Você já parou para prestar atenção naquelas que fazem parte do seu percurso?
Em São Paulo, assim como em outras cidades brasileiras, a topografia traz a necessidade de conectar diferentes níveis em sua paisagem. Como resultado, a cidade apresenta inúmeras escadarias com diferentes formas, em distintos contextos. Algumas dão acesso a casas, comércios, edifícios; há, ainda, aquelas que estão entre muros ou ao longo de uma área verde enquanto outras são improvisadas.
Infelizmente, as escadarias são em sua maioria espaços abandonados e degradados, conhecidos por serem inseguros, tanto em contextos urbanos formais quanto informais. No entanto, elas apresentam um potencial incrível para a criação de uma rede de espaços públicos abertos, conectando comunidades e oferecendo locais para que as pessoas possam se encontrar, relaxar, brincar, se exercitar e desfrutar vistas deslumbrantes.
Além disso, elas representam importantes atalhos na rede da mobilidade a pé, permitindo que as pessoas se desloquem em cidades com uma topografia mais acidentada de maneira muito mais fluida e rápida. Entendendo como conectar escadas e a rede de calçadas existente, podemos aumentar o uso do transporte ativo e reduzir o uso de automóveis particulares na cidade, amenizando a crise de mobilidade que cidades enfrentam atualmente.
Uma vez que hoje as escadas representam no imaginário das pessoas lugares sujos, perigosos e descuidados, não existe um mapeamento mental desta rede – há uma enorme incerteza sobre a existência das mesmas e o potencial que elas escondem.
Por isso, é necessário aumentar o reconhecimento sobre a existência destes espaços. Uma das estratégias para que as pessoas percebam a sua existência é a implantação de dispositivos físicos, como placas de sinalização que indiquem onde elas estão ou a inclusão de diferentes indicações e pinturas. Com isso, seria possível aumentar a visibilidade destas passagens, sugerindo caminhos, apropriações e, inclusive, discutindo uma nova sinalização voltada aos pedestres.
Outra estratégia para colocar as escadarias no mapa – e que foi colocada em prática através de uma parceria da Cidade Ativa com o site Cidadera – é uma plataforma de mapeamento colaborativo online [1]. Como não existe um banco de dados confiável com localização das escadarias em São Paulo e suas características, esse dispositivo foi criado a fim de permitir que pessoas pudessem marcar todas as escadarias que fazem parte do seu percurso rotineiro e inserir informações sobre as condições em que elas se encontram. Com isso, espera-se que as pessoas percebam que as escadarias podem ser parte de suas rotinas diárias, sendo incorporadas como atalhos em rotas para pedestres.
Mais do que passagens, as escadarias também possuem potencial para a permanência. Imagine que esses espaços podem suprir parte da demanda de áreas de lazer da cidade. Isso porque elas estão presentes na maioria dos bairros paulistanos, em locais onde muitas vezes a urbanização não foi planejada e não existem oportunidades de terrenos que possam abrigar uma praça ou um parque. Por isso, transformar uma escadaria em uma praça se revela uma grande oportunidade para incrementar as áreas de lazer dos centros urbanos, em espaços que já são públicos.
Para que isso aconteça, é importante que esta mudança possa ressignificar estes espaços. Um exemplo de intervenção está no bairro Parque Novo Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo. A Oca – Agência de Criatividade desenvolve em uma escadaria da região o projeto Degrau Cultural, transformando o escadão, até então abandonado, em um pólo cultural do bairro. Ali são realizadas sessões de cinema, além de peças de teatro, shows de música, poesia e exposições.
No bairro de Pinheiros, a Cidade Ativa iniciou um projeto piloto na Escadaria da Rua Alves Guimarães. Como parte do processo de requalificação das escadarias na cidade, era fundamental permitir que as pessoas experimentassem uma intervenção física que revelasse a oportunidade de ter escadarias como parte da rede de espaços públicos da cidade. Com intervenções por meio de oficinas participativas, buscou-se testar se as mudanças em sua aparência aumentariam a sensação de segurança e consequentemente, estimulariam seu uso na comunidade.
Outra iniciativa da Cidade Ativa em andamento e que envolveu a comunidade é a Escadaria Pereira Machado, na região do Jardim Ângela, Zona Sul de São Paulo. O projeto, chamado Olhe o Degrau Jardim Ângela, faz parte da iniciativa Passagens, coordenada pelo IVM – Instituto Cidade em Movimento. A partir da leitura dos dados obtidos em campo, das conversas com entrevistados e ideias discutidas durante uma oficina com alunos de uma escola [2], a equipe Cidade Ativa explorou o potencial da escadaria de se consolidar como espaço público de encontro. Com o intuito de construir relações entre as pessoas que por ali passam e promover a permanência e o lazer no local, foi desenvolvido um projeto para configuar a escadaria como um espaço cívico em uma região escassa de espaços públicos.
Essas experiências de envolvimento da comunidade na intervenção no espaço público revela que é possível, através do engajamento, transformar espaços construídos e, consequentemente, hábitos. Esse processo participativo cria não somente vínculos entre pessoas de uma mesma comunidade, como também conecta cidadãos a seus bairros.
[1] CIDADE ATIVA, CIDADERA. Olhe o Degrau: Plataforma de Mapeamento Colaborativo Online de Escadarias. Disponível em: www.olheodegrau.cidadera.com
[2] CIDADE ATIVA. Olhe o Degrau – Jardim Ângela: Encontro de Ideias. Disponível em: http://www.cidadeativa.org.br/#!Olhe-o-Degrau-Jardim-Ângela-Encontro-de-Ideias/c1na6/5612fffa0cf25fa7fe283ec9