As cidades não são neutras e, em geral, priorizam os carros. Isso porque, a partir da criação dos veículos, há mais de 100 anos atrás, a engenharia de trânsito se colocou a serviço de aumentar a fluidez dos automóveis e regrar o movimento das pessoas. O resultado disso é desastroso, e o Brasil é o terceiro país com mais mortes no trânsito do mundo (Global Status Report on Road Safety, 2018, OMS).
Como o carrocentrismo não tem limites, algumas infraestruturas urbanas colocam no seu nome “pedestres” alegando que são feitas para garantir a segurança de quem caminha, quando, na realidade, mantêm a prioridade dos veículos motorizados, e colocam as pessoas em maior risco. Essas estruturas, que serão apresentadas a seguir, poderiam ser substituídas por soluções mais simples e que realmente transformassem as cidades em ambientes acolhedores e seguros para caminhar. Certamente, você já passou por elas enquanto estava andando na cidade, e não seguiu o que estavam direcionando a você. Confira:
As passarelas são pontes sobre as ruas que desviam e aumentam em quase 10 vezes o caminho de quem está a pé (Liga Peatonal, México) para que os veículos não precisem parar. Elas são muitas vezes inacessíveis por terem escadas ou degraus no seu trajeto e ainda são implantadas sobre as calçadas, criando obstáculos físicos e visuais.
Por que são ruins para quem está a pé?
O que pode substituir?
Cidades da América Latina já estão proibindo e destruindo as passarelas. No México, por exemplo, a organização Liga Peatonal lançou em 2019 a campanha #AdiósPuentesAntipeatonales (“Adeus Pontes Antipedestres”), o que impulsionou a retirada de 20 passarelas no país graças à vontade política dos governantes e ao impulso da cidadania e das organizações civis. Já a prefeitura de Medellín e a Área Metropolitana do Vale de Aburrá, na Colômbia, iniciaram em 2020 um processo de retirar as passarelas antipedestres com o objetivo de promover a acessibilidade e pacificar o trânsito nas ruas, para assim avançar na meta de reduzir as mortes no tráfego de 10 para 5 óbitos a cada 100 mil habitantes. Na Colômbia, essas mudanças vieram após anos de trabalho da organização FundaPeatón, que busca uma cidade segura, acessível e agradável para os pedestres.
Veja:
Las personas —en toda su diversidad— deben tener la prioridad🚶♂️🤰🏽👩🏽🦯👨🏽🦽.
Desmontando un puente elevado y cambiándolo por un paso a nivel, promovemos accesibilidad universal y pacificación de calles; conceptos centrales del Plan de Desarrollo #MedellínFuturo de @QuinteroCalle pic.twitter.com/ILRtyMYcWf— Carlos Cadena-Gaitán (@CadenaGaitan) June 11, 2020
Así se desmontó el puente de la calle 67 Barranquilla, que deja de existir para avanzar hacia una movilidad amable por la que #TodosPasamos y que le da paso al #FuturoSostenible👩🏼🦽🚶👩🏼🦯🏃🏼♂️🚴🏻♀️@AlcaldiadeMed @sttmed @jdpalacioc @CadenaGaitan pic.twitter.com/dE4Z5w0OvO
— Área Metropolitana del Valle de Aburrá (@Areametropol) June 12, 2020
No Instituto Caminhabilidade, só apoiamos pontes para quem está a pé e de bicicleta quando as barreiras são naturais, como rios e lagos, e criando espaços públicos agradáveis.
São grades implantadas próximas ao meio-fio na calçada para impedir a travessia e a linha de desejo de quem está a pé (a linha de desejo é o caminho mais direto entre um ponto e outro, que é traçado por quem caminha). São comuns em esquinas ou vias rápidas em que as faixas de pedestres são muito distantes umas das outras.
Porque são ruins para quem está a pé?
O que pode substituir?
Mais uma vez, coloca-se a palavra “pedestres” para disfarçar estruturas que estão a serviço dos veículos motorizados. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) afirma que existe uma regra de responsabilidade, segundo a qual os condutores de veículos são responsáveis pela segurança dos pedestres (artigo 29). Ou seja, quem atravessa as ruas caminhando ou na conversão (artigo 36), tem prioridade e deve ser respeitado pelos veículos. Entretanto, o mesmo código cria mecanismos para tirar a prioridade de quem está a pé, ao dizer, no artigo 70, que nos locais com sinalização semafórica, “tanto o condutor do veículo quanto o pedestre devem atender às luzes respectivas, para alternar o direito de passagem”.
Por que são ruins para quem está a pé?
O que pode substituir?
Você já tinha notado como essas infraestruturas não são para apoiar o caminhar mais seguro?
