Acessibilidade nas cidades é atropelada pelo Congresso – O direito de ir e vir
O direito de ir e vir

18
outubro
Publicado por admin no dia 18 de outubro de 2021

Idosos na cidade: população está envelhecendo, demandando mais recursos de acessibilidade dos gestores públicos


Se fosse para definir o ir e vir do Brasil atual, eu diria que nossa caminhada segue rumo a retrocessos. Damos um passo à frente, mas voltamos dois para trás. Um dia após o Senado ter aprovado por unanimidade o reconhecimento da acessibilidade e da mobilidade como direitos fundamentais na Constituição, ficou evidente a falta de compromisso e empatia do Parlamento com a pauta da acessibilidade. 

 

No processo de votação do Projeto de Lei 2505/2021, conhecido como reforma da lei de improbidade, foi revogado um artigo da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146/2015), que obrigava gestores públicos a cumprirem a exigência de requisitos de acessibilidade, sob pena de incorrer em ato de improbidade administrativa.

 

O projeto de reforma da lei de improbidade foi apresentado ainda em 2018 pelo deputado Roberto de Lucena (Pode-SP) – na época sob o número 10887/18 – e resultou do trabalho de uma comissão de juristas criada pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Acontece que a modificação que retirou a possibilidade de improbidade administrativa para os gestores que não fizerem obras com acessibilidade só foi incluída no texto pelo relator na Câmara, deputado Carlos Zarattini (PT-SP). O projeto inicial foi tão modificado pelo relator, que o próprio autor do texto deu seu voto contrário ao projeto, que acabou aprovado pela Câmara em junho deste ano.

Já em setembro, durante a discussão realizada na passagem do projeto pelo Senado, tentei convencer o relator e explicar aos demais senadores o quão prejudicial era essa decisão para todos os brasileiros. Apresentei uma emenda ao Ppara manter o dever do agente público de promover a acessibilidade prevista em lei, mas o relator do projeto, senador Weverton Rocha (PDT-MA), rejeitou a emenda sob a alegação de que já existem outras legislações que garantem esse direito. Afirmou, ainda, que se qualquer cidadão se sentir lesado, seria cabível uma ação civil pública. Ou seja, enquanto corre a ação, que pode durar anos, a pessoa não sai de casa e continua vetada de seu direito de ir e vir.

Para tentar reverter a mudança, o PSDB apresentou minha emenda como um destaque, que infelizmente foi votado e derrubado por uma diferença de três votos (34 a 31). Dessa forma, foi mantido o texto proveniente da Câmara, chancelando um retrocesso que prejudica a todos os brasileiros, sem exceção.

 

A acessibilidade é um meio essencial para o exercício de direitos. Ela diz respeito a todos: vale para a mãe com carrinho de bebê, para as crianças, para as pessoas idosas, para o homem distraído que olha o celular e tropeça no buraco da calçada. A acessibilidade é o que nos garante ter cidades, edificações, meios de transporte mais seguros e inclusivos, comunicações acessíveis a todos. Isso significa acesso ao trabalho, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. Falamos aqui de cidadania.

 

Em qualquer cidade do mundo, um gestor que visa ao desenvolvimento humano e sustentável tem o dever de incluir a acessibilidade como parte estratégica de seu plano de governo. Ainda mais se pensarmos em desenvolvimento a longo prazo, que mira o envelhecimento das populações.


Países como Japão, Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Alemanha, Suécia, entre tantos outros, já vivenciam há anos essa transição demográfica, implantando acessibilidade em cidades – muitas delas construídas há milênios.
Nesses locais, calçadas são planas, há semáforos sonoros e sinalização para que qualquer cidadão se locomova com segurança e autonomia. Seja uma criança, um idoso, um cego, uma pessoa surda, um cadeirante ou um maratonista. As cidades devem ser sem barreiras para qualquer cidadão.

Aqui no Brasil, o IBGE projeta que, em 2060, teremos mais de 58 milhões de pessoas idosas, ou seja, quase 30% da população com pessoas acima de 65 anos. A expectativa média de vida aumentará dos atuais 75 anos para 81 anos. E não há como deixar de refletir sobre a qualidade de vida (ou ausência dela) para futuras gerações. Por isso, proponho aqui uma reflexão aos gestores públicos que ainda não compreendem a importância da acessibilidade em seus planos de governo: vocês podem não ter uma deficiência ou doença rara, nem conhecer quem tenha, mas tenho certeza que, ainda assim, buscarão envelhecer com dignidade. E é a acessibilidade que definirá qual será a qualidade de vida de cada um.

Lembro ainda que outubro é o mês escolhido para celebrar o Dia Internacional do Idoso. Eu gostaria muito de usar esse espaço no Mobilize para falar sobre os avanços nas políticas públicas para essa população, mas, infelizmente seria descolado da realidade usarmos o verbo celebrar. O que nos cabe no momento é lutar.

Aprovado novamente pela Câmara na primeira semana de outubro, o projeto aguarda agora uma posição do presidente Jair Bolsonaro, que tem até o dia 28 de outubro para vetar ou aprovar o projeto. Paralelamente a isso, já estamos estudando as medidas e ações judiciais cabíveis para tentar reverter essa aberração, sem dúvida, um dos maiores retrocessos dos últimos tempos nos direitos das pessoas com deficiência.

A falta de acessibilidade é uma discriminação silenciosa, mas extremamente limitante e limitadora. Trata-se de um crime que deve ser combatido por toda a sociedade. Não reconhecer o valor da acessibilidade é o mesmo que não reconhecer o valor das pessoas idosas, que tanto contribuíram para o país. É o mesmo que não reconhecer o valor de toda a diversidade humana. É decretar nossa falência como civilização.



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