Brasilia Para Pessoas

14
junho
Publicado por Brasília no dia 14 de junho de 2024

Texto e fotos: Uirá Lourenço 

A notícia me abalou: no dia 6 de junho, à noite, uma pessoa morreu após ser atropelada por moto e carro no Terrível Trevo. No mesmo dia, de manhã, eu tinha publicado um vídeo (mais um) com cenas do TTN. 

Fico imaginando quem era esse homem que morreu ao correr e tentar chegar vivo ao outro lado. A notícia só informa que era um homem de 39 anos. Um anônimo (mais um) que morreu atrapalhando o tráfego. Muito provavelmente, uma das centenas de pessoas que trabalham na região e precisam fazer a travessia. Segundo dados oficiais, ocorrem pelo menos 274 travessias todo dia na altura da 116 Norte, próximo à ponte do Bragueto1

Na Capital do Automóvel, com pistas velozes e obras de túneis e viadutos pra todo lado, a vida não tem vez. A segurança no trânsito fica em último lugar, infelizmente. 

Conheço bem o Terrível Trevo. Um projeto rodoviarista ao extremo, sem qualquer preocupação com o ser desprovido de carro. Acompanho desde antes do início da grande obra que ampliou pistas e criou viadutos próximo à ponte do Bragueto. Ao longo dos anos tenho feito registros (fotos e vídeos)2 e conversado com pessoas que passam pela região. O lema dos trabalhadores que atravessam é correr pra não morrer.  

Vale lembrar: não foi acidente, não foi uma morte ao acaso. As autoridades sabem do alto risco no local e se omitem, deixam de prover infraestrutura mínima de segurança aos mais vulneráveis que se deslocam sem carro: a pé, de bicicleta ou ônibus. Aliás, desde 2007 tem proposta de travessia (passagem subterrânea) no final da Asa Norte (na altura da quadra 116/216N)3. Lá se vão 17 anos de descaso.

O local onde o homem de 39 anos morreu se revela altamente hostil. Ponto de ônibus precário, limite de velocidade de 80 km/h. Ao desembarcar do ônibus e caminhar para o outro lado, duas opções: seguir por cima num caminho mais curto e atravessar várias faixas com carros velozes; ou dar uma volta grande em caminhos íngremes e sem calçadas. A placa do órgão de trânsito orienta a seguir por baixo do viaduto, no caminho longo e inacessível.  

Opção de travessia por cima.

Opção de travessia por baixo.

Fico imaginando o que faria uma pessoa cega ou cadeirante. Imagino também a reação do Secretário de Mobilidade ou do Diretor do DER/DF (órgão responsável pela via) ao enfrentar o desafio.

Em janeiro deste ano ocorreu o lançamento da Revista Urbanidade n° 3, tendo o pedestre como tema principal. Escrevi um artigo e tive oportunidade de participar do evento como palestrante. Ao final, o representante da Polícia Militar comentou o vídeo que mostrei do TTN, disse que não conhecia a situação e que trataria do tema com o alto comando da PM, em especial com o comandante de policiamento de trânsito.4 

Quantos trabalhadores precisarão morrer para que as autoridades tomem providências?!   

Precisamos de uma cidade pensada para as pessoas, cidade humanizada, com menor velocidade e caminhos seguros para caminhar, pedalar e usar ônibus. Chega de atropelamentos e mortes. Chega de TTN. Que tenhamos menos trevos rodoviários e viadutos, menor velocidade, mais calçadas e ciclovias conectadas. E mais empatia ao dirigir: ao avistar um ser caminhante ou pedalante, alivie o pé do acelerador.     

____________________________ 

1 A pesquisa Travessias do Eixão (junho/2023), realizada pelo Instituo de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPE-DF) com a colaboração da associação Andar a Pé e da Universidade de Brasília (UnB), fez contagem no local das 7h às 19h.

2 O blog tem seção específica sobre o TTN: https://brasiliaparapessoas.org/norte-do-df-ttn/

Álbum com fotos recentes da região: https://flic.kr/s/aHBqjBuVKw

3 O relatório do Estudo de Segurança de Pedestres no Eixo Rodoviário, realizado pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER/DF), é de 2007 e já apontava a necessidade de construir novas passagens na Asa Norte. A quadra 116 Norte foi sugerida por ‘concentrar grande número de atropelamentos’.  

4 A Revista Urbanidade n° 3 pode ser acessada nesse link: https://www.mpdft.mp.br/portal/index.php/conhecampdft-menu/programas-e-projetos-menu/rede-urbanidade/revista-urbanidade/15532-revista-urbanidade-n-3    

A transmissão do evento de lançamento da revista está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=BfvnW6S3sds     

VÍDEOS

Alguns vídeos produzidos ao longo dos anos no final da Asa Norte.

Vídeo recente, publicado no mesmo dia da lamentável morte:

Vídeo de 2017, que mostra as obras na região da ponte do Bragueto:

Vídeo de 2016, em que fui ao TTN com a família para observar e conversar sobre (i)mobilidade:

Vídeo de 2015, com cenas de como era antes das obras:



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Uirá Uirá Lourenço
Morador de Brasília, servidor público, ambientalista e admirador da natureza, Uirá é um batalhador incansável pela melhoria das condições de mobilidade na capital federal. Usa a bicicleta no dia a dia há mais de 25 anos e, por opção, não tem carro. A família toda pedala, caminha e usa transporte coletivo. Tem como paixão e hobby a análise da mobilidade urbana, com foco nos modos saudáveis e coletivos de transporte. Com duas câmeras e o olhar sempre atento, registra a mobilidade em Brasília e nas cidades por onde passa, no Brasil e em outros países. O acervo de imagens (fotos e vídeos), os artigos e estudos produzidos são divulgados e compartilhados com gestores públicos e técnicos, na busca de um modelo mais humano e saudável de cidade. É voluntário da rede Bike Anjo, colaborador do Mobilize e membro da Rede Urbanidade.
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