Entrei na Itália pela cidade de Como, após cruzar o passo de San Bernardino e atravessar a parte italiana da Suíça. Já do outro lado da montanha era nítida a diferença entre duas regiões do mesmo país. De onde eu vinha se falava alemão e toda a comunicação se dava nesta língua, e do outro lado já era tudo em italiano. O comportamento no trânsito também começava a mudar e aos poucos se tornava até um pouco caótico, na medida em que eu chegava mais próximo da fronteira.
Estava entrando num país com forte tradição ciclística, atletas e equipes de ponta, torneios famosos e grandes marcas de bicicleta, além é claro, do enorme número de ciclistas. Por este motivo eu me espantei bastante quando tive que fazer boa parte do meu percurso entre os carros, respirando fumaça preta, e sem qualquer indicação de rotas para bicicletas. Aos poucos pude notar que a maioria das cidades italianas por onde eu passava possuíam boa estrutura cicloviária, mas não as estradas entre elas. Tampouco existem mapas ou guias com melhores rotas para bicicletas pelo país, ou se existem, não são fáceis de se encontrar.
Apesar da diferença de infraestrutura e comportamento no trânsito em relação à Suíça, Alemanha, Holanda e demais países que visitei, o norte da Itália ainda é totalmente ciclável, mas, pela primeira vez em mais de 3 mil quilômetros rodados, senti a necessidade real do capacete. A maior cidade do meu percurso nesta etapa era Milão, que já na sua periferia conta com VLT’s até o centro, pequenas rotas de velocidade reduzida e também as super-estradas italianas, proibidas para bicicletas. A falta de indicação para ciclistas me fez “cair” diversas vezes nesta auto-pista, mas com um pouco de paciência e atenção consegui sempre acertar o caminho.
Milão se parece muito com outros grandes centros europeus, porém com uma grande diferença: o comportamento das pessoas. Mesmo servida de VLT’s, ônibus, metrô, calçadas e ciclovias, como em Berlin, Viena ou Amsterdã, o deslocamento na cidade é uma bagunça. Por exemplo, não são todas as pessoas que respeitam sinais de trânsito, por exemplo. Mas isso certamente não me impediu de ir e vir a qualquer lugar com minha bicicleta. Muito pelo contrário: pedalar era tão fácil que me parecia uma opção melhor até do que as Vespas e Scooters italianas, unanimidades por aqui.
Em um ponto-turístico no centro da cidade um cartaz me fez lembrar do SampaPé , o blog da Leticia Sabino no Mobilize. Trata-se de um programa municipal para incentivar as pessoas a caminhar pela cidade, ou seja, dar condições para que a pessoas façam seus deslocamentos a pé! Me pareceu uma abordagem interessante já que existem boas calçadas, diversos parques, monumentos históricos e centros de compras muito próximos uns aos outros.
Os ônibus e VLT’s também funcionam muito bem, com hora marcada, painéis informativos em todas as estações e operações inclusive à noite. Em uma viagem de tram de um lado da cidade para o outro, vi pela primeira vez duas pessoas sendo multadas por não possuir os bilhetes. E a multa é salgada: Trinta Euros !!! Uma boa opção por aqui também é o aluguel de bicicletas, num modelo parecido com o adotado em algumas cidades do Brasil, com pontos espalhados por toda a cidade. Resumindo, é uma cidade que não é carente de transporte coletivo, ciclovias, calçadas, ou sinalização, mas mesmo assim, muitos preferem andar de carro ou moto.
Foi mais fácil sair de Milão do que chegar. Acertei o caminho e consegui pegar pequenas estradas, com menor trânsito de automóveis e velocidade reduzida. Toda vez que eu entrava numa pequena vila ou cidade do caminho, as faixas para bicicletas apareciam, como que por milagre, para depois desaparecer, assim que eu terminasse de atravessar seu território. Meu destino era o Vale D’Aosta, uma das regiões mais bonitas pelas quais passei, por onde eu atravessaria os Alpes pelo passo do Grand San Bernard. Era sem dúvida meu maior desafio até o momento, que se complicou ainda mais porque boa parte da subida era estreita e dividida com um volume grande de veículos. Só depois da primeira metade da subida é que carros em alta velocidade pegam um túnel e os demais continuam pela mesma pista.
Na parte mais pesada da subida uma motocicleta subindo em alta velocidade colidiu com um ciclista, que descia no sentido contrário. O acidente foi realmente feio e me fez pensar muito no valor que as pessoas dão para suas vidas e como isso pode ser cruel. O motociclista permaneceu desacordado até eu sair de lá e o ciclista estava encostado num canto, visivelmente machucado, porém consciente. Penso que mesmo na subida, a alta velocidade da moto e a exposição do seu condutor tornaram o veículo mais perigoso do que a bicicleta, que não é capaz de desenvolver tanta velocidade, ainda que na descida.
Passado o choque, a travessia felizmente não teve mais incidentes como esse, que certamente me deixou ainda mais cauteloso na minha jornada. As pequenas vilas das montanhas nesta parte da Itália foram as mais incríveis que eu vi até agora, por isso também não tinha pressa. Após atravessar as montanhas geladas do Grand San Bernard peguei cerca de 40 km de descida, quase que ininterruptamente, para chegar em Martigny, na Suíça. Agora cruzarei Genebra para chegar na França.