Abrindo o jornal Folha de S. Paulo de quinta-feira (30) me deparei com a seguinte manchete: “Moradores fecham Jacu e põem fogo em linha da CPTM”. Resumo da notícia: a circulação de trens foi interrompida e milhares de pessoas foram atingidas.
Em qualquer lugar do mundo, incendiar um ônibus ou um trem é considerado um ato de terrorismo, pois coloca em risco a vida de milhares de pessoas. Não há nada que justifique uma manifestação de barbárie como essa, embora a cena seja recorrente no Brasil e conte com a impunidade dos culpados e com a falta de atitude mais drástica por parte das autoridades, que tratam o episódio como mero vandalismo. É preciso ter leis mais duras e caracterizar isso como crime, ato de terrorismo, com a devida punição. Outra forma de lidar com o problema seria aprender como Medellin, na Colômbia, que iniciou um trabalho com a comunidade para transformar todo o sistema de transportes públicos através da criação do “senso de pertencimento” na comunidade.
Doze ônibus em uma semana
“ Em menos de uma semana, chegou a onze o número de ônibus queimados na Região Metropolitana de São Paulo. O 11º ataque ocorreu por volta das 22 horas desta quarta-feira, no Parque Dourado, próximo a um conjunto habitacional de Ferraz de Vasconcelos, na região leste da Grande São Paulo” (O Estado de São Paulo, junho de 2012).
“Cerca de 20 adolescentes, um deles armado com uma pistola, forçaram a parada do coletivo da Viação Real, que opera a linha municipal, e alguns invadiram o veículo. Após roubarem cerca de 40 reais da catraca, os criminosos – que também carregavam um galão com gasolina – começaram a espalhar o combustível no ônibus e encharcaram também a roupa do cobrador, ameaçando atear fogo nele.” (O Estado de São Paulo, junho de 2012)“Na noite da segunda-feira (16), um ônibus foi incendiado por vândalos na altura do número 6000 da avenida Nordestina, Zona Leste de São Paulo” (Portal G1).
Notícias de incêndios em transportes públicos como as ocorridas em São Paulo durante as últimas semanas também são comuns em outras cidades colombianas, mas não mais em Medellin.
Pertencimento
Em março de 2012, estive com os gestores da Secretaria de Desenvolvimento Social de Medellín, e o que eles me disseram explica um pouco esse fenômeno nos países latinos. Segundo eles, os cidadãos latinos protestam muito durante a implantação de um determinado projeto público, mas quando o projeto é aprovado pela maioria da população, a medida é acatada e respeitada.
Ilustração: Caroline Pires
Na visão desses executivos, quando os projetos (tais como novas vias, novas rotas e e novos modais) são implantados, não causam a sensação de pertencimento na população, ou seja, a reação é sempre algo como “isso não é nosso, é do governo, e se é do governo é porque é ruim”.
Como em geral os sistemas de transportes não são bons, eles se tornam alvo da própria população. É uma forma de dizer “esse seu sistema de transporte é tão ruim que não faz diferença para nós”.Medellin começou a mudar essa história, e há muitos anos nenhum ônibus é incendiado ou depredado na cidade. Quando o governo de Medellin vai implantar um novo sistema de transportes, ou uma nova via onde pessoas serão desapropriadas, a área de Desenvolvimento Social faz um levantamento geral da área e com dois anos de antecedência começa a trabalhar junto com os moradores, porque serão eles que irão trabalhar nas obras, na administração e na manutenção do projeto quando implantado. Além disso, o governo cria escolas profissionalizantes, gera emprego local, cria o desenvolvimento local . No Brasil a idéia de desenvolvimento significa “estímulo ao mercado imobiliário”, “requalificação”, “aumento de IPTU”, e essa idéia de desenvolvimento não garante que a população local irá beneficiar-se desse desenvolvimento. Pelo contrario acabam sendo expulsas.
Medellín pensa de forma inclusiva. Informa antecipadamente que as pessoas serão assentadas no próprio bairro e oferece uma garantia de que todas as pessoas irão beneficiar-se com o projeto. Os resultados disso podem ser vistos na qualidade do sistema de transportes: as pessoas têm verdadeiro orgulho do seu sistema de transportes, tal como o brasileiro tem orgulho do seu futebol. O transporte pertence a cada um deles e daí ninguém bota fogo.