Ainda que, acima de tudo, não há dúvidas que os modais ativos foram por muitos anos negligenciados na estruturação da cidade e que precisamos correr atrás deste prejuízo rápido, foi apenas na semana passada em meio a tantas discussões sobre as ciclovias de São Paulo que resolvi usá-las para ter mais propriedade de causa para defender.
Afinal, eu como pedestre, vi elas chegando aos poucos nas ruas em que passava, vermelhas, vivas e humanas. Muitos pensamentos e opiniões passavam pela minha cabeça enquanto cruzava por elas dependendo da experiência que vivia: apoiava veemente a sua implementação ao sentir a humanização das ruas, pelo simples fato de que conseguia cumprimentar ciclistas enquanto pedalavam pois já não estavam com aquela expressão de preocupação por suas vidas agora que tinham espaço garantido; já ao ver a ciclovia na calçada da Av. São Luís, senti a falta de dignidade habitual e repugnante que se sente ao ser um caminhante em muitos lugares da cidade, minha decepção foi tremenda principalmente porque a Av. São Luís tem, nada mais, nada menos, que CINCO faixas de rolamento para motorizados, ou seja não está acontecendo uma democratização e redistribuição do espaço público; em outras ocasiões, infelizmente frequentes, vi muitos ciclistas passarem no vermelho, o que me fez refletir sobre a falta de educação de todas as pessoas, independente do modal, sobre a priorização dos que estão se deslocando a pé.
Finalmente decidi que queria ter uma experiência, ainda que muito breve e curta, como ciclista urbana usando a nova infraestrutura disponível na cidade para ter uma visão de usuária para além da minha visão de passeante e defensora de cidades mais humanas.
Surgiu a oportunidade pois tinha uma reunião na Vila Mariana e sabia que havia ciclovia em todo o trajeto que eu teria que fazer, decidi então não ir a pé e tentar ir pedalando.
Peguei a bicicleta do sistema de bike sharing do Itaú na estação 10, na Rua Eça de Queiroz e meu destino final era a rua Pedro de Toledo, onde ao pesquisar descobri que a estação mais próxima seria a 82. O total do trajeto era de aproximadamente 3 km.
**********
O trajeto
Iniciei a rota desmontada até chegar na Vergueiro, chegando lá peguei a ciclovia na pista central – aquela que em breve se conectará com a ciclovia da Paulista. Por este trajeto a ciclovia é bem larga e confortável, inclusive fui ultrapassada por um ciclista mais rápido e experiente, e ela está muito beneficiada pela sombra das árvores do canteiro central (coisa que não acontece quando caminho pelas calçadas da Vergueiro tendo que encarar o sol).
Estava tudo muito bem e prazeroso, até que de repente, parada em um farol, eu percebi que a ciclovia simplesmente terminava e eu não sabia para onde seguir. Eu, meio distraída com o prazer do vento na cara, quase continuei pedalando na avenida devido a pintura vermelha na borda da faixa em frente, que funciona como sinalização apenas para os domingos.
Mas logo que percebi que havia acabado o meu espaço exclusivo, decidi sair dali para procurar a continuidade da ciclovia. Desmontei da bicicleta, atravessei na faixa para a calçada e fui em direção da ciclovia da rua Madre Cabrini (qualquer um envolvido com mobilidade e a cidade descobriu que essa rua tem ciclovia graças ao escândalo do colégio Madre Cabrini quanto a essa faixa vermelha em sua porta, o que cada dia me parece mais absurdo pois eu costumo ver muitas crianças indo a pé – vou lá fazer uma contagem um dia destes).
Enfim, continuei por ali, passando em frente ao colégio pedalando, e já então um pouco decepcionada. Neste trajeto a ciclovia muda completamente, vira bidirecional, e pela direção que eu estava o meu espaço era colado à guia. Porém não foi possível seguir a sinalização, a área destinada é a área de escoamento de água, bueiros, inclinação íngreme e árvores de porte pequeno plantadas na calçada que impedem a passagem, e eu tive que ir na contra-mão. Um carro no meio do caminho, no pisca alerta como se estivesse tudo bem.
E então cheguei em mais dois pontos de conflito: ao entrar a esquerda na rua Coronel Lisboa e em seguida ao cruzar a Sena Madureira. Na primeira situação é preciso olhar para as duas direções para ver quando vêm carros e eles vêm com tudo, e mesmo quando me viram esperando para “atravessar” não me deram passagem, tive que esperar o esvaziamento da rua para continuar.
Logo que entre na Coronel Lisboa tinha visão do cruzamento da Sena Madureira e via que todos os carros faziam a curva fechada invadindo sem se importar a ciclovia. Fui até o ponto de espera, desci da bicicleta e deixei ela em frente ao meu corpo para me proteger, não me senti segura.
Desmontei pois é preciso passar por uma rampa de pedestres para acessar o outro lado da avenida e por fim voltei para uma ciclovia larga e em boas condições, alívio. Nesta parte, o trajeto têm algumas subidas e descidas, o que começa a cansar, uma asmática como eu.
E então vi uma coisa que mexeu com a minha alma caminhante: a retirada das extensões de calçada nas esquinas, medida excelente que a Vila Clementino implementou para garantir a segurança dos pedestre, diminuindo a travessia na via e restringindo o formato da curva dos carros nas esquinas.
Cheguei na Pedro de Toledo, desmontei e fui pela calçada duas quadras para cima e uma para direita para poder devolver a bike na estação 82 e ir para a minha reunião.
Este é o mapa do meu trajeto:
Quem quiser ver em detalhes, link para o mapa: https://www.google.com/maps/d/edit?mid=zpHy7_xz_8_A.ktkf9M3zFNrk
**********
Conclusões, impressões e opiniões
Apesar de ter achado muitos problemas no trajeto percorrido eu sou totalmente a favor da implementação das ciclovias. Ser a favor não implica não poder criticar algumas coisas, da mesma forma que criticar não significa ser contrária as ciclovias.Ao meu ver:
1) É impossível implementar um sistema que NUNCA existiu na cidade de forma perfeita e totalmente satisfatória. Até hoje não temos calçadas e travessias seguras e decentes para quem anda a pé, e estamos muito longe de ter, mas já temos uma infraestrutura que utilizamos diariamente em massa e que podemos criticar, discutir e reclamar mudanças. Nenhuma obra, sistema, mudança, pintura e/ou projeto na cidade é definitivo. A cidade é viva e mutante e deve corresponder aos seus habitantes de forma a promover justiça e bem estar. É urgente ter infraestrutura ou pinturas cicloviária em São Paulo, para por fim podermos discutir em cima do que temos e conseguir encontrar a nossa vocação e modelo adequado para a cidade. Aproveito aqui para citar um trecho do texto acertadíssimo na Natália Garcia em que ela conta:
No caso de São Paulo fomos inspirados diretamente por Nova York, que começou as pedestrianizações e ciclovias por lá de forma experimental e hoje têm uma nova Times Square e é uma cidade ciclável.
2) É urgente também criar espaços e oportunidades de diálogos com a prefeitura sobre as ciclovias e sobre a cidade. Já foi criada a Câmara Temática da Bicicleta dentro do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito- CMTT, que é uma iniciativa muito positiva porém limitada ao ser integrada exclusivamente por ciclistas, garantindo apenas a participação de quem utiliza as ciclovias, sem incluir quem interage com elas.
Cabendo ainda a todos nós cobrar espaços para gerar melhorias no sistema cicloviário na cidade. Que canais de contato haverão? Qual o papel das subprefeituras? Haverá uma plataforma online? Como as pessoas poderão contar suas experiências e influenciar nas mudanças?
Estes mesmos mesmos espaços e perguntas que surgem agora graças a polêmica da ciclovia é o que estamos procurando e questionando há anos como pedestres, cidadãos e usuários da cidade como um todo, visto que denúncias no SAC da prefeitura não geram respostas eficientes.
Acredito então, que agora é o momento de reinventar a relação entre usuários da cidade – cidadãos – e gestores para desenvolver São Paulo de forma coletiva e justa. E que este empurrãozinho vem acompanhado de cicloativistas sempre muito bem articulados e mobilizadores.
3) Eu sempre tive medo de andar de bicicleta em São Paulo, e agora finalmente me sinto segura e apta, em alguns trajetos, para praticar minha intermodalidade incluindo a bicicleta. Isso me deixa muito feliz e acredito que muitos outros, não ciclistas, poderão começar a incluir a bicicleta no seu dia a dia na cidade e experimentar a cidade de uma forma completamente nova.
VÁ DE BIKE
E apenas uma observação muito importante: parem de dizer que a maioria das pessoas se deslocam de carro na cidade, é feio falar algo tão distante da realidade. Certamente o automóvel é o modal que ocupa mais espaço, mas para transportar o menor número de pessoas. Sendo assim é o mais ineficiente, além de ser perigoso e poluente. Pense 2 vezes antes de ir de carro e antes de defender o uso indiscriminado do carro.
Link para o texto da Natália Garcia: http://cidadesparapessoas.com/2015/03/25/o-acerto-e-o-erro-da-acao-do-mpe-que-paralisou-as-obras-das-ciclovias-de-sao-paulo/