Mobilize

Texto e fotos: Uirá Lourenço

Foi inaugurado no dia 27 de junho um novo estacionamento em Brasília, próximo ao Tribunal de Justiça (TJDFT) e ao Ministério Público (MPDFT). Essa obra simboliza bem a carrodependência na cidade, o atraso na mobilidade e a desigualdade entre os pobres usuários do transporte coletivo e os privilegiados motoristas. Vários aspectos chamam atenção: os estacionamentos ociosos na região; a rapidez desde o pedido das vagas até a execução da obra; a oferta de transporte na região; a proximidade com o Parque da Cidade; a inauguração com a presença do governador.

A criação das vagas surgiu de um pedido do presidente do Tribunal de Justiça, que buscava ‘uma solução para a carência de vagas para veículos no entorno do Tribunal’ (notícia). Em abril/2023 o presidente do órgão apresentou a proposta de ‘estacionamento adjacente à poligonal do Parque da Cidade’, próximo ao Tribunal e ao Ministério Público.

Ao andar pela região é fácil notar os espaços ociosos, inclusive um estacionamento privado em funcionamento (defronte ao Tribunal!) e outros três grandes lotes abandonados. Além desses terrenos ao longo da Estrada Parque Indústrias Gráficas (EPIG), o Parque da Cidade tem bolsões de estacionamento amplos e gratuitos. Os estacionamentos do parque mais próximos do Tribunal (n° 1 e 12) têm centenas de vagas e ficam vazios em dias de semana.

Áreas ociosas na região: estacionamento privado e lote vazio.

No mapa que elaborei pode-se ver as muitas opções de vagas para os motoristas, que poderiam ser usadas e evitaria a perda da área verde rente ao parque. Apesar de a área convertida em estacionamento estar na parte que era murada (estrutura derrubada nas obras), foi noticiado que o estacionamento estaria fora da poligonal do Parque da Cidade.¹

Quanto ao acesso aos órgãos públicos localizados na região, existem várias linhas de ônibus que passam no Eixo Monumental, de vários cantos do Distrito Federal e dos municípios próximos de Goiás (Entorno). Por que não se investiu em melhorias no serviço de ônibus para atender aos servidores e visitantes que se deslocam até o Tribunal de Justiça? Ações como reforço nas linhas, painel eletrônico com os horários em tempo real e ônibus executivo poderiam ser implementadas e trariam ganhos não só aos frequentadores do TJ, mas a toda a população.

Desde o pedido das vagas pelo Tribunal de Justiça (ofício registrado em maio/2023) até o início das obras (fevereiro/2024) se passou menos de um ano. Uma rapidez impressionante considerando outras demandas mais simples (de menor custo e fácil resolução), como a reforma de calçadas e ciclovias ou a instalação de faixas para travessia de pedestre. Nas solicitações frequentes feitas na ouvidoria do GDF², as respostas costumam ser que faltam recursos para os serviços ou que será enviada resposta complementar para informar as providências (que raramente são tomadas).

A inauguração das 257 novas vagas contou com a presença das autoridades, inclusive do governador. Um gasto de R$ 8 milhões³ que reforça o uso do automóvel em detrimento de outras opções de transporte.

Enquanto isso, bem perto do palanque usado pelas autoridades na inauguração, a calçada estreita – que liga o Ministério Público ao ponto de ônibus do Eixo Monumental – continua deteriorada e o acesso é inviável para um cadeirante. Além dessa garfada na área verde (convertida em estacionamento), os tratores do GDF estão devastando outros grandes nacos de canteiro ao longo da EPIG para criar novos acessos e novas pistas para os motoristas. E assim nossa Cidade Parque vai se consolidando como Cidade do Automóvel.

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¹ Tentei acesso ao processo que tramitou pela Secretaria de Urbanismo e Habitação (Seduh), mas não consegui ver os detalhes como a quantidade de árvores derrubadas, o aval dos órgãos competentes e a localização fora da poligonal do Parque da Cidade. Apesar de público, o acesso externo aos documentos do processo (SEI n° 00002-00003054/2023-75) não foi possível.

² O blog tem uma grande lista de solicitações feitas e as respectivas respostas ao longo dos anos (2015 – 2024): https://brasiliaparapessoas.org/solicitacoes-de-informacoes-e-sic/

³ Prefiro usar o termo gasto, em vez de investimento, usado pelo governo na notícia sobre a inauguração: ‘A obra foi feita pelo Governo do Distrito Federal (GDF), por meio da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), com investimento de R$ 8 milhões’.

Investimento de verdade seria, por exemplo, restauração das calçadas, ampliação das linhas e dos horários de ônibus, instalação de mais estação de bicicletas compartilhadas e conexão das ciclovias. 

VÍDEO

O vídeo mostra a via que margeia o Parque da Cidade e a área do estacionamento, que está sendo devastada em novas obras do GDF.