Uma reflexão sobre os custos-benefícios de cidades mais ativas
As doenças não transmissíveis representam, hoje, as principais causas de morte no Brasil. De acordo com o relatório da Organização Mundial da Saúde [1], 74% das mortes no país são causadas por doenças não transmissíveis, sendo que 60% são relacionadas a doenças cardiovasculares, respiratórias, cânceres e diabetes, doenças relacionadas ao sedentarismo e sobrepeso. Isso quer dizer que nosso estilo de vida sedentário é o que, em grande parte, está nos matando hoje em dia.
Os números também revelam que o custo dessas doenças para o país é muito elevado: só para o tratamento das doenças provocadas pelo sobrepeso e obesidade, o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta quase R$ 3,5 bilhões todo ano, segundo estudo da UERJ [2]. Se nada for feito, estima-se que daqui a 10 anos será necessário um valor mais de dez vezes maior do que se gasta hoje para tratar das doenças ligadas ao excesso de peso, podendo chegar a R$ 38 bilhões.
Por isso, é fundamental incentivar mudanças de hábito para um estilo de vida mais ativo de maneira a prevenir essas doenças e reverter o quadro alarmante da saúde dos brasileiros. E as nossas cidades tem papel fundamental nisso: já falamos em um post anterior como o ambiente construído pode influenciar nossos hábitos.
Isso significa que investir em cidades mais ativas é economizar em saúde pública!
O raciocínio é simples: investir, por exemplo, em uma rede cicloviária associada à implantação de bicicletários, paraciclos e vestiários incentiva o uso de bicicletas, incorporando atividade física ao dia-a-dia de muitas pessoas. Essa prática ajuda a melhorar a frequência cardíaca, acelerar o metabolismo e reduzir o colesterol e que, no final das contas, diminui os gastos de saúde com remédios, médicos, hospitais.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já pesquisou [3] e fez as contas: a cada dólar investido em promoção de atividade física, pode-se economizar cerca de 3 dólares em saúde.
Com isso em mente, o deslocamento ativo se coloca como uma grande oportunidade na mudança de hábito dos cidadãos. Vamos usar São Paulo como exemplo: em 2012, quase 1/3 dos paulistanos se deslocava a pé ou de bicicleta, mesmo com uma rede de calçadas inadequada e com uma rede de ciclovias incipiente* [4]. Melhorar a condição de caminhabilidade e ciclabilidade das nossas cidades pode incentivar ainda mais pessoas a escolherem formas ativas de deslocamento e diminuir os problemas de saúde relacionados ao sedentarismo e obesidade**.
Outras maneiras de promover a atividade física foram implementadas em diversas cidades do mundo com programas de abertura de ruas aos finais de semana. Bogotá, por exemplo, possui uma rede de 121 km de vias abertas às pessoas aos domingos. Em São Paulo, está em discussão a abertura da Avenida Paulista e de outras vias espalhadas pela cidade no programa Rua Aberta, assim como ocorre com o Minhocão desde 1989. Essas iniciativas se revelam como grandes oportunidades para incrementar as áreas de lazer dos centros urbanos, que muitas vezes são concentradas e insuficientes, com um investimento simples e de baixo custo em espaços que já são públicos: as vias, lugares com grande potencial de transformação para a promoção de atividade física.
O custo-benefício dessas iniciativas já foram medidos nos locais onde foram implantadas. Em Bogotá, um estudo da Universidad de los Andes estimou que são economizados cerca de $13 milhões de dólares por ano em saúde pública com o programa de vias abertas [5].
esquerda: via aberta em um domingo em Bogotá, direita: Paulista Aberta no dia da inauguração da sua ciclovia.
crédito: Cidade Ativa
Investimentos voltados para a promoção da atividade física não devem ser encarados como gastos que podem comprometer o orçamento público, mas como economia em saúde pública a médio e longo prazos. É importante coordenar ações setoriais – saúde, transporte, esportes, cultura – combinando programas das diversas secretarias para que investimentos sejam otimizados e para que os benefícios sejam vislumbrados globalmente. Metas de governos, nas diversas escalas, devem contemplar a transdisciplinaridade de projetos e devem ser criadas fontes de financiamento que abracem esta complexidade.
*Dados da Pesquisa Origem Destino de 2012, antes da implantação da rede atual de ciclovias.
**É importante lembrar que quanto mais deslocamentos ativos são incentivados, menos emissões de poluentes são geradas pela queima de combustíveis fósseis. Isso melhora a qualidade do ar que respiramos e reduz as doenças respiratórias, tão frequentes nos grandes centros urbanos.
[1] World Health Organization. Noncommunicable Diseases (NCD) Country Profiles, 2014. Disponível em: http://www.who.int/nmh/countries/bra_en.pdf. Acessado em Outubro de 2015.
[2] BAHIA, Luciana R. ARAÚJO, Denizar Vianna. Impacto Econômico da Obesidade no Brasil. Disponível em: http://revista.hupe.uerj.br/detalhe_artigo.asp?id=455. Acessado em Outubro de 2015.
[3] Pesquisa OMS. Disponível em: http://www.confef.org.br/extra/revistaef/show.asp?id=3726. Acessado em Outubro de 2015.
[4] Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ. Pesquisa Origem e Destino 2012: Principais Resultados Pesquisa Domiciliar. Disponível em: http://vadebike.org/files/metro-pesquisa-de-mobilidade-da-rmsp-2012.pdf. Acessado em Outubro de 2015.
[5] Ciclovías Recreativas, una epidemia saludable. Disponível em: http://www.coldeportes.gov.co/index.php?idcategoria=57390&download=Y. Acessado em Outubro de 2015.