A partir da cidade francesa de Narbonne, tive meu primeiro contato com o mar Mediterrâneo, por onde pedalaria até chegar em Barcelona, na Catalunha (Espanha). A divisa entre estes dois países, França e Espanha, é marcada fisicamente pelos Pirineus, uma enorme cadeia de montanhas que nesta região encontra o mar, formando uma das mais belas paisagens que me deparei até hoje.
Os primeiros quilômetros de pedal foram bastante tranquilos, seguindo a costa, praticamente sem relevo, salvo por uma ou outra pequena montanha. As cidades litorâneas neste trecho possuem boa infraestrutura cicloviária, com pistas exclusivas ou calçadas compartilhadas. Também há uma malha ferroviária bastante extensa por toda a França, e que inclusive cobre muito bem a região.
Depois da localidade de Argelès-sur-Mer o pedal passou a ficar um pouco mais pesado, com o surgimento das primeiras montanhas dos Pirineus, que perto da costa são menores do que em sua porção central, mas mesmo assim cansativas. Até chegar na divisa com a Espanha tentei pedalar sempre o mais próximo possível da costa, aproveitando as belas paisagens, mas isso fez com que eu tivesse que dividir espaço com os automóveis. Os riscos não foram muito grandes já que a estrada faz várias curvas, impedindo que os carros desenvolvam velocidade mais elevada. Soma-se a isso o fato de os franceses e espanhóis respeitarem muitíssimo os ciclistas, chegando inclusive a incentivar as pessoas com gritos de “Bravo!”, e assim por diante.
Após atravessar a fronteira continuei minha pedalada margeando o Mediterrâneo, agora na porção espanhola. Muitos aclives, declives e curvas tornaram o caminho cansativo, mas muito bonito. Passei por uma porção de pequenas cidades, algumas delas com uma infraestrutura ferroviária de dar inveja a muita metrópole brasileira. Paralelamente à estrada por onde eu pedalava também havia uma autoestrada, de velocidade elevada e proibida para bicicletas, cheia de túneis que cortam as montanhas. A maioria dos veículos automotores, caminhões por exemplo, preferem ou só podem utilizar as autoestradas.
Depois de muitos quilômetros margeando o Mediterrâneo cheguei à cidade catalã de Barcelona. Este foi sem dúvida nenhuma um dos centros com melhores condições para pedestres e ciclistas que eu passei até hoje. Muito se fala de Amsterdã e Berlim, por exemplo, mas nenhuma dessas cidades se compara a Barcelona. Com calçadas largas e em perfeitas condições, ciclovias por todos os lados, ótimos ônibus, uma boa rede de metrô e tram (VLT ou bonde), tudo isso muito bem sinalizado, o deslocamento na cidade se torna um grande prazer. É indescritível a sensação de pedalar na ciclovia da Av. Marina, por exemplo, uma importante avenida que liga a praia a uma porção mais alta da cidade – ali a pista de bicicletas fica na faixa mais à esquerda da avenida, junto ao canteiro central, onde normalmente circulariam os carros em maior velocidade. Separada das faixas de automóveis por enormes “tartarugas”, a sensação de segurança é absoluta e o deslocamento em linha reta, sem muitos obstáculos (exceto pelo grande número de cruzamentos, muito bem sinalizados com faróis para carros, pedestres e bicicletas), facilita bastante a vida do ciclista.
A maior parte dos ciclistas barceloneses usa o sistema de aluguel de bicicletas da prefeitura, o Bicing, que existe há mais de 10 anos e tem pontos espalhados por toda parte. O sistema é tão popular que às vezes o usuário não encontra bicicletas disponíveis em alguns pontos, ou vagas para estacionar nas regiões mais movimentadas. Neste último caso um painel digital indica qual o ponto mais próximo com vagas disponíveis, poupando o ciclista de perder tempo e possivelmente dinheiro (caso exceda o tempo de uso) na procura de estacionamento.
Nas calçadas à beira-mar existem trechos compartilhados entre bicicletas e pedestres, sinalizados pelo desenho de uma bicicletinha verde, e a inscrição: “Espaço amigo”. Muitos paraciclos completam este panorama, além da possibilidade de entrar com as bicicletas nos trens e metrôs. Pedalar em um lugar assim é tão fácil que nem de longe lembra a experiência de se locomover de bicicleta em São Paulo, por exemplo. É muito comum caminhar pela cidade e ouvir a expressão: “Que veredas!” (que calçadas!). Eu mesmo não cansava de repetir isso para mim mesmo.
Em algumas regiões mais montanhosas da cidade, como a caminho do Parque Guel ou no Parque Montjuic, para acessar o MAC (Museu de Arte da Catalunha) existem escadas rolantes a céu aberto, que facilitam a subida para os pedestres. Não acho que cabe aqui entrar no mérito se seria melhor incentivar as pessoas a utilizarem escadas normais ou não, e sim chamar a atenção para a importância que se dá aos deslocamentos a pé. Em alguns cruzamentos mais movimentados, por exemplo, se vê uma inscrição no chão, junto com a faixa de pedestres, com o objetivo de alertar os pedestres para que tenham cuidado na travessia. O texto, um pouco assustador, diz que 1 de cada três mortos em acidentes de trânsito na cidade andavam a pé. Méritos para a prefeitura que utilizou a transparência como forma de conscientização.
Assim como na maioria das cidades europeias, o centro de Barcelona tem o tráfego de automóveis restrito, e quando permitido, os carros só podem circular com velocidade até 30 km/h. O resultado de tanto incentivo para que as pessoas tomem as ruas é evidente: milhares de pedestres circulam diariamente pela cidade – a saúde das pessoas, o clima da cidade, o trânsito e o comércio local agradecem.