Ao sair de Barcelona para atravessar a Espanha, antes de chegar em Portugal, optei por seguir uma das variantes do Caminho de Santiago de Compostela, uma famosa rota de peregrinação que tem como destino a cidade espanhola de mesmo nome. Embora seja um dos trajetos de peregrinação mais antigos e tradicionais do mundo, com uma infinidade de ramificações (Caminho do Norte; Caminho Francês; Caminho Inglês; Caminho Português, entre outros), a rota é pensada basicamente para pedestres, e deixa a desejar tanto na infraestrutura quanto na sinalização, quando o deslocamento é feito de bicicleta.
De Barcelona optei por um percurso híbrido, seguindo a princípio o Caminho Catalão e posteriormente o Caminho Francês, sendo este último o mais popular entre os peregrinos. Munido da experiência adquirida até o momento, de um enorme mapa da Espanha, e seguindo as famosas setas amarelas (que indicam o caminho até Santiago) não foi difícil sair de Barcelona, já que a cidade é um paraíso para quem pedala. Fora do maior centro catalão em direção às montanhas de Montserrat, a rota de bicicleta ficou um pouco confusa e mal sinalizada, alternando entre ciclovias, estradas de terra, pistas compartilhadas com automóveis, caminhos a beira de rios e algumas trilhas. Há também trechos ao lado das linhas de trens cargueiros e de passageiros.
As montanhas de Montserrat são muito frequentadas por turistas e por isso as estradas de acesso ficam repletas de ônibus, motos e carros. A 7 km do topo da montanha há um teleférico que segue até a pequena vila e o monastério, com vista panorâmica do imenso vale, dotado de gigantescas rochas aparentemente esculpidas pelo homem, mas que na verdade são magníficas obras da natureza.
Neste trecho os pedestres e ciclistas compartilham a pista com automóveis, que em geral não desenvolvem grande velocidade, mas assim mesmo exigem cuidado. Chegando ao monastério de Montserrat fiz minha Credencial do Peregrino, um documento que possibilita ao viajante se hospedar nos albergues ao longo do trajeto. Começava ali o Caminho Catalão, em direção a Logroño, onde acessaria o Caminho Francês.
Trilha difícil
Saindo de Montserrat, as setas amarelas me conduziam por barrancos, trilhas fechadas, escadas, pistas de terra com muitas pedras, buracos e trechos impraticáveis para um ciclista, o que me levou a ter grande dificuldade e consequentemente variar o percurso. O caminho seguia basicamente pelas montanhas, que aos poucos iam diminuindo, até chegar em Leida, depois Zaragoza e por fim em Logroño, onde completei a primeira etapa. Embora não haja muitas ciclovias nas estradas, o número de ciclistas (esportistas ou a passeio) nas pistas é grande, ao contrário da quantidade de peregrinos – de Montserrat a Logroño vi apenas 3.
Revelando o lado bélico que caracterizou a Espanha durante séculos, as paisagens não escondem cidades e vilas fortificadas, ruínas, muralhas e castelos, além de templos e igrejas monumentais. Também pude reparar, em cada pequena vila catalã, uma infinidade de bandeiras independentistas hasteadas em mastros, janelas de casas ou apartamentos residenciais, prédios públicos, hospitais, castelos, pontes e até ruínas.
Patrimônio bem conservado
Algumas das maiores cidades deste curso possuem parques com largas calçadas e ciclovias que atravessam o centro, seguindo rios ou canais, seguras do contato com os automóveis. Em Zaragoza, por exemplo, um destes caminhos de bicicleta passa debaixo de uma belíssima ponte de pedra, datada do século XII.
Parece que não existe na Espanha a ideia de substituir o antigo pelo novo, e sim um esforço louvável de preservar a história sem virar as costas para a modernidade, postura que pode ser vista nas pontes, estações de trem, nos VLT’s e nos mecanismos de controle e sinalização do tráfego.
As cidades catalãs possuem ainda uma estrutura cicloviária bem desenvolvida e que supre com folga a necessidade dos usuários. Em cidades maiores, como Barcelona, Zaragoza, Burgos ou Leon, é comum ver faixas de pedestre com inscrições alertando sobre o número de acidentes de trânsito envolvendo pedestres, para que tenham cuidado ao atravessar as ruas.
Apesar da carência de ciclovias nas estradas, pude notar em toda Espanha a existência de uma malha rodoviária complexa e muito interessante, sempre com opções mais tranquilas às movimentadas autopistas: para um mesmo destino o usuário pode se deslocar por uma via rápida com três ou mais faixas de rolamento em cada sentido separadas por um canteiro central (autopistas, proibidas para pedestres e ciclistas); vias de velocidade média entre 50 e 80 km/h, com mão dupla (estradas nacionais ou departamentais) ou pequenas estradas de terra, por onde geralmente segue o Caminho de Santiago, com velocidade até 50 km/h. Trens, ônibus e embarcações completam o sistema de transporte.
Faltam bicicletarias
A partir de Logroño, quando entrei no Caminho Francês, o número de peregrinos já era bem considerável, aumentando à medida que me aproximava de Santiago. É extremamente bonito e gratificante ver a quantidade de pessoas caminhando em trilhas ou à beira das estradas. Aos poucos crescia também a oferta de albergues, hotéis, restaurantes e cafés, em sua maioria estimulados pela rota de peregrinação. Assim mesmo, quem vai de bicicleta precisa ficar atento – são poucas as cidades que possuem bicicletarias, ou lojas de equipamentos para ciclismo.
Ao pedalar pela Espanha, lembre-se de levar ferramentas e peças de reposição, como raios, câmaras de borracha, cabos e pastilhas de freio. Caso seja necessária alguma intervenção profissional, o ciclista fica refém das cidades maiores, ao contrário do que acontece na Holanda, Alemanha, Áustria, Suíça, parte da Itália e da França, onde existem tantas bicicletarias quanto farmácias ou cafés, além de supermercados com seções inteiras de equipamentos e acessórios para bikes.
Até poucos quilômetros antes da cidade de Burgos, eu consegui, em parte, seguir o caminho pela rota de pedestres, que apesar de melhor sinalizada, era predominantemente de terra com muitos trechos repletos de pedras e buracos. Esta opção é difícil até mesmo para quem viaja numa mountain bike, e não recomendada para uma bicicleta de turismo ou estrada, o que me levou a pedalar, a contragosto, pela pista.
Algumas estradas espanholas não são tão agradáveis quanto as pequenas trilhas, é claro, mas não deixam de ser seguras e bonitas. Já que gastava menos tempo pedalando pelo asfalto, não deixei de entrar nas vilas e cidades do caminho, podendo conhecer um pouco mais da arquitetura e da cultura locais.
A chegada a Santiago de Compostela foi tranquila e o clima de “conquista” de mais esta etapa da viagem não podia ser melhor. Logo fui ao centro de atendimento ao peregrino para obter minha “compostela” e em pouco tempo encontrei amigos que fiz no caminho. Conhecer gente e fazer amigos é, na minha opinião, o maior benefício para quem faz seus deslocamentos diários a pé ou de bicicleta.