País precisa controlar o carbono negro emitido pela frota diesel. Material sai do escapamento de caminhões, ônibus, caminhonetes e carros diesel na forma de partículas nanométricas
Por Olímpio Álvares*
O momento é de perspectiva de profundas mudanças na condução de políticas climáticas pelo Ministério do Meio Ambiente e espera-se que venham para o bem. Em 12 de maio de 2016, no Comitê do Clima da Prefeitura de São Paulo, o Professor Paulo Artaxo do Instituto de Física da USP – pesquisador brasileiro de maior expressão internacional da área de aerossóis e mudança do clima – informou que o Black Carbon (BC), ou carbono negro – partículas nanométricas presentes nas emissões dos motores a diesel – responde por cerca de 30% do forçamento climático (aquecimento global – efeito estufa) e, portanto, deve necessariamente constar como componente relevante das políticas internacionais, nacionais, regionais e locais de mitigação das mudanças climáticas – adicionalmente ao dióxido de carbono (CO2) fóssil, metano (CH4) e outros gases do efeito estufa.
Segundo Artaxo, muitos países já incluem o BC em seus Intended Nationally Determined Contribution– INDC (planos nacionais de mitigação das emissões causadoras do efeito estufa), inclusive os proativos México e Chile, sempre à frente entre os países emergentes no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável e melhoria da qualidade do ar.
A INDC do México – que pode ser um bom modelo para os países em desenvolvimento que ainda não incorporaram metas para mitigação do BC – estabelece uma redução de 51% em 2030 para o carbono negro, relativamente aos níveis business-as-usual (cenário futuro sem as medidas específicas para o controle de emissões de BC). O INDC mexicano é apresentado na página:
O Brasil, que se mostrou muito ativo e um aparente protagonista na COP-21 de Paris, em dezembro de 2015, jamais poderia ignorar a necessidade premente de controlar as emissões de BC com rigorosas políticas públicas bem dirigidas, incorporando-as, em tempo, em seu próprio INDC. Mas, até hoje, até onde sabemos, o governo brasileiro nada indicou sobre esse tema – parece até desconhecer o importante fenômeno climático. Disse Artaxo: “fazer a inclusão do BC no INDC e na legislação brasileira que trata das políticas de mitigação do aquecimento planetário, do ponto de vista técnico, seria extremamente simples”. Mas, como reduzir as emissões de BC? Ora, isso também é muito simples:
(1) Implementar a impunemente ignorada inspeção veicular anual, obrigatória por lei desde 1997, especialmente dos veículos a diesel. Sabe-se que a identificação sistemática de grandes emissores e reparação subsequente dos problemas mecânicos, no âmbito desses programas aplicados em todo mundo, menos no Brasil, pode reduzir as emissões médias anuais de material particulado fino da frota circulante em cerca de 20%, além de diminuir em cerca de 5% o consumo global de combustível (neste caso, o diesel) e as emissões de CO2 fóssil, num jogo incomparável de ganha-ganha;
(2) Aprovar imediatamente a Fase Euro 6 (Fase P8 do Proconve) pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama para veículos a diesel (a discussão se arrasta há anos nas comissões técnicas!), o que trará como consequência os filtros de material particulado como parte integrante do projeto original de fábrica para atendimento dos mais restritivos limites máximos de emissão de material particulado fino cancerígeno, rico em BC;
(3) Instalar filtros de material particulado na frota usada – deflagrar políticas de adaptação de filtros (retrofit) em ônibus e caminhões em uso, como fazem diversos países, com simplicidade e baixos custos. Os filtros reduzem em mais de 90% as emissões de partículas, não requerem manutenção frequente e duram cerca de 10 anos. Santiago do Chile e Bogotá instalaram recentemente com sucesso 3 mil e 2 mil filtros, respectivamente, em seus ônibus urbanos. O México está implantando os filtros. A Alemanha, na década dos anos 2000, tornou os filtros adaptados obrigatórios em toda frota diesel e solucionou definitivamente os problemas de qualidade do ar causados pelos particulados. Nos Estados Unidos, entre outros programas de retrofit, todos os ônibus escolares a diesel instalaram filtros. São milhões de filtros adaptados em programas de retrofit em todo mundo trazendo benefícios maiúsculos para a qualidade do ar;
(4) Uma vez que os estudos inéditos no Brasil feitos pelo Prof. Artaxo e equipe constataram que as emissões dos veículos leves representam uma parcela bem maior das emissões totais de particulados finos do que indicam normalmente os inventários oficiais, caberia, em princípio, promover as políticas públicas necessárias à garantia, ao longo do tempo, da expansão do uso do etanol nos veículos flex. Além de produzirem com etanol emissões de partículas nanométricas que contem BC em quantidades específicas muito menores que os mesmos veículos flex rodando com gasolina, produzem – conforme enfatizou o Prof Artaxo em sua apresentação de utilidade pública ímpar – partículas de distribuição de tamanhos tipicamente maiores que os mesmos veículos operando com gasolina. Isso causa uma menor penetração das partículas diretamente nos alvéolos, mediante a queima do etanol, despotencializando os efeitos tóxicos das nanopartículas cancerígenas dos veículos flex, se comparados à operação no modo gasolina. Favorece-se assim, com o refortalecimento e estabilidade do Proalcool, não apenas a saúde do planeta, mas também a saúde pública urbana, além dos outros muitos ganhos para a Nação;
(5) Promover estudos laboratoriais comparativos relacionados com a emissão específica de BC de escapamento de diferentes misturas com maiores percentuais de adição de biodiesel ao diesel convencional fóssil. Caso seja constatada a redução consistente das emissões de BC com o aumento da adição de biodiesel no diesel, confirmar o uso das misturas autorizadas com maior adição de biodiesel como componente do INDC nacional para mitigação adicional do BC, além do já conhecido efeito do combustível renovável;
(6) Promover uma política clara e consistente que incentive a penetração dos veículos híbridos e elétricos na matriz de transportes brasileira, incluindo todos os tipos de veículos de duas e quatro rodas e a rede de distribuição e abastecimento, mediante a redução temporária de impostos e desoneração de toda cadeia produtiva.
Assim, além do INDC brasileiro, que dará o tom para as políticas subnacionais de mitigação do BC, toda lei de mudanças climáticas existente no País, ou a ser publicada nos níveis federal, estadual e municipal, tem que ter um capítulo específico sobre mitigação do BC – isso falta hoje na lei nacional, na estadual (PEMC) de São Paulo e na Lei 14.933/2009 do Município de São Paulo, que prevê uma radical intervenção ambiental na frota de ônibus urbanos; todas essas leis carecem de urgente inclusão de capítulos referentes às medidas de controle de BC – isso é simples, lembre-se, segundo o Professor Artaxo.
Mas, não adianta nada só assinar protocolos internacionais de boas intenções ou até mesmo os compromissos do Clean Bus Declaration do Compacto de Cidades do C-40, durante interessantes viagens a Londres, Nova Iorque e Paris – ou mesmo apenas mencionar en passant as medidas de mitigação nas leis, sem o estabelecimento de penalidades concretas por seu não-cumprimento. Tem sim é que determinar com responsabilidade e rigor as quantidades, os prazos e sobretudo, cumprir o que foi estabelecido na lei – algo que por vezes é estranhamente esquecido pelos governantes brasileiros, como no caso icônico da inspeção veicular obrigatória, que aguarda seu início desde sua promulgação em 1997.
O Brasil parou no tempo, mas não é nesse compasso que a gente vai construir um futuro melhor e sustentável. Portanto: cobrança sobre governantes e mão na massa.