Após muitos entraves, finalmente, um deputado cadeirante pode discursar direto da Mesa Diretora do plenário da Câmara dos Deputados, que depois de 60 anos passou por uma ampla reforma e tornou-se acessível. O espaço, que tive a honra de inaugurar presidindo uma sessão, é um marco para a luta dos mais de 45 milhões de brasileiros com deficiência, que por décadas foram colocados à margem, inclusive, do cenário político.
Espera-se que a implantação da acessibilidade na Casa sirva de espelho para que as políticas públicas e os projetos pensados ali contemplem a diversidade humana. Afinal, o Brasil é signatário da Convenção da ONU sobre os direitos da pessoa com deficiência, documento com peso de norma constitucional. E nada mais coerente que o cumprimento desta emane do órgão que a aprovou.
Embora tenhamos avançado em alguns aspectos da inclusão, o Brasil ainda tem uma dívida colossal com a população com deficiência, que hoje representa cerca de 24% de toda população brasileira. Para se ter uma ideia, segundo a Organização Mundial de Saúde, muitos países cujo índice de desenvolvimento humano é elevado, este percentual chega a 1%. Podemos afirmar que a deficiência aumenta onde faltam políticas públicas sustentáveis, que se preocupam com a qualidade de vida das pessoas desde sua infância à velhice.
Temos áreas de extrema carência que precisam ser trabalhadas o quanto antes – a começar pela educação. Hoje, apenas 19% das escolas de ensino básico no Brasil são acessíveis. Como esperar que outras políticas, como a de empregabilidade, mobilidade, lazer e cultura, funcionem como o esperado se o cidadão com deficiência é muitas vezes sucumbido a um futuro sem o direito à educação?
Não é mais possível pensar em gestões de forma isolada. O planejamento das cidades precisa ser integrado com a saúde e o bem estar das pessoas. Este, aliás, deveria ser o princípio de qualquer gestão pública.
O primeiro turno das eleições terminou e o povo elegeu aqueles que lhe representarão nos próximos anos. A acessibilidade não pode ser vista como tema de um segmento isolado. Ela faz parte de um imenso guarda-chuva que diz respeito ao direito de ir e vir e de existir. E precisa ser cobrada pela sociedade.
O decreto 5296 de 2004, que regulou as leis 10.048 e 10.098 sobre acessibilidade nos municípios, obriga as empresas de transportes urbanos e as prefeituras a se adaptarem até dezembro deste ano. O prazo está prestes a expirar. Se a sua cidade ainda não oferece transporte acessível, cobre. É um direito seu.
O mesmo vale para as calçadas. Em São Paulo, polo econômico mais importante do país, o passeio público é muito aquém do esperado. De acordo com dados da Execução Orçamentária, só para 2014, a Prefeitura da capital paulista tem previsto para a reforma do passeio quase 52 milhões. Até o momento usou apenas 300 mil.
Políticos eleitos e reeleitos precisam mudar seu olhar de como fazem políticas públicas. Como deputada, um de meus compromissos têm sido fazer com que parlamentares entendam a dimensão da acessibilidade. Para isso, temos à frente um instrumento muito importante para dar o pontapé inicial nessa nova forma de trabalhar cidades e pessoas. A Lei Brasileira da Inclusão (LBI) prevê mudanças importantes em áreas fundamentais da acessibilidade, como a obrigatoriedade da reforma de calçadas que passará a ser responsabilidade do Poder Público. E o seu não cumprimento configurará em crime de improbidade administrativa.
Como relatora, durante um semestre inteiro, abri o projeto para consulta pública e inúmeras audiências realizadas em todo o país. As pessoas foram ouvidas e seus anseios foram colocados na redação do PL.
Agora, temos a missão de fazer com que o projeto seja votado e saia do papel. Mas este, contudo, não deve ser apenas função do legislador, o eleitor também tem papel fundamental neste processo. Cobre do seu representante que postura ele tomará quanto à LBI e as políticas de mobilidade urbana e acessibilidade de sua cidade. A construção de um país mais inclusivo depende de todos nós.