Cidade Ativa

26
outubro
Publicado por Cidade Ativa no dia 26 de outubro de 2016

Autor: Como Anda

Escassez de faixas de pedestre — e de calçadas! -, longos tempos semafóricos, veículos em alta velocidade, grades junto ao meio fio, calçadas áridas, sem árvores ou sombra…tudo isso somado ao calor excessivo, alta umidade do ar, altos índices de poluição e a um grande contingente de motoristas apressados que não cedem o passo aos transeuntes — e não são obrigados a fazê-lo. Um desavisado que chega a Hong Kong ansioso por explorar a região a pé se depara, à primeira vista, com um ambiente pouco favorável para a caminhada.




 

Ainda assim, os habitantes caminham na média 45 minutos por dia [1] e, segundo dados do censo de 2011 [2], apenas 10% da população de Hong Kong opta por se deslocar de táxi ou veículo privado, sendo que o restante se desloca a pé ou de transporte público. Como pode a região ser uma das mais caminháveis da Ásia [3] se a sua infraestrutura para a mobilidade a pé apresenta, à primeira vista, tantas lacunas em sua infraestrutura?

 

 

Com o pretexto de que Hong Kong teve que construir uma extensa malha viária nas últimas duas décadas, o governo optou por evitar o conflito entre veículos e usuários do transporte público e modais ativos e desenvolveu alternativas para a rede de mobilidade a pé. Passarelas elevadas, escadas rolantes e elevadores, ligadas a corredores dentro dos edifícios que podem ser utilizados 24h/dia, fazem parte do dia-a-dia de 90% dos deslocamentos. Essa rede é visivelmente a mais escolhida pela população, justificada pela integração com transporte público e principais centros de compra e trabalho e por estar climatizada. Em dias de calor intenso ou fortes chuvas — ambos muito frequentes em Hong Kong — a população agradece!

 

 

 

Causa grande estranhamento, à primeira vista, esta maneira alternativa de se deslocar e o tema foi sutilmente abordado em algumas das falas da conferência Walk 21, evento dedicado à discussão da mobilidade a pé que aconteceu em Hong Kong durante o dia 3 ao 7 de outubro de 2016. “Hong Kong is a place without ground” (Hong Kong é um lugar sem chão), comentou Bing Thom, arquiteto nascido em Hong Kong com escritório no Canadá, durante sua fala, se referindo ao fato dos deslocamentos acontecerem em outros níveis.

 

Mas será uma cidade sem chão? Ou será que Hong Kong, na verdade, tira proveito destes múltiplos pisos para poder movimentar os seus mais de 7 milhões de habitantes todos os dias? Importante lembrar que grande Hong Kong é um dos locais mais densos do mundo e que parte do território da principal ilha da cidade é uma área de proteção ambiental e que grande parte dos habitantes circula em uma área bastante restrita. Sendo assim, a quantidade de pessoas se deslocando pelas escadas, passarelas — e também pelas calçadas — é muito grande.

 

 

Apesar do protagonismo dado para esta rede elevada de caminhos, o nível térreo — onde estão os ônibus, trams, táxis, veículos privados — é muito dinâmico e bastante utilizado também. Ainda que o fluxo de pedestres não seja a prioridade neste patamar urbano, as calçadas são em geral bem mantidas, acessíveis e seguras, o que é comprovado por dados de fatalidades no trânsito: 1,7 óbitos por 100.000 habitantes em 2015, 12 vezes menor do que a média nacional brasileira de 21,2 [4]. Interessante notar que ali, apesar de escassa em algumas áreas, a sinalização semafórica para pedestre traz o — amigável — verde piscante como transição entre o verde e o vermelho, ao contrário do intimidador vermelho piscante de São Paulo. A falta de mobiliário urbano e arborização nas ruas é compensada pela consistente sinalização de orientação voltada aos pedestres, inclusive nos pontos de ônibus que estão junto ao meio fio das principais avenidas.

 


 

A percepção inicial de aparente negligência do nível térreo leva a pensar também que existem muitas perdas nas conexões com outros espaços da cidade — áreas comerciais, equipamentos, espaços públicos. No entanto, o que se percebe com um olhar mais atento e livre de preconceitos é que Hong Kong oferece “múltiplos chãos”: o comércio se estende do térreo até o 3º ou 4º pavimento das edificações, multiplicando a quantidade de “fachadas ativas” dos passeios; praças e parques são muitas vezes elevados, integrados à rede, enquanto as áreas comerciais fazem frente para as calçadas.

 

 

 

Tendo em conta a história de ocupação de Hong Kong, com a criação de terraços para vencer a topografia acidentada e a criação de uma rede de escadarias que os conectam, parece ainda mais natural que o desenho da cidade tenha que responder à integração destes diferentes níveis em um território com área escassa e grande volume de pessoas. Não é à toa que Hong Kong tem um dos maiores valores por m2 construído no mundo [5].

 

 

 

Estando no topo de vários rankings do mundo, incluindo no de IDH (ocupando a 12º)[6], talvez Hong Kong seja, sim, uma cidade de “múltiplos chãos”, que enfrenta ainda vários desafios para qualificar o deslocamento de seus habitantes mas que, sem dúvida, busca soluções inovadoras para conectar pessoas aos seus espaços.

 

[1] CERIN, Ester et al Physical activity in relation to urban environments in 14 cities worldwide: a cross-sectional study , disponível em: http://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(15)01284-2.pdf

[2] Hong Kong Census, 2011

[3] Estudo realizado pela Clean Air Initiative for Asian Cities (CAI-Asia) Center,disponível em:http://www.ictct.org/migrated_2014/ictct_document_nr_663_102A%20Sophie%20Sabine%20Punte%20Walkability%20Surveys%20in%20Asian%20Cities.pdf

[4] Global Status Report on Road Safety 2015 e Road Traffic Accident Statistics — Transport Department of Hong Kong.

[5] http://www.globalpropertyguide.com/most-expensive-cities

[6] HDRO (Human Development Report Office) — United Nations Development Programme (: ). «Human Development Report 2015 — “Sustaining Human Progress: Reducing Vulnerabilities and Building Resilience”» (em inglês). Consultado em 14 de dezembro de 2015.



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