Por Gabriel Caldeira*
Ele foi criado em 2003, como fruto da articulação do Movimento pela Reforma Urbana, que desde o período de redemocratização reivindicava, por parte do governo federal, uma plataforma para elaboração e implantação de políticas urbanas por meio da participação popular.
Desde então, o Ministério das Cidades é o órgão que propõe novos marcos regulatórios para as políticas urbanas nacionais e cria programas de financiamento para projetos de infraestrutura urbana.
Um dos grandes feitos do novo Ministério no campo da mobilidade ativa foi a proposição do PL 1.687, que posteriormente veio a ser regulamentado pela Lei 12.587, instituindo assim a Política Nacional de Mobilidade Urbana.
A política criou um novo paradigma para as cidades brasileiras, atribuindo aos municípios com mais de 20 mil habitantes (e aos que tinham obrigação legal de ter Plano Diretor) a responsabilidade de elaborar Planos Municipais de Mobilidade Urbana.
Estabeleceu ainda diretrizes que rompiam com o planejamento de transportes adotado no País, que historicamente privilegiou os deslocamentos individuais motorizados.
A maior mudança se deu pelo estabelecimento da prioridade dos deslocamentos ativos (a pé e bicicleta) em detrimento dos deslocamentos motorizados, ainda priorizando primeiro o transporte coletivo sobre os motorizados privados e individuais. Este princípio se traduz claramente na pirâmide de prioridade da mobilidade urbana.
O processo político que culminou na aprovação da PNMU se deu pela articulação de diversos atores sociais.
Cabe destacar, no entanto, a importância do ministério na proposição e ampliação do conceito de transporte urbano para o conceito de mobilidade urbana.
Ao abarcar assim outras formas de deslocamento e as condições em que ocorrem para além do planejamento de redes e ruas focadas em automóveis e transporte coletivo sobre pneus, modelo predominante no campo do planejamento de transportes no Brasil.
Neste sentido, a nova legislação colaborou com o entendimento do caminhar como um modo de transporte, que deve ser pensado em rede, valorizado, impulsionado e receber investimentos.
Para colaborar com essa nova visão sobre os deslocamentos urbanos, o Ministério das Cidades criou cartilhas e materiais técnicos sobre como é possível promover e planejar para a mobilidade a pé e mobilidade por bicicleta, tornando-se referência para estados e municípios.
Na coleção de cadernos técnicos para projetos de mobilidade urbana, elaborou um volume específico sobre transporte ativo, com informações sobre as exigências estabelecidas na legislação brasileira, recomendações e boas práticas na execução e elaboração de projetos de calçadas, infraestrutura cicloviária e elementos como segurança viária e acessibilidade universal.
Além disso, ainda sobre conhecimento e formação, o Programa Nacional de Capacitação das Cidades, que tem como objetivo fortalecer institucionalmente os municípios brasileiros na gestão urbana, desenvolveu cursos focados em temas como acessibilidade universal e bicicletas elétricas. E também apoiou projetos de extensão sobre mobilidade ativa em instituições de ensino superior.
Em outra frente, de efetivação de projetos e financiamento, o ministério lançou o programa Avançar Cidades – Mobilidade Urbana, em 2017, para financiamento de projetos entre 5 milhões e 200 milhões de reais, voltados à infraestrutura para o transporte coletivo e modos ativos em cidades de até 250 mil habitantes, desde que compatíveis com seus planos diretores e de mobilidade.
Na chamada, foram explicitados alguns elementos de mobilidade ativa passíveis de receberem financiamento como “adequação e acessibilidade de calçadas, vias para pedestres, requalificação de ciclovias, ciclofaixas, arborização e paisagismo”.
Segundo levantamento realizado em 2015 pela Pini Engenharia para o portal Mobilize Brasil, calçadas executadas pelos governos custavam à época menos de 100 reais por metro quadrado. Ou seja, com 5 milhões de reais, por exemplo, seria possível executar 50 mil metros quadrados de calçada, o que equivale a um pouco mais que toda a calçada da avenida Paulista. Uma vez que o programa é voltado para cidades bem menores que São Paulo, os projetos apoiados têm um impacto ainda maior na qualidade de vida.
Fica evidente que nestes 15 anos de existência do Ministério das Cidades, um dos seus marcos foi a valorização dos modos ativos, com reflexo na formulação da política de planejamento urbano atrelada à mobilidade. Seu trabalho também permitiu uma consolidação formal e técnica da importância da infraestrutura para caminhar e pedalar nas cidades e, com isso, o avanço do financiamento para projetos voltados à mobilidade ativa nas cidades brasileiras.
Apesar da miríade de iniciativas, a atuação do Ministério das Cidades com relação à mobilidade ativa ainda é tímida comparada às necessidades das cidades e a importância do tema. E ainda assim, estas iniciativas enfrentam barreiras.
Por um lado, o País ainda avança de forma lenta no enfrentamento aos problemas causados pelo desenvolvimento “rodoviarista” adotado em muitas cidades brasileiras. Tal modelo gera extensos congestionamentos e níveis insuportáveis de poluição sonora e do ar, que degradam significativamente a qualidade de vida nas cidades.
Ainda mais grave são as milhares de lesões e mortes no trânsito, colocando o Brasil, neste século, como um dos campeões em número de vítimas fatais em ocorrências de segurança viária. Entre os anos 2000 e 2016, a média de óbitos no trânsito foi de aproximadamente 37 mil cidadãos por ano, sendo que destes, a maioria pedestres e ciclistas.
Por outro lado, as políticas do Ministério das Cidades também encontraram algumas dificuldades para serem efetivadas. O que ficou evidente na prorrogação do prazo de elaboração dos planos de mobilidade urbana municipais, inicialmente estabelecido para 2015, e que teve o último adiamento estabelecido para abril de 2019, quase sete anos após a regulamentação da PNMU.
Entretanto, ainda que nossos municípios estejam distantes de serem considerados caminháveis, no balanço final fica evidente que sem o Ministério das Cidades corre o risco de desaparecer da agenda nacional.
A mobilidade urbana é uma pauta que foi iniciada e inserida nas políticas públicas brasileiras recentemente e ainda precisa avançar muito.
Com a dissolução do órgão, as mais prejudicadas serão as cidades médias, que contam com menos capacidade técnica e financeira, ao mesmo tempo em que contam com maiores proporções de pessoas se deslocando a pé e de bicicleta. E também nós, cidadãos e cidadãs urbanos, que continuaremos vivendo em cidades hostis para se estar no espaço público e se deslocar ativamente.