Na nossa caminhada com a ex-vereadora Soninha Francine no projeto Sentindo nos Pés, ela faz boas observações sobre as passarelas antipedestres e os semáforos para pedestres. Sobre as passarelas, Soninha observa como os pedestres arriscam a própria vida para atravessar a rua, já que a passarela dificulta e aumenta muito o caminho, e o quanto seria mais simples se fosse instalada uma faixa na via. Já em relação à sinalização semafórica, ela afirma que, em alguns lugares, é pior para as caminhantes, já que é colocada para que elas tenham que esperar, e não os carros.
Na caminhada com o ex-Secretário Municipal de Transportes e Mobilidade de São Paulo, Jilmar Tatto, ele comenta sobre as “grades de proteção” e o quanto elas dificultam o traçado das pedestres para dar prioridade aos carros.
O primeiro passo para eliminar essas estruturas é diminuir as velocidades nas cidades, assumindo um compromisso com as pessoas e com a vida. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda velocidade máxima de 50 km/h em vias arteriais, e 30 km/h em ruas com grande fluxo de pedestres e ciclistas. Essa tendência vem ganhando força na América Latina e capitais como Bogotá e Buenos Aires já reduziram o limite de velocidade no perímetro urbano.
No Brasil, Curitiba e Fortaleza também alteraram as velocidades máximas. A capital do Paraná já viu resultados ao reduzir a velocidade máxima da maioria das vias da capital para 50 km/h, o que causou a diminuição de 32,5% no número de registros de ocorrências viárias em 11 meses, segundo o Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran). Fortaleza, por sua vez, teve redução de 67% na média de sinistros com mortes entre 2016 e 2020 em vias que tiveram a velocidade reduzida, segundo levantamento de 2021 da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC).
Quando a velocidade diminui, é possível mudar a classificação das vias e, com isso, inserir travessias em nível e ruas compartilhadas para, assim, criar prioridade para as pessoas nas cidades. Ou seja, a redução das velocidades têm efeito imediato na diminuição de ocorrências viárias e de fatalidades, e também é indutora de uma mudança mais integral nas cidades. Por isso, reduzir velocidades máximas nas vias é o primeiro passo para que o desenho urbano possa mudar e, dessa forma, melhorar as condições para caminhar.
ABAIXO-ASSINADO: Queremos cidades com velocidade máxima de 50km/h!
Referências:
Alcaldía Mayor de Bogotá. Programa de Gestión de la Velocidad. Documento base. Bogotá, 2019. Disponível em: https://www.movilidadbogota.gov.co/web/sites/default/files/Paginas/23-09-2021/programa_de_gestion_de_la_velocidad.pdf
CAMILO, Ellen. Passarelas para pedestres em Manaus: onde e para quê? Relatório final, Universidade Federal do Amazonas. Manaus, p. 50, 2011. Disponível em: https://www.riu.ufam.edu.br/bitstream/prefix/2365/1/Rel_Final_PIB-H_63-_Ellen_Camilo_Revisado.pdf.
Grupo Internacional de Información y Análisis de Seguridad Vial. Velocidad y riesgo de incidentes viales. International Transport Forum, 2018. Disponível em: https://www.itf-oecd.org/velocidad-y-riesgo-de-incidentes-viales.
HIDALGO, Dario. NO MÁS “PUENTES PEATONALES” EN BOGOTÁ. La Silla Llena, 16 de junho. 2020. Disponível em: https://www.lasillavacia.com/historias/historias-silla-llena/no-mas-puentes-peatonales-en-bogota/.
Liga Peatonal. ¿Qué son los puentes ANTIpeatonales?. Colômbia. Disponível em: https://www.ligapeatonal.org/puentes-antipeatonales/.
SampaPé!; Dérive Lab. Manual de Ruas Compartilhadas. 2017. 89 p. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B4-voQTLWgRFbTk4Uldud01mOFE/view?resourcekey=0-e5w68_BdbBC7qHvwQxXqIw.
SIMOB; ANTP. Sistema de Informações da Mobilidade Urbana da Associação Nacional de Transportes Públicos. Relatório geral 2018. ANTP, 2018. Disponível em: http://files.antp.org.br/simob/sistema-de-informacoes-da-mobilidade–simob–2018.pdf.
Secretaría de Transporte y Obras Públicas. Plan de Seguridad Vial Ciudad Autónoma de Buenos Aires 2020-2023. Buenos Aires. Disponível em: https://buenosaires.gob.ar/plan-de-seguridad-vial-de-la-ciudad-2020-2023.
SOUSA, Marcos. Pesquisa avaliou os tempos de semáforos de pedestres no Brasil. Mobilize Brasil. 20 de nov de 2019. Corrida Amiga, São Paulo. Disponível em: https://www.mobilize.org.br/noticias/11870/pesquisa-avaliou-os-tempos-de-semaforos-de-pedestres-no-brasil.html
Organização Mundial da Saúde. Global Status Report on Road Safety. 2018. Disponível em: https://www.who.int/publications-detail-redirect/9789241565684.