Caminhar pelas ruas pode ser desafiador e perigoso quando não se pode contar com calçadas seguras e acessíveis. Já imaginou o que é para um cego caminhar em uma rota onde não há uma sinalização tátil? Ou para um cadeirante, que a cada metro percorrido encontra um buraco que o impede de passar com sua cadeira?
Ser pedestre nas cidades brasileiras é como participar de uma gincana de obstáculos. E não só para pessoas com deficiência. Afinal, a calçada é o equipamento mais democrático e universal de qualquer lugar. E quando ela não está adequada, todo mundo é prejudicado: crianças, idosos, jovens, mãe com carrinho de bebê, mulher de salto alto, distraídos…
A diversidade humana está propensa aos riscos que um passeio mal conservado traz. E esse assunto já não é novidade para ninguém. A mídia, felizmente, está sempre pautando o tema diariamente. O jornalista Marcos de Sousa, aqui do portal Mobilize, participou comigo de um programa na TV Band News, onde recentemente debatemos o tema calçadas.
Nossos gestores estão mais que cientes de que a qualidade de nosso passeio é um dos maiores entraves da mobilidade urbana, além de comprometer outras áreas de políticas públicas.
Para se ter uma ideia, de acordo com um estudo divulgado pelo Hospital das Clínicas, 18% das vítimas de queda atendidas na unidade se acidentaram em calçadas da cidade. Só no ano passado, dos 197 pacientes que deram entrada no Pronto-Socorro da ortopedia, 35 relataram ter caído na calçada. Destes, 40% machucaram-se em buracos. Ou seja, a calçada passa, inclusive, pela área da saúde.
Como boa pedestre que sou, pois adoro passear pelas ruas, e também pessoa com deficiência e defensora da inclusão, não podia deixar de trabalhar por calçadas acessíveis. Recentemente, um projeto de Lei (nº 7.699/2006), cuja relatoria recebi com muita honra, pode mudar esse cenário e trazer novidades na legislação que trata o assunto.
Tal projeto cria um Estatuto para a pessoa com deficiência e prevê um conjunto de medidas em diversas áreas de políticas públicas. Dentre estas, a alteração no Estatuto das Cidades, obrigando o governo a elaborar um plano de rotas estratégicas para reformar e uniformizar as calçadas de todo o Brasil.
Com isso, a construção, padronização e reforma de calçadas em áreas com grande concentração de serviços públicos e privados, ou com grande fluxo de pedestres, podem se tornar responsabilidade do poder público, e não apenas do proprietário do imóvel.
Essa é uma luta a qual venho travando já há algum tempo. Na Câmara Federal, protocolei um projeto de lei que altera justamente os dispositivos do Estatuto da Cidade que dizem respeito às atribuições da União no campo da política urbana. A ideia é incluir, entre as tarefas da esfera federal, por iniciativa própria e em conjunto com os entes federados, a melhoria dos passeios e logradouros públicos e dos equipamentos urbanos de todo o Brasil, criando-se, assim, um Plano Nacional de Calçadas. Com a aprovação do Estatuto esse projeto poderá ser colocado em prática.
A mudança na legislação segue a tendência de países desenvolvidos. Em Londres, 100% do passeio é acessível. Na capital japonesa, onde o poder público também é o responsável pela reforma e manutenção das calçadas, há faixas de pisos táteis no centro de todas as calçadas, guiando pessoas com deficiência visual durante o trajeto inteiro. Só para citar alguns exemplos de acessos dessas metrópoles.
Se cumprida a lei no Brasil, a mudança poderá ser grandiosa. Hoje, em São Paulo, dos 35 mil km de calçadas, apenas 500 km estão em boas condições. O que esperar de municípios menos desenvolvidos?
O texto do Estatuto da Pessoa com Deficiência está aberto para consulta pública no edemocracia.camara.gov.br. A proposta pode ser enviada para votação no Congresso ainda este ano e se tornar lei a partir de 2014.
Por isso, convido todos a participarem da construção deste Estatuto, incluindo sugestões à redação do projeto. Cidades democráticas são movidas pela participação cidadã. Cobrar pelo direito de ir e vir é o primeiro passo.