rebuliço na mídia, quando a atriz Lucélia Santos foi flagrada em um ônibus no Rio de Janeiro. Enquanto alguns a denegriram por se “rebaixar ao transporte de pobre”, muitos saíram em sua defesa, aplaudindo sua atitude e clamando por melhores condições de transporte no país. Neste caso, a mídia social tem sido crucial para o aumento da conscientização sobre os impactos ambientais, e para a exposição da desigualdade social e econômica. O resultado, por consequência, é uma mudança no olhar sobre o transporte público e seu benefício essencial para cidades mais sustentáveis e com qualidade de vida.
O que não é coincidência, no entanto, é o enorme aumento nas viagens sobre trilhos. Desde 2007, novas linhas foram entregues em São Paulo, o que resultou em 62% mais viagens nos trens, e 45% mais viagens no metrô. Ressalta-se aqui também que a maioria das estações inauguradas estão nas áreas mais ricas da cidade, explicando assim o aumento no uso deste modal pelas classes mais altas.
De qualquer modo, a troca do carro pelo transporte público entre os mais ricos contesta impiedosamente a noção tão largamente divulgada de que o paulistano nunca abriria mão de seu possante. Porém, o trânsito ficou tão insuportável que a grande maioria saiu em busca de alternativas. E, na verdade, esta talvez seja apenas a ponta do iceberg. Pode haver ainda uma enorme demanda para ônibus, trens e bicicletas, repreendida por falta de acesso ou segurança. As 55% viagens a mais nos táxis podem também indicar que finalmente o carro perdeu seu encanto e mais e mais pessoas estão livrando-se (ou tentando) dele.
Entre números e gráficos de tendências já conhecidas e esperadas, a Pesquisa da Mobilidade 2012 rompe com os paradigmas anteriores e mostra que a história com o carro pode não terminar com “felizes para sempre”, e que o casal está discutindo a relação. Isto é bom para a cidade, para os pulmões e para a sociedade, mas como podemos agir para servir a toda esta nova demanda que está disposta a mudar?
Mesmo com novas linhas, o metrô ainda é ínfimo em São Paulo, com 3,75 metros de trilhos por 1.000 habitantes. Só para comparar, Londres tem uma extensão 15 vezes maior por habitante. Não obstante, pontos de ônibus, embora belos e novos, não oferecem informações e horários das linhas para seus usuários. E diferentemente de outras grandes cidades, São Paulo parece fazer vista grossa às novas tecnologias que contribuem para o transporte público, como aplicativos de celular e veículos com GPS para estimativa de rota. Por fim, há ainda a questão da segurança nos pontos e nas caminhadas que completam as viagens, especialmente à noite. Mais da metade dos entrevistados pelo Detran-SP apontam a falta de segurança como causa principal ao evitarem ônibus e trens quando saem à noite ou aos fins de semana. Mais do que compreensível, visto que um pedestre tem 3,5 vezes mais chances de ser assaltado do que um motorista. Isto certamente mantém diversos ciclistas e usuários em potencial presos dentro de seus carros blindados.
Portanto, é essencial não apenas entender, mas também aproveitar o potencial destes resultados. Especialistas ingleses da JMP Consultants e da Ahead Innovation têm acompanhado de perto estas tendências para novos hábitos de mobilidade no Brasil. Construir mais avenidas apenas reforçará o paradigma anterior, defendendo valores já antiquados em relação ao carro. E políticas de incentivo como o IPI reduzido deveriam favorecer bicicletas e não automóveis, encorajando a mudança na percepção do valor social de cada meio de transporte.
Uma única linha de metrô e novas faixas de ônibus já foram suficientes para mudar 6% daqueles que mais usam o carro. Então imagine quanto da cidade mudará quando melhorias na infraestrutura dos transportes e no planejamento atingirem as demais parcelas da população. A mobilidade em São Paulo não é uma causa perdida, e sim um trabalho em andamento. E depende de nós, no correto planejamento orientado ao usuário e nas decisões certas para que o futuro da cidade seja mais sustentável e próspero a todos.