Victor Mendes, integrante do movimento SampaPé!
Venho acompanhando os protestos sobre a tarifa do transporte público em São Paulo, assim como as notícias a respeito. E percebo claramente que toda a mídia, mesmo com diferentes enfoques, em comum tende a desumanizar os movimentos de oposição. Isso me levou a escrever este artigo, não para falar do movimento, da sua causa ou legitimidade, e sim de suas consequências na vida cotidiana da cidade.
Após os protestos estive caminhando por algumas ruas onde a manifestação percorreu, tanto os pontos de conflitos como os de passagem. Na quinta-feira (13), o dia do pior confronto, passei por um estabelecimento comercial localizado no meio da zona de conflito e, após o término do evento, prestei atenção aos comentários das pessoas que circulavam por ali.
Diziam: ‘tudo, antes de melhorar, fica pior’. Bom, para quem não estava presente vou contar um pouco do que acontece depois que os manifestantes, a polícia e os jornalistas vão embora.
As primeiras pessoas que voltam a ocupar a rua são as que estavam no seu caminho natural, ou indo para casa, escola, trabalho, ou para ver o namorado; e, à medida que elas se cruzam, vão se indagando para saber como está a situação na rua mais à frente; às vezes se agrupam para se sentirem mais seguras.
A segunda leva de pessoas que retorna à rua são os comerciantes que ficaram dentro de seus estabelecimentos, bem como aqueles que trabalham na rua como seguranças, porteiros, guardadores de carro e profissionais do sexo. Estes últimos, reunidos em pequenos grupos, ficam se perguntando se o restante da noite ainda poderá trazer algum lucro ou benefício e, enquanto alguns retornam para casa, outros acreditam que seus clientes não serão vencidos pelo medo.
Já os guardadores de carro logo iniciam, muito desorganizadamente, uma limpeza da rua, na tentativa de atrair os motoristas para que voltem a estacionar na rua, com um pouco mais segurança e conforto.
Os próximos a aparecer são os garis, que continuam invisíveis à boa parte da população, embora todos os dias estejam ali mesmo, trabalhando para tornar a cidade mais agradável aos nossos olhos.
Por fim, vão surgindo aquelas pessoas que acreditam que a noite ainda poderá ser proveitosa, e que por isso não cancelaram seus programas ou apenas os adaptaram.
O curioso, e ponto em comum em toda a movimentação, e mesmo após ela, é como surge uma maior integração entre as pessoas. Sempre pude presenciar que elas cuidavam, conversavam e ouviam umas às outras, fato inusitado em dias normais. E eram pessoas que nunca se encontraram, que estavam ali por força da ocasião, ou mesmo aquelas que trabalham próximo, vizinhos que, naquele momento, se conheceram na portaria do prédio.
O medo aproximou essas pessoas. Mas não senti, em momento algum, que aquelas pessoas – e falo com certeza sobre mim mesmo – não estivessem contentes em se aproximar umas das outras.
Pergunto: E se pudéssemos levar essa relações até o dia de amanhã? E se fôssemos simpáticos com as pessoas todos os dias? E se pudéssemos levar só esses momentos para a nossa vida diária? Esta a minha ideia: dizer um pouco desta cidade que ninguém vê.