Palavra de Especialista

24
novembro
Publicado por admin no dia 24 de novembro de 2016

 

Por Alexandre Pelegi

É comum perceber como muitas pessoas dão um valor exacerbado às regras e às leis. Parece que a lei, por si só, já basta para coibir erros e malfeitos da sociedade. Algo está errado? Uma lei resolve. Isso vale para situações que vão desde a segurança pública, até questões de trânsito. O que muitos se esquecem, porém, é que leis exigem fiscalização. Se as pessoas não cometessem delitos, as leis não seriam necessárias. Mas para que as leis possam atingir seu propósito máximo, que é o de coibir ações que prejudicam a sociedade, é preciso garantir uma fiscalização eficiente.

O curioso é que a mesma sociedade que clama por leis diante de problemas que a afetam é a mesma que reclama da fiscalização que penaliza parte de seus membros, justamente aqueles que motivaram a necessidade de sanções e punições.

O mesmo raciocínio vale para projetos de governo que miram em obras, e não se preocupam com a manutenção. A obra por si só resolve… Mas qualquer projeto de transporte, por exemplo – metrô, BRT, VLT – exige não só um aporte financeiro razoável para sua implantação como para a permanência da qualidade de seu atendimento.

O Metrô de SP é um exemplo clássico de obra bem sucedida, que se preocupou desde o seu lançamento não só com os aspectos essenciais de engenharia e construção, como também em implantar um padrão de qualidade em seu funcionamento que fosse aprendido, adotado e assumido por seus usuários.

A participação da sociedade é essencial para a manutenção da qualidade de qualquer serviço público. E o sucesso do Metrô deveria ser o padrão de qualidade a ser adotado por outros sistemas de transporte. Por que não é assim?

O Metrô, desde seu lançamento, adotou o usuário como o centro das atenções. Desse conceito basilar derivaram rígidos processos que exigiram de todos os seus funcionários uma série de regras e comportamentos, fazendo o Metrô operar sempre dentro de controles e tecnologias os mais avançados. Como garantir que isso não se perca, e mais ainda, contamine positivamente outros sistemas de transporte – trens, ônibus – que, afinal, atendem ao mesmo cidadão/usuário?

Garantir uma unicidade na forma como se deve tratar quem usa o sistema de transporte na cidade é o mesmo que permitir que o cidadão seja tratado com padrões similares de qualidade por qualquer segmento da máquina pública. O pedestre que acessa uma estação do metrô estará tão ou mais irritado e prejudicado quanto mais dificultado for seu acesso ao sistema. Logo, calçadas são fundamentais na constituição de uma rede que permita e garanta a permeabilidade de qualquer sistema. Calçadas estão na ponta de toda e qualquer viagem que utilize, além da caminhada, outros modos de transporte: as pessoas saem, ou voltam para casa…

Quando se fala em “metronização” dos ônibus, antes de se olhar para o aspecto tecnológico, se deve pensar no foco de qualquer política pública: o cidadão, o usuário do sistema de transporte – aquele que caminha, que anda de bicicleta, que faz integração com outros sistemas que, enfim, deveria se locomover na cidade numa rede permeável, sem obstáculos, sem interrupções nem barreiras.

Coletivos organizados auxiliam muito as gestões públicas, as estimulam e cobram a agir, mas não as substituem. Um caso evidente são os inúmeros aplicativos para celular desenvolvidos para permitir informações melhores ao cidadão sobre os sistemas de transporte. Dois problemas são evidentes: a inexistência de uma rede pública de Wi-fi, gratuita e veloz, torna esse esforço e seu alcance limitado. É o mesmo que distribuir lanternas sem pilhas (o usuário que pague por elas). E em segundo lugar desobriga (mesmo sem ser sua intenção) que a informação esteja disponível não somente na nuvem, como no local físico. E muitas pessoas ainda precisam da informação no local, afixada em pontos e abrigos. Os coletivos fazem sua parte, resta ao poder público fazer a sua.

A forma de começar a resolver problemas dessa natureza é assumir, de fato, que o cidadão é o centro das atenções no sistema de transporte. E começar a tratar, de forma integrada e sistêmica, todos os modos de transporte como partes de uma mesma e única rede.

Enquanto as gestões públicas não aprenderem a pensar de fora para dentro, com o olhar de quem precisa se locomover na cidade, toda e qualquer solução será torta e capenga.



Compartilhe

Comente

Seu e-mail nunca é exibido. Campos obrigatórios são marcados *

*
*


Busca no Blog
Com a palavra...
Olímpio Alvares Olímpio Alvares
escreve e convida especialistas em mobilidade urbana a compartilhar opiniões e comentar os assuntos em destaque no noticiário nacional e internacional. Olimpio é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da USP, diretor da L'Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar. Atuou durante 26 anos na área de controle de emissões veiculares da Cetesb, concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos. É fundador e secretário executivo da Comissão de Meio Ambiente da ANTP; diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sobratt; assistente técnico do Proam; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina, (CAF) e entre outros órgãos públicos e organizações da sociedade civil, como o Mobilize Brasil..

Posts mais lidos
Categorias
Arquivo

Realização
Associação Abaporu
Desenvolvimento
MSZ Solutions
Comunicação
Mandarim Comunicação
Patrocínio
Itau

Allianz
Apoio
Ernst & Young
Prêmio
Empreendedor Social
Prêmio Empreendedor Social