Palavra de Especialista

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Publicado por Thiago Guimarães no dia 11 de abril de 2012

Uma das primeiras atitudes da presidenta Dilma Roussef em 2012 foi aprovar da lei 10.587, que estabelece as diretrizes da Política Nacional da Mobilidade Urbana e que entra em vigor nesta quinta-feira, 12 de abril. Entrevistamos Rafael Pereira, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e co-autor do comunicado A Nova Lei de Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, para compreender sob quais condições a nova lei poderá alavancar mudanças reais nas condições de mobilidade no Brasil. A tônica de sua resposta: participação popular e fiscalização da sociedade.

 

O Estatuto da Cidade fez dez anos, mas os resultados ainda são parcos. Não pode ocorrer o mesmo com a nova política de mobilidade urbana?

O grande ganho do Estatuto da Cidade foi fazer a questão urbana voltar à pauta das políticas públicas. O rol de instrumentos previstos pelo Estatuto, incluindo o Plano Diretor, é o meio que o município possui de fazer valer a política urbana no seu município. Um novo padrão de desenvolvimento é de certa forma preconizado pelo Estatuto, e seguido, em razão dos princípios e diretrizes constitucionais, nos planos diretores municipais desenvolvidos. A aderência à realidade é uma crítica constante nos planos diretores realizados, que está diretamente relacionado e condicionado com o processo participativo da elaboração desses planos.

A lei 10.587/2012 estabelece as diretrizes e princípios gerais da Política Nacional da Mobilidade Urbana e define a exigência da elaboração de planos diretores de mobilidade integrados aos planos diretores municipais para os municípios acima de 20 mil habitantes (o mesmo recorte definido no Estatuto). Assim, para evitar esta lacuna, é necessário o desenvolvimento de planos diretores municipais com participação popular, o diagnóstico das peculiaridades e características do sistema de mobilidade local baseado em estudos técnicos e a observação dos princípios definidos na Política Nacional de Mobilidade Urbana e nas demais políticas setoriais locais.

 

No Brasil algumas leis “não pegam”. O que é necessário para que a lei da política de mobilidade “pegue”? 

Os municípios passam a ter importante responsabilidade para “fazer a lei pegar”. Elaborar plano de mobilidade urbana passa agora a ser obrigação para 1.663 municípios (alguns já tinham seus planos). Fazer a lei pegar significa que esses planos sejam elaborados com qualidade técnica e dentro dos princípios democráticos de participação da sociedade. Mas fazer a lei pegar vai além dos planos, vai até o cotidiano da política de mobilidade urbana dos municípios. É no dia a dia dos municípios que se dá a gestão do transporte urbano.

Os governos estaduais, e principalmente o governo federal, também têm uma contribuição a dar para concretização da lei. Isso passa, por exemplo, pela cooperação institucional para as regiões metropolitanas terem um sistema de transporte coerente e integrado (e não vários sistemas que não conversam entre si).

O governo federal, em particular, tem uma importância chave. É o governo federal, por meio do Ministério das Cidades, que possui a responsabilidade de dar assistência técnica e financeira aos municípios e estados. Muitos municípios e estados tem graves deficiências na gestão municipal com quadros pouco capacitados tecnicamente e poucos recursos.

O Ministério das Cidades já possui programas de apoio aos municípios com capacitação, investimento e financiamento de projetos na área de mobilidade urbana. Contudo, são programas que sofrem diversas dificuldades de contingenciamento, municípios com pouca capacidade de fazer boas propostas, concentração de recursos em poucos municípios grandes, etc. Avançar na gestão desses programas é fundamental.

A lei é uma referência para todos e ela abre a possibilidade para que eventuais as ações e investimentos das prefeituras possam ser contestados pela sociedade Civil, ministérios públicos estaduais, meios de comunicação, caso eles venham a contrariar as diretrizes fixadas na lei.

Um município que faz uma obra com grande vulto de investimento que beneficia apenas modos de transporte individuais e motorizados, por exemplo, deve ser questionado na câmara municipal, nos meios de comunicação etc. Se o governo federal abre mão de determinados tributos para estimular a indústria automobilística com a preocupação de manter empregos, então que isso seja questionado de forma a dar benefícios para empresas fabricantes de ônibus, de combustíveis limpos, etc.

 

Por quais canais e com qual base técnica a sociedade civil pode contestar decisões e investimentos considerados conflitantes com a nova legislação, se esta não estabelece critérios para uma avaliação?

A lei estabeleceu as diretrizes e princípios da Política Nacional de Mobilidade Urbana, bem como outros aspectos inerentes à política, como por exemplo, as atribuições dos entes federados e os direitos dos usuários do sistema nacional de mobilidade urbana. Por meio de uma análise de aderência de determinada política ou ação pública às diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana a população pode vir a contestar os atos do governo nesse sentido. Os instrumentos de participação popular na política foram definidos na lei, como por exemplo, órgãos colegiados, ouvidorias e audiências públicas. Ainda, a população pode vir a contestar por meio de outros canais, como as câmaras legislativas e o Ministério Público.

 

A mudança do modelo de regulação tarifária deve mesmo acirrar a competição entre as empresas de transporte coletivo ou a efetividade desse instrumento também está sob risco, devido ao poder dos oligopólios que atuam na oferta e operação do transporte coletivo em cidades brasileiras?

O novo formato de definição de tarifa tende a acirrar a competição entre as empresas no momento de participar da licitação, ou seja, a competição na entrada do mercado. Contudo, para que haja uma competição que traga reais benefícios aos passageiros, seria desejável um número maior de empresas competindo entre si.  Mas há sim, via de regra, um oligopólio no setor.
A lei cria respaldo jurídico para políticas de taxação ao uso de certos meios de transporte e de subsídio a outros. Até que ponto isso representa de fato uma inovação? Cidades como São Paulo implantaram uma política de restrição ao uso do automóvel ainda na década de 1990, apesar da ausência desse respaldo jurídico…

A inovação se dá pela previsão legal destes instrumentos e a vinculação destes à uma política nacional de mobilidade urbana. Tome-se o exemplo do Estatuto da Cidade: muitos dos instrumentos previstos no marco da política urbana já eram utilizados em alguns municípios brasileiros. Com a lei, houve sim uma maior divulgação e o movimento de elaboração dos planos diretores consolidou os instrumentos da política urbana no âmbito dos municípios. Nesse sentido, espera-se que se repita com a Política Nacional de Mobilidade Urbana o ocorrido com a política urbana em geral.

 

Mas há municípios que simplesmente copiaram de outros boas partes de seus “planos diretores participativos”, apenas para cumprir a obrigação. Com a nova lei de mobilidade, os municípios terão que elaborar planos de mobilidade. O mesmo processo não pode se repetir?

Para que isso não ocorra, é essencial haver fiscalização por parte da sociedade civil, Ministério Público, da mídia etc. Acompanhar a elaboração desses planos e denunciar eventuais faltas cometidas do ponto de vista técnico ou da participação democrática. O Ministério das Cidades possui uma avaliação geral sobre a elaboração de planos diretores no Brasil e aprendeu muito com essa experiência. Para reduzir o risco de elaboração de planos ruins, poderiam ser enviados a alguns municípios observadores externos (técnicos do próprio Ministério, agentes dos ministérios públicos estaduais etc.) para fiscalizar etapas cruciais do processo.



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