Sim, soa um pouco anacrônico, mas foi o que pensei quando vi a estátua de Marx em uma praça de Moscou rodeada por um mar de carros parados.
Claro que seis dias de visita turística não permitem um grande conhecimento sobre a capital da Rússia, mas alguns aspectos da mobilidade urbana me chamaram a atenção, e é o que eu gostaria de tratar neste post.
Em Moscou tudo é monumental. Dos palácios e igrejas do tempo dos czares à arquitetura dos edifícios de Stalin, tudo transmite uma ideia de poder e grandiosidade. O mesmo se pode dizer da infraestrutura viária. Diferente da maior parte das capitais europeias que eu visitei, em que as ruas do centro são estreitas e voltadas aos pedestres, a capital da Rússia tem o centro cortado por imensas avenidas. Algumas chegam a ter mais de oito faixas, e com quadras longas e poucas travessias, a velocidade dos carros é impressionante. Se você precisa atravessar a rua… boa sorte!
Depois de me arriscar algumas vezes, me dei conta que boa parte das travessias para pedestres são subterrâneas, acompanhando as estações de metrô. Faz sentido, até por conta das baixas temperaturas no inverno, que chegam a menos 25 graus centígrados.
No post anterior eu expliquei porque (na minha visão) a mobilidade à pé proporciona uma interação mais direta com a cidade, motivo pelo qual eu insisti em “furar o bloqueio” das grandes avenidas para conhecer Moscou na perspectiva do pedestre.
Se o volume e a velocidade dos carros desencoraja o pedestrianismo, o mesmo não se pode dizer das calçadas largas e confortáveis da área central, e um espaço público de qualidade, coisa que infelizmente não acontece em muitas cidades que optam pelo modelo rodoviarista (inveja à paulista).
A cidade também brinda o pedestre com cartões postais de cair o queixo. É quase impossível não parar diante da beleza de palácios, museus e catedrais que ficam ainda mais bonitos quando “descobertos” por acaso, em uma caminhada despretensiosa.
Uma das poucas ruas voltada aos pedestres, a Arbat é uma atração por si só. Tanto que muitos moscovitas encontram seus amigos aí. Mesmo no inverno a rua é uma verdadeira festa, cheia de restaurantes e comércio de souvenires. Nossas guias moscovitas insistiram em nos levar aí. Quando eu perguntei o que havia de especial, a resposta não poderia ser melhor: “uma rua para pedestres”. Só passando uns dias na cidade para entender o quanto isso é especial.
A prefeitura já está atenta a isso, e para incentivar o turismo, diminuir a quantidade de veículos e melhorar o transito (que é um dos piores do mundo!) está investido na construção de mais ruas para pedestres e ciclovias.
Essas ações integram um projeto muito maior que pretende estimular o uso do espaço público com a instalação de parques e corredores verdes.
Se andar à pé não foi tão fácil, devo dizer que nunca desejei tanto andar de metrô como em Moscou. As estações são um mergulho na história e na cultura moscovita, e mais de uma vez desisti de visitar um ponto turístico badalado para “passear” pelas estações, os “palácios do povo”.
Com mais de 300 quilômetros de metrô, é possível acessar boa parte da cidade através desse meio de transporte. É bastante rápido (às vezes até demais) e cômodo, e mesmo em horários de pico não costuma estar cheio.
Apesar de grande, a rede é relativamente simples, e há uma linha circular que facilita bastante a integração entre as demais linhas. Na circular estão justamente as estações mais bonitas.
Agora vem a parte que aterroriza os turistas… o nome das estações do metrô está sempre escrito em alfabeto cirílico.
Sim, saber minimamente o alfabeto cirílico é uma questão de sobrevivência na Rússia. Saber algumas palavras como “bom dia”, “por favor” e “obrigada” também. Eu gostava de falar “dóbraie útra” (bom dia) para os que cruzavam meu caminho pela manhã, só para ver os Russos sorrirem 🙂
Já tinha lido que era bom ter um conhecimento prévio do alfabeto cirílico antes de ir para a Rússia, mas como turista incauta que sou, não dei muita bola. Após os primeiros dias, praticamente sem conseguir me comunicar, quando percebi os limites da mímica e da “cara de paisagem” (sim, estou entendendo tudo…) passei a associar as letras em cirílico do McDonald’s, Burger King e KFC, com a do alfabeto romano. É claro que isso não significa aprender a língua russa, mas você não pode imaginar minha emoção após ler “café expresso” em russo pela primeira vez.
Voltando ao metrô, outra coisa incrível é sua profundidade. Você acessa a escada rolante e pode terminar aquele capítulo do livro, pôr a conversa em dia, discutir a relação… Além das condições geológicas, muitas estações eram usadas como proteção contra bombardeios na época da guerra, quando milhares de pessoas se abrigavam aí.
Mas o melhor mesmo são os lustres, esculturas, mosaicos e outros objetos decorativos. São obras de arte, e a maior parte não está aí por acaso. O metrô é uma verdadeira incursão à história russa, na mais pura “versão moscovita”.
Algumas narram passagens importantes da revolução de 1917, outras fazem alusão aos esportes, às artes e à cultura. E mesmo que você não simpatize, Lenin e Stalin estarão sempre presentes.
Em síntese, pode-se dizer que, como outras metrópoles que apostaram no modelo rodoviarista, Moscou orientou seu desenho urbano sob a ótica da expansão do automóvel, símbolo máximo do progresso no século XX. Coerente com sua grandiosidade, a cidade abriu grandes avenidas, que hoje abrigam um dos piores congestionamentos do mundo.
Ciente dos novos paradigmas da mobilidade urbana do século XXI, experimenta agora um novo ciclo de investimento em transporte público, pedestrianização de ruas e abertura de ciclovias.
A cidade se prepara para um novo ciclo, e tem as qualidades para ser uma grande capital do turismo. Talvez aí você não possa abraçar o Mickey, mas pode se divertir com as várias versões heroicas de Putin, de Iron Man à 007 montando um urso.
E se depois de tanto caminhar por Moscou quiser repor as energias, sugiro um Big Mac à moda russa. Vai resistir?