Aproxima-se o aniversário da cidade e com ele os textos e as enquetes que se dedicam a discutir e listar tudo o que São Paulo deveria receber de “presente”. Nessas horas todos se lembram de que temos rios superpoluídos, que falta transporte, falta moradia, que as calçadas são uma vergonha e todos os outros problemas da nossa grande cidade, e sugerem em troca obras gigantescas e ações que poderiam mudar tudo isso, deixando São Paulo mais linda e agradável.
Pois existem algumas coisas quem me incomodam MUITO nesses textos de aniversário e me dedicarei a falar disso e propor uma nova forma de festejar (presentear) São Paulo em seus 460 anos.
A primeira coisa que me incomoda é falar em “presente” no sentido a que se referem: o presente de aniversário. Presente de aniversário, na maioria das vezes na nossa realidade social atual, é um objeto/coisa que se compra (muitas vezes nos shoppings, aqueles que estão bombando de rolezinhos) e que é palpável, ou seja, embrulhável, e se dá para uma pessoa como “forma de carinho”.
Logo eu começo a imaginar São Paulo ganhando um rio limpinho e cheiroso, embrulhado e colocado em algum lugar da cidade; a imagem não é linda? É incrível, já posso ver as pessoas na beira do rio passeando, muitas plantas, verde e sombras. Ou então ganha em um passe de mágica que todas as calçadas sejam largas, sem buracos, e acessíveis. Imagina poder andar em São Paulo olhando para cima (sem ter medo de cair)?
A segunda coisa que me incomoda é os presentes serem tão gerais quanto resposta de MISS. “Qual é seu maior desejo para o mundo? Paz mundial.” Que queremos para São Paulo? Justiça, segurança, beleza e se deslocar sem estresse.
Ah, então tá, vamos ver se alguém traz tudo isso embrulhado em um papel dourado com uma fitinha vermelha em cima e com um simpático cartão?
Não! Nós não vamos esperar, primeiramente porque não vai acontecer, ainda que funcionemos na política do contrato social, porque depositamos o poder de ordem da sociedade em um prefeito (apesar de tudo indicar que justamente queremos mais participação). Já sabemos que ele não é Deus na Terra, e não vai conseguir simplesmente presentear essas coisinhas “mínimas” que as pessoas andam sugerindo de presente para a cidade.
Além disso, me parece que simplesmente colocar essas miudezas como se fossem pecinhas de lego que se encaixam na cidade não vai mudar nada. Porque a cidade é feita não apenas de espaços, mas principalmente de pessoas que se deslocam entre estes espaços. E são essas, as pessoas, que querem ganhar presentes, ou seja, querem receber tudo pronto, acham que é apenas colocar, construir e implementar, esquecendo que estes seres dinâmicos que compõem a cidade (elas mesmas) são a cidade.
Bom, que todo mundo reclama do transporte, que o metrô de São Paulo que não tem muita linha, e não sei mais o quê, todo mundo já sabe. E eu me arrisco a dizer que é o metrô mais limpo do mundo. Porém o que ninguém fala por aí é o que ainda acontece todos os dias: as pessoas não esperam quem vai sair do trem para entrar, as pessoas entram nas escadas rolantes se estapeando, as pessoas não deixam a esquerda da escada rolante livre.
Que todos desejam viver em uma cidade sem trânsito, com ar limpo e calçadas perfeitas, também é um grande clichê. Mas quantas pessoas pegam o carro para ir na padaria da esquina? Quantas pessoas nem conhecem as calçadas ao redor das suas casas – e se conhecem nunca denunciaram no canal da prefeitura? Quantas pessoas nunca se perguntaram o nome da árvore em frente à sua casa?
Muitos falam das grandes cidades europeias que conseguem ter rios urbanos decentes, e sonham com um rio incrível e limpinho aqui. Mas consomem quantidades catastróficas de produtos, despejando toneladas de lixo todos os dias, e nunca se perguntaram para onde o caminhão que passa na porta de casa as leva, não se interessam por novas tecnologias de saneamento, porque saindo de suas casas está bom.
Então queridas pessoas que escrevem textos, que leem textos, que compartilham textos, na minha opinião o presente que todos podemos dar para São Paulo este ano são cidadãos.
Que nada mais é do que essas pessoas, cheias de desejos e quereres, transformadas e conscientizadas de que as mudanças da cidade não vão chegar embrulhadas, mas sim como resultado de muito trabalho coletivo!