Sempre costumo dividir aqui no Mobilize minhas experiências com relação à mobilidade urbana e meu trabalho nesta área. A novidade desta vez é que agora sou membro da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados. E como a única pessoa com deficiência deste grupo – e uma das poucas em todo o Congresso -, minha missão ali será a de impetrar um olhar mais inclusivo e sustentável para as politicas urbanas desenvolvidas em todo o Brasil.
Recentemente, em uma das discussões levantadas pelos parlamentares, defendi o uso de tecnologias para o desenvolvimento da acessibilidade nas cidades, conceito conhecido como “cidades inteligentes”. Durante minha experiência à frente da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida em São Paulo, desenvolvemos um software com o propósito de otimizar o uso da cidade e facilitar o ir e vir. O programa mapeava rotas com os principais serviços da cidade, como hospitais, escolas, bancos, órgãos públicos, etc.
Ao desenvolver este programa, chegamos a uma importante constatação que exemplifica na prática o que é fazer política urbana estratégica: ao melhorar 10% dos acessos em tais rotas, melhorávamos 80% da mobilidade urbana de toda a cidade. O resultado dessa simples conta é menos trânsito, filas e acidentes com quedas em calçadas. Aliás, cidades inteligentes são aquelas que, inclusive, melhoram a saúde da população.
Já abordei o tema das quedas em calçadas aqui, mas sempre vale lembrar de como esse assunto afeta diretamente a qualidade de vida das pessoas, principalmente a população mais velha. Um estudo publicado pelo IBGE mostrou que, em 40 anos, a população idosa vai triplicar no Brasil, passando de 19,6 milhões (10% do total), em 2010, para 66,5 milhões de pessoas em 2050 (29,3%). O aumento do número de idosos implicará mudanças profundas em políticas públicas de saúde, assistência social e previdência, entre outras.
Ainda, de acordo com pesquisa realizada por um grupo londrino de saúde pública, o transporte de qualidade, aliado a boas calçadas, podem estimular as pessoas a caminharem para seus destinos de trabalho ou educação, e assim favorecer sua saúde. A redução de doenças do coração foi um dos maiores índices alcançados. Estudos recentes já mostraram também que alguns fatores de risco ligados ao câncer podem ser prevenidos incorporando à rotina uma hora de caminhada diária.
As calçadas são a via pública do pedestre e precisam ser acessíveis, com boa iluminação, segurança e faixa de travessia inteligente. Quando há uma harmonia entre todas essas tecnologias há uma melhora muito grande na qualidade de vida das pessoas. Podemos fazer um paralelo da situação das pessoas com deficiência no Brasil, onde a carência de centros de habilitação e reabilitação, somada à falta de planejamento urbano, fazem com que os brasileiros com alguma deficiência tenham um quadro de saúde mais vulnerável que o da população em geral.
Na Suécia, por exemplo, substituíram os principais semáforos de uma cidade por semáforos sonoros. O resultado foi a diminuição do número de atropelamentos em 80%. E diferentemente do que muita gente pensa, esses mecanismos sonoros não ajudam apenas as pessoas com deficiência visual, são úteis a todos os pedestres, como um homem distraído ou a criança, que ainda não tem sua visão periférica completamente desenvolvida até os dez anos de idade.
Lei Brasileira de Inclusão
E vale lembrar que de acordo com a LBI, que está em vigor há mais de um ano em todo o Brasil, são os gestores públicos os responsáveis por liderar o processo de construção das calçadas em todos os municípios do país. E para que isso seja colocado em prática, há uma gama de possibilidades. O prefeito pode definir quem e como essas obras serão custeadas, inclusive buscando parcerias com a iniciativa privada. Explicamos todas as formas de como fazer isso em uma cartilha que lançamos no ano passado sob à luz da LBI.
Outra novidade da LBI é a previsão de que o gestor que não entregar um cronograma de adequação de calçadas ou não cumpri-lo, incidirá no crime de improbidade administrativa. E essa fiscalização ficará à cargo dos tribunais de contas.
Quando eliminamos barreiras para as pessoas com deficiência, passamos a criar rotas extremamente acessíveis em todos os locais. Isso significa que ao investir em cidades para quem tem uma deficiência, melhoramos a vida de todo cidadão. Este é ou deveria ser a missão de todo gestor inteligente: criar soluções que transformam para melhor a vida de todas as pessoas.