O primeiro Fórum Latino americano de Pedestres foi realizado em Medellín organizado pela ONG En los zapatos del Peatón e tinha como slogan “ativos por cidades mais caminháveis”. Para passar a mensagem também teve música tema em ritmo de reggaeton, em que entoava frases como “ Os pedestres temos direito a passar na rua com calma e respeito” (escute aqui)
Porque um Fórum Latino Americano?
As cidades latino americanas precisam lidar com problemas comuns: milhares de pessoas se deslocando diariamente da periferia para o centro, transporte público lotado e insuficiente, poluição do ar crescente e muitas mortes no trânsito, principalmente de quem caminha. Os desafios são muitos e passam, é claro, por humanizar essas cidades, no sentido de garantir que as pessoas consigam se deslocar a pé e de bicicleta com conforto e segurança. Nesse sentido, o primeiro Fórum Latino-americano de Pedestres em Medellín trouxe conceitos importantes para ajudar organizações civis e tomadores e tomadoras de decisão a avançar. E reforçou que existe um modelo latino-americano de lidar com os problemas e sensibilizar único muito criativo, lúdico e afetivo.
O evento
O evento aconteceu em 2 dias, 27 e 28 de outubro, com uma programação intensa – video da Leticia convidando para o Fórum (veja aqui ). Os locais do evento foram em um museu e teatro da cidade com apresentações externas e com direito a pequenas praças que servem para acalmar o trafego.
Em ambos dias os painéis de abertura eram de perspectivas Latino-americanas e reunia organizações e ativistas de diferentes países latino-americanos. No primeiro dia uma discussão muito interessante foi provocada por Dana Corres, coordenadora da Liga Peatonal, do México. Ela perguntou à platéia o que as cidades latino-americanas têm em comum entre si que as distingue de cidades européias e norte-americanas? Essa discussão vai longe, mas algumas respostas trazidas apontavam para as áreas informais das cidades, onde o planejamento urbano nem sempre chega, a extrema desigualdade social como determinante para a organização e a fragilidade de instituições, que dificultam o estabelecimento de políticas públicas a longo prazo.
Também participou da abertura o herói brasileiro da causa caminhante, Super-Ando, que trouxe inspiração e ainda mais fôlego para a luta por cidades mais caminháveis – ter “heróis” para a luta por cidades mais humanas e um elemento muito latino-americano é que compartilhamos com várias cidades conformando uma liga de heróis pelo caminhar.
No primeiro dia, também chamou a atenção o painel que tratou da urgência de banir as passarelas para pedestres, apelidadas de “puentes anti-peatonales” (mais um exemplo da criatividade latino-americana de chamar atenção para os problemas), porque elas são estruturas que aumentam (ou mesmo impedem) os deslocamentos de pessoas a pé para aumentar a fluidez dos automóveis. Em cidades com muitas passarelas, é comum haver muitos atropelamentos de pedestres que cruzam as grandes avenidas urbanas por fora dessas estruturas, o que mostra que se houvesse travessias comuns, com semáforos e redutores de velocidade, seguindo os desejos de travessias dessas pessoas, essas mortes poderiam ser evitadas. Houve um diálogo interessante entre a cidade mexicana de Puebla, no México, onde a prefeitura determinou que não vai mais construir passarelas de pedestres, e Medellín, onde um vereador, após pressão da Fundación En Los Zapatos del Peatón, lançou um projeto de lei que determina a mesma proibição.
No Fórum também foi possível conhecer melhor o contexto da mobilidade no Vale do Aburrá, região onde está inserida Medellín – muitos deslocamentos por moto e automóvel e alta quantidade de viagens a pé concentrada nos estratos sociais mais baixos. A região, no entanto, conta com uma autoridade metropolitana que gere o planejamento urbano e de mobilidade, e está realizando o plano territorial da região metropolitana. Esse plano promete contemplar uma rede de infraestrutura para mobilidade ativa que cruza o Vale de ponta a ponta. Vale destacar que a autoridade metropolitana é um instrumento que poderia existir em todas as metrópoles brasileiras (já está previsto no Estatuto das Cidades) e melhoraria em muito a gestão da mobilidade metropolitana.
Também foi possível acessar este panorama local através da apresentação bastante completa e interessante de um vereador da cidade que tem como bandeira e foco a mobilidade ativa- bicicleta e a pé – o Daniel Carvalho.
Segundo dia de fórum e as apresentações das integrantes do SampaPé!
No sábado participamos ativamente (veja fotos aqui). A Leticia apresentou as atividades do SampaPé! no primeiro painel do dia de Perspectivas Latino-americanas ao lado do Germán do Cebras por la Vida de Bogotá, Isabel de Guayaquil (Equador), que está fazendo um trabalho de melhorar a caminhabilidade do campus da universidade da cidade, e do Cheo Carvajal, de Caracas, que contou sobre o projeto que estão fazendo com ajuda do CAF (Banco Latino-americano de Desenvolvimento) para classificar 100 ruas de Caracas de acordo com suas condições físicas. Durante a apresentação do SampaPé!, o que teve maior repercussão foi a iniciativa do programa Sentindo nos Pés (assista aqui) em quem convidamos tomadores e tomadoras de decisão a caminhar na cidade e ter uma experiência da perspectiva de quem caminha de forma crítica e que já levou a resultados concretos na cidade, como a retirada de alguns gradis em travessias e a possibilidade de implantação de um projeto piloto de ruas compartilhadas. Além disso ficou muito claro que nossa abordagem, afetiva, positiva e propositiva, como também é o caso do concurso da Miss Calçada, promovido durante a Semana do Caminhar, se repete na luta pelo caminhar com segurança e conforto nas cidades latino americanas. E que estamos lidando com uma mudança cultural profunda e por isso ser afetivo e criativo se torna essencial.
Outro painel muito interessante do dia tratou do olhar e da participação das crianças na gestão das cidades, mediado pela Leticia, onde dois projetos tiveram destaque. O primeiro são caminhadas pela memória realizadas com crianças nos municípios equatorianos mais afetados pelo terremoto do ano passado. Segundo Isabel Escobar, que participou do projeto, o caminhar é importante para recuperar referências na cidade que as crianças tinham e já não existem mais fisicamente porque foram destruídas pelo terremoto. O outro projeto se chama “Caminito a la Escuela”, promovido pela Liga Peatonal, do México. A ideia é conscientizar a comunidade escolar sobre os elementos que deixam o caminho para a escola mais seguro, por meio de um kit com “receitas” para avaliar a segurança de forma simples e acessível, além de proporem melhorar o caminho do entorno em três escolas da Cidade do México com maior nível de incidentes de trânsito.
A Ana Carolina, do SampaPé, por sua vez, participou do último painel do evento, sobre urbanismo e gênero. Ele trouxe o debate impostergável sobre a necessidade de trazer uma perspectiva de gênero não só ao urbanismo, mas à tomada de decisões sobre cidades de maneira geral. Apenas para se ater à mobilidade urbana, as mulheres configuram a maioria nos transportes públicos e são as que mais caminham nas cidades. Quanto menor renda e mais afastada do centro das cidades, mais elas se deslocam a pé. Além disso, elas acabam sendo responsáveis pela maioria das tarefas ligadas ao cuidado, como levar crianças às escolas e cuidar de parentes com problemas de saúde ou deficiência, o que implica necessidades distintas durante a mobilidade. A Ana Carolina abordou o quanto a tomada de decisões nas cidades está concentradas nas mãos de homens brancos e defendeu a importância de trazer a diversidade dos cidadãos e cidadãs para o centro dessa tomada de decisões como única saída para que as cidades sejam menos segregadoras e excludentes (veja aqui o vídeo de sua apresentação).
Neste painel também se destacou o projeto que está sendo realizado pela arquiteta e urbanista argentina Veronica Mansilla em Tucuman a_UPA que olha a cidade desde a perspectiva de mães de bebês ainda de colo e suas necessidades de acessar a cidade, amamentar na cidade entre outras que normalmente dificultam a mobilidade das mães e bebês – o projeto já está acontecendo e pode ser acompanhando pela página (veja aqui).
O evento também contou com dois grandes nomes internacionais na luta de cidades melhores para caminhar: Ole Thorson, do International Federation of Pedestrians (veja aqui), rede mundial de organizações que trabalhar o caminhar urbano, a qual o SampaPé! e a Corrida Amiga fazem parte. E também esteve presente o Jim Walker um dos criadores do Walk 21 – evento global que reúne atores que trabalham para cidade caminhável que vai ser realizado em Bogotá no próximo ano. Ele trouxe a carta compromisso que representantes do município e da região metropolitana assinaram encerrando o evento com um compromisso institucional para melhorar as condições da mobilidade a pé em Medellín e no Vale do Aburrá.
Veja aqui o live que fizemos de Medellín contando como estava (veja aqui)
(próximo texto após o Fórum – porque a gente não para )
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS: EN LOS ZAPATOS DEL PEATON E ICS (INSTITUTO CLIMA E SOCIEDADE)