Palavra de Especialista

11
julho
Publicado por Lincoln Paiva no dia 11 de julho de 2013

Lincoln Paiva

é autor do blog  Mobilidade Sustentável, membro da SLoCat (Sustainable Low Carbon Transport), coordenada pelo Departamento desenvolvimento socioeconômico da ONU. É também membro da Cities-for-Mobility, rede mundial de mobilidade urbana coordenada pela Cidade de Stuttgart, e do GT de Meio Ambiente e Mobilidade do Movimento Nossa São Paulo. É sócio-diretor do escritório de Consultoria de Mobilidade Sustentável Green Mobility e idealizador do Projeto MelhorAr de Mobilidade Sustentável.

 

 

Os congestionamentos são fruto de escolhas equivocadas ao longo dos anos. Há mais de um século os governos reproduzem um modelo de desenvolvimento urbano que obriga cidadãos a conviverem com horas diárias de paralisação do tráfego, e que geram impactos tais como a poluição, o desemprego e a exclusão social.

 

Há atualmente um apagão no setor de transportes públicos que certamente não será resolvido com as atuais medidas anunciadas, ou com os R$ 50 bilhões prometidos pelo governo federal. Especialistas vêm sustentando através da mídia que as desonerações do IPI dos automóveis e da CIDE combustíveis agravaram os congestionamentos nas cidades; no entanto, esta é a parte menos importante dos problemas que temos hoje em dia. Mesmo que estas desonerações não tivessem sido implementadas desde 2003, quais seriam as chances que os recursos provenientes destes tributos teriam de ser aplicados em infraestrutura e transportes públicos da cidade? Nenhuma. Então, a discussão de que estes recursos dariam para fazer 150 km de metrô ou 1.500 km de corredores de ônibus é improdutiva, ineficaz e um exercício matemático tolo que desvia a atenção dos principais problemas das cidades.

 

Outra questão que se coloca é que o Brasil possui uma taxa de motorização (número de veículos por habitantes) muito pequena – está na posição de número 65 numa lista de países com as maiores taxas, sendo os EUA o líder desta mesma lista. Ou seja, se o Brasil tivesse duplicado ou triplicado o número de veículos em relação aos seus habitantes, ainda assim ficaríamos numa posição inferior ao da Argentina por exemplo. Isso significa que, por enquanto, não se trata do número de automóveis e sim do modelo de cidades que estamos construindo.

 

Até agora não foi publicada nenhuma linha sobre a importância do desenvolvimento de grande masterplan de transportes públicos para os próximos 10, 20, 30 anos. Nem houve a discussão pública sobre a sua implantação a curto, médio e longo prazo na cidade. Não existe uma linha sequer sobre a importância de uma reforma nas leis atuais de polos geradores de tráfego que são responsáveis por produzirem e atraírem milhares de viagens de automóveis para os grandes centros. Nenhuma linha sobre o modelo de outorga onerosa que permite construir acima do permitido; nem nada sobre a construção de habitações sociais que levam as pessoas mais pobres para cada vez mais longe do trabalho, sem nenhuma infraestrutura de transportes. Nenhuma linha vimos sobre as formas de financiamento dessas habitações, que obrigam as pessoas mais pobres a invadirem prédios desocupados no centro, que por sua vez não recebeu nenhuma estratégia ou plano de habitação… Nenhuma linha veremos sobre o modelo monocêntrico de cidade, que obriga à busca de trabalho nos grandes centros, criando um dos maiores movimentos pendulares em horários de pico do mundo?

 

Mudar o sistema de transportes não significa construir quilômetros de corredores de ônibus e metrôs… Significa uma estratégia mais ampla que leva em consideração as políticas públicas sobre transporte não motorizado, desenvolvimento urbano, desenvolvimento social, trabalho, educação, saúde e cultura.

 

O governo federal abriu os cofres para a produção de corredores de ônibus no conceito de BRT (Bus Rapid Transit), mas não há uma única discussão se esse modelo é viável para cidades acima de 2 milhões de habitantes que necessitam de transportes de alta capacidade. Não se faz nenhuma pergunta sobre se estes investimentos terão vida curta em função do déficit e da demanda de transportes ao longo dos anos? De qualquer forma não temos um plano para isso, ou para o que vem depois, e recursos são gastos de forma inconsequente, incompetente e até irresponsável.

 

Vejo os principais jornais do país pedindo corredores de ônibus e metrô, mas não vejo nenhuma linha pedindo um planejamento e discutindo o modelo proposto desses corredores de ônibus e metrô. Serão eficazes? Por quanto tempo? E se a economia melhora? Se a população crescer além do estimado? Será que uma PPP é o melhor modelo para construção de transporte público para população de baixa renda? Qual foi a modelagem desse projeto ao longo dos anos? Como estes projetos desenvolverão as cidades? Ou estamos apenas enxugando gelo?

 

 



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Olímpio Alvares Olímpio Alvares
escreve e convida especialistas em mobilidade urbana a compartilhar opiniões e comentar os assuntos em destaque no noticiário nacional e internacional. Olimpio é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da USP, diretor da L'Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar. Atuou durante 26 anos na área de controle de emissões veiculares da Cetesb, concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos. É fundador e secretário executivo da Comissão de Meio Ambiente da ANTP; diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sobratt; assistente técnico do Proam; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina, (CAF) e entre outros órgãos públicos e organizações da sociedade civil, como o Mobilize Brasil..

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