Texto e fotos: Uirá Lourenço
Pretendo escrever uma série de textos sobre o rodoviarismo, ou seja, o planejamento urbano voltado para o automóvel. Neste primeiro texto vou comentar sobre a Estrada Parque Aeroporto, que passou por obras, inauguradas recentemente, em 11/4/2022 (notícia do governo).
A via que liga o Eixão ao aeroporto foi novamente ampliada e já possuía um corredor exclusivo de ônibus (sistema BRT Sul). Com o alargamento da EPAR, agora existem nove faixas para os motoristas. Lembro como o local já foi arborizado um dia, com árvores frondosas na parte central e nas laterais da via. As obras de ampliação (em 2014 e 2021) promoveram devastação. Na comparação com as imagens do passado dá para ver que a ex-Estrada Parque ficou bem cinza.
EPAR ao longo dos anos.
Decidi conferir como está após as obras e optei por ir de bicicleta num domingo para passar menos sufoco. Da Asa Norte até a Asa Sul pude ir pelo Eixão do Lazer, sem carros, e no restante do percurso o fluxo de carros seria menor do que em dia de semana. No final da Asa Sul, passada a tranquilidade do Eixão liberado para as pessoas, começaram os problemas. A travessia é de alto risco e o limite de velocidade é altíssimo (80 km/h).
Final do Eixão Sul: alto risco para os ciclistas.
Segui caminho pela lateral da pista. No caminho me perguntava: por que não aproveitar o gramado largo para construir uma ciclovia? Outra pergunta: como explicar a falta de ponto de travessia para pedestres e ciclistas? Após enfrentar os carros em alta velocidade e cruzar acessos perigosos, cheguei à EPAR e me deparei com uma grande placa do Governo do Distrito Federal (GDF). Além do alargamento, a placa informa sobre ciclovia. Curiosamente, não consegui avistar a tal ciclovia.
Fragmento de Ciclovia
Como era domingo, tinha um movimento razoável de pessoas pedalando na EPAR, por lazer e esporte, a caminho do Eixão. Fiquei aflito ao ver tantos ciclistas entre os carros em alta velocidade e quase presenciei um atropelamento.
Apesar da placa do governo que informava a obra concluída – de alargamento e construção de ciclovia –, tive dificuldade de encontrar a via para ciclistas. Pedalei um bom trecho junto aos carros até encontrar a nova ciclovia. Na verdade, é um trecho isolado e não concluído de ciclovia. Outro ponto negativo é a falta de sombra (árvores). O desconforto térmico era grande por volta das 11h.
Vale lembrar que as leis distritais incentivam o uso da bicicleta, incluindo as Leis n° 3.885/2006 (política de mobilidade urbana cicloviária), 4.397/2009 (sistema cicloviário do DF) e 6.458/2019 (política distrital de incentivo à mobilidade ativa). Entre os vários mandamentos das leis estão: viabilizar os deslocamentