Sarah Houbolt é australiana, mora em Sidney, é uma maravilhosa artista de circo e defensora da diversidade. Sarah projeta sua vida em torno da criatividade, da compreensão da acessibilidade e da necessidade de questionar o que realmente podemos ver. E o que não vimos já, mas devemos ver.
No momento, Sarah está na cidade de São Paulo fazendo uma pesquisa teórica e prática sobre o trabalho da Associação Fernanda Bianchini – Cia Ballet de Cegos, que possui uma metodologia pioneira para o ensino da dança, referência mundial por seu valor artístico e inclusivo. Em sua passagem por aqui, estive por várias vezes com a Sarah e falamos muito sobre acessibilidade, principalmente sobre a sua percepção da acessibilidade de nosso país, como também sanou um pouco da minha curiosidade sobre a acessibilidade de lá.
Em seus preparativos para aterrissar em solo brasileiro, Sarah, que tem baixa visão e utiliza uma bengala para sua mobilidade, confessou que estava bem preocupada com o que poderia encontrar por aqui: a condição das calçadas para caminhar, se iria cair, se conseguiria atravessar as ruas, se ela se perdesse e pegasse o celular para se orientar, se seria roubada, etc. Enfim, eram muitas as preocupações, principalmente por ser a maior viagem de sua vida até então. Uma coisa chamou muito a atenção de Sarah: descobrir que a responsabilidade das nossas calçadas é do proprietário do lote e não do governo. “Em Sidney é do governo, e elas são bem mais planas e amigáveis. Não vejo como ser diferente, pois assim podemos exigir qualidade”. Pois é, confesso que nem tentei explicar. Falamos de legislações, e Sarah disse que na Austrália a lei sobre a acessibilidade existe e funciona bem nos edifícios públicos e privados, porém não existe legislação como a nossa Lei de Cotas. Segundo Sarah, essa lei seria muito bem-vinda por lá, pois a empregabilidade para as pessoas com deficiência deixa a desejar. Então, é uma situação bem parecida com o nosso país, com uma grande diferença: aqui temos a Lei de Cotas. Falamos das tecnologias assistivas e soube que a audiodescrição, legendas e a interpretação de língua de sinais está cada vez mais presente nas artes, principalmente nos filmes, na TV e nos teatros. Há uma situação que também chamou muito a atenção de Sarah: ela encontrou aqui um modelo que, na sua opinião, não cabe mais na vida das pessoas com deficiência. É o modelo médico, com um assistencialismo persistente na maioria dos cidadãos e cidadãs brasileiros que a incomoda. Fica claro em nosso bate-papo que as pessoas com deficiência têm barreiras parecidas para enfrentar, seja no Brasil, na Austrália ou em qualquer lugar do mundo, mas conviver sem ter que enfrentar a barreira atitudinal o tempo todo faria uma imediata diferença na vida destas pessoas.
Pois é, a clareza da percepção de Sarah me inquieta ainda mais e, ao mesmo tempo, me estimula a continuar batalhando por melhores condições de acessibilidade, porque viver em um país onde não somos privados de exercer os nossos direitos faz toda a diferença. A leveza e a profundidade das palavras de Sarah ecoam de maneira transformadora. Por fim, a preocupação com a acessibilidade de nossa infraestrutura, que é visível que precisa melhorar, ficou pequena perto da barreira atitudinal. Temos que mudar a atitude da maioria das pessoas para trazê-las ao verdadeiro modelo social, que é onde nos encontraremos com o mundo atual. Vamos refletir?