Por Nagayamma Tavares Aragão*
Ensaio Crítico apresentado no Curso de Gestão da Mobilidade Urbana da ANTP
Cidade do Porto: ponte sobre o rio Douro, com faixa de passagem do VLT-Metrô – Foto: JFVP Wikimedia Commons
Nas cidades contemporâneas há cada vez mais fluxo de pessoas, informação e mercadorias que definem suas paisagens urbanas. “Distinguem-se as coberturas territoriais dos meios de transporte e as infraestruturas de utilização coletiva, influenciando, certamente, as opções de transporte dos indivíduos” (Ferreira & Silva, 2012, p. 19).
São territórios que evoluem e se transformam de modos distintos ao longo do tempo, ganham novas facetas, agentes entre outras características próprias de um processo em constante mutação, tornando-se necessário inverter o paradigma das cidades construídas à imagem do automóvel, uma vez que o automóvel ou mesmo a intervenção neste seguimento pode qualificar ou mesmo desqualificar o espaço público, “menos rodovias, mais cidade, mais gente, mais bicicleta. Talvez seja a acupuntura necessária. Trazer de volta o ónibus e a rua. Marca a paisagem com suas estações” (Lerner, 2011, p. 20).
As cidades são feitas à imagem do automóvel. Jaime Lerner (2011) ironiza referindo-se ao automóvel como a nossa “sogra mecânica”, onde é estabelecida uma relação que, por outro lado, não deve comandar o planeamento de modo a que não se estabeleça uma relação de escravo com a mesma. O uso excessivo do transporte individual afeta os deslocamentos diários, ao que se indaga: “o uso excessivo deve-se ao comodismo ou falta de alternativas?”.
“É esta irracionalidade e uso indiscriminado do automóvel privado que, segundo um estudo da Comissão Europeia (2000) este transporte se transforma em “vítima do seu próprio êxito”. São, pois, evidentes os impactos ambientais, sociais e económicos, refletindo-se o seu uso em “imagens apocalípticas de paralisia das cidades”(..) Este diagnóstico requer que os modelos de ordenamento” (Ferreira & Silva, 2012, p. 19).
Sobre a perspectiva do desenvolvimento metapolitano [1] é assegurado pela evolução tecnológica de comunicação e transportes transfigurando o sistema de mobilidade e fixação urbana, sendo reais, virtuais, logísticas e comerciais, pondo em risco o sistema de centralidades, multiplicando as polarizações/fluxos mormente de transporte individual. É pertinente o papel do transporte na configuração urbana, no desenvolvimento e fixação de população e a relação com a mobilidade e acessibilidade do território. (Ascher, 2010).
Debruçar-se sobre as questões de mobilidade da sociedade hipertexto [2], caracterizada pela hipermobilidade, e a eclosão de um novo conjunto de princípios e orientações urbanísticas assentes no novo paradigma que visam a alterar condições de vida das cidades e sociedades, é valorar “a importância maior na visão da sustentabilidade urbana que compreende uma oferta de transporte que seja social, econômica e ambientalmente viável, ou seja, dentro de padrões que melhorem a qualidade de vida da população” (Campos, 2013, p. n.).
Reequacionar sobre o princípio da sustentabilidade em transporte do conceito às políticas públicas de mobilidade urbana deve assentar nas três grandes esferas a sociedade, economia e o ambiente, onde a concepção de um modelo de sustentabilidade deva ser ajustada no equilíbrio entre as dimensões contidas na cidade como um palco de contradições. (Duarte, Sánchez, & Libardi, 2007) (Seabra, Taco, & Dominguez, 2013).
O princípio da sustentabilidade e a sua relação com o transporte está na mesa da discussão política nacional e internacional, assim como as suas inter-relações com o uso do solo e planeamento urbano. É neste palco de antinomias que é a cidade onde são tidas “nos espaços de circulação da cidade, onde há permanente disputa entre os diferentes atores, que apresentam como pedestres, condutores e usuários de veículos motorizados particulares ou coletivos” (Duarte, Sánchez, & Libardi, 2007, p. 1). É a percepção desta sustentabilidade com reflexos regionais e locais, desde então se atesta que o pensamento global reproduz e reflete-se em ações locais, integrado no sistema urbano.
Torna-se relevante a teoria de planeamento estratégico das cidades, onde o equilíbrio da dimensão da sustentabilidade assente em uma política de mobilidade urbana passando por uma boa gestão transversalmente à compreensão das inter-relações conexões entre as diversas escalas de atuação, obstando que as a política de mobilidade urbana se tornem insustentáveis e excludentes, para tal é necessário “uma estrutura organizacional definida para uma boa gestão consiste na soma das ações do governo, da colaboração das administrações públicas, do fortalecimento institucional, das implicações dos agentes sócios- econômicos e da participação da sociedade” (Seabra, Taco, & Dominguez, 2013, p. 119). De modo solucionar e identificar lacunas existentes nas inter-relações, conexões no processo de decisões na gestão urbana sustentável.
O modo de transporte determina a forma da cidade, no planeamento e do direito do cidadão à cidade, por si o transporte é uma atividade negativa resultante de uma procura derivada onde as deslocações estão infindavelmente associadas a um objetivo/ motivo. A resolução destas questões incide em perceber a mobilidade como um dado adquirido é um direito, o crescimento das deslocações e os problemas associados, em cidades polinucleadas e cada vez mais fragmentadas, devido à dispersão urbana, espacialização dos usos do solo que vem demonstrando ser um modelo/conceito inapto para lidar com dinâmicas e fluxos, desenho urbano, complexidade de deslocações, articulação entre planos, articulação de multidisciplinar e multidimensional, trabalho intersecretarial, regularização das parcelas informais/slums inserindo-as na malha urbana entre outros. (Duarte, Sánchez, & Libardi, 2007) (Campos, 2013)(Delgado, 2014)
Torna-se necessário a intervenção do estado na fruição e implementação estruturada de uma rede de transporte público de modo a que a cidade seja refletida nas pessoas, sociabilidades e emergir a cidade como espaço vivido e de interação. Ressalto as intervenções que poderiam ser implementadas nos territórios seguindo os princípios aplicados nos capítulos do livro “acupuntura urbana” tais como a cidade 24 horas; continuidade é vida; gente na rua; smart car, smart bus; instruções para fazer acupuntura urbana e colesterol urbano. (Lerner, 2011).
Torna-se necessário assumir essa consciência e compromissos assentes em um princípio de sustentabilidade e elaborar diretrizes nesse sentido, onde os modelos de gestão e ordenamento territorial devem valorizar as três dimensões coordenadas com as políticas de mobilidade e isso inclui o favorecimento de transporte público coletivo.
É necessário programar as seguintes abordagens que possibilitem melhorar a qualidade do espaço urbano (Ferreira & Silva, 2012, p. 19):
# Operar uma transformação cultural na abordagem da mobilidade;
# Desenhar políticas que aliem os preceitos da equidade e democracia;
# Optar por políticas de mobilidade que permitam a autonomia dos cidadãos de todas as idades, condições ou extratos sociais;
# Respeitar os valores sociais e ambientais das gerações presentes e futuras.
A nova abordagem e metodologia de atuação que surge na Europa nos anos 90, sobre a problemática permite estimular a população à alteração no modo de transporte para mais soft e transporte mais sustentáveis, entre as medidas de gestão devem-se distinguir as medidas que correspondem à promoção de mobilidade sustentável (Vasconcellos, Carvalho, & Pereira, 2011) (Delgado 2014):
# Promoção de viagens em automóvel partilhado (carpooling, car-sharing, ride-sharing);
# Qualificação dos modos suaves;
#Alteração dos horários de trabalho dos polos geradores de viagem (PGV);
# Promoção e favorecimento do transporte público;
# Implantação de sistemas de bicicletas públicas (bike-sharing);
# Promoção do teletrabalho e e-learning;
# Gestão do estacionamento;
# Priorizar modos de transporte coletivos e os não-motorizados;
# Pautar políticas públicas para pessoas com restrição de mobilidade sob o princípio de acesso universal à cidade;
# Fortalecer os poderes locais em sua capacidade da gestão da mobilidade urbana nos municípios;
# Reconhecer a necessidade de um desenho institucional e regulatório mais adequado para a questão do transporte urbano e que seja capaz de promover a cidadania e a inclusão social por meio da expansão do acesso da população aos serviços públicos de transporte coletivo;
# Reconhecer a necessidade de maior articulação entre as políticas da mobilidade e as demais políticas de desenvolvimento urbano e de meio ambiente.
É o resgate da mobilidade sustentável e a reeducação da população. Tornando-se gritante o surgimento de novas políticas de mobilidade urbana sustentável à transição de uma abordagem da questão de transportes nas cidades como uma infraestrutura viária para uma visão mais ampla onde a “mobilidade urbana como função social e econômica essencial para o desenvolvimento urbano. (…) Reforçou a importância de se romper com uma perspectiva setorial sobre o transporte urbano e vem atuando no intuito de repensar o papel da mobilidade sob uma perspectiva mais integrada ao espaço urbano.” (Vasconcellos, Carvalho, & Pereira, 2011, p. 51). É a concepção de uma cidade mais acessível e democrática.
O futuro dos transportes e mobilidade urbana sustentável também passa por uma política assente em modelos econômicos sustentáveis. Sendo que os cenários realizados confirma-se que o futuro não será risonho ”custo social, econômico e ambiental para a sociedade (…). Isso mostra que o mercado futuro do transporte público não é promissor, a não ser que políticas muito favoráveis a ele – incluindo restrições ao uso do automóvel – sejam implantadas.” (Vasconcellos, Carvalho, & Pereira, 2011, p. 64).
De modo a inverter o paradigma que até então construído de políticas publicas de transporte e transito com o objetivo de assentes em metrópoles sustentáveis, os desafios estruturais devem ser assentes em um transporte público como serviço essencial e seu financiamento, e inverter prioridades de uso do espaço e de escolha modal. Todas estas mudanças serão possíveis se houver uma mudança cultural e comportamental do individuo e das sociedades e o seu princípio passa por seguir a lógica de Mahatma Gandhi “sê a mudança que tu queres ver no mundo”, que passa por uma educação e alteração do modo individual para o modo BMW [3].
*Nagayamma Tavares Aragão reside e estuda em Portugal. É mestre em Geografia e Desenvolvimento – Especialização em Proteção Civil e Ordenamento do Território Técnica em Sistemas de Informação Geográfica (SIG/GIS). Doutoranda em Urbanismo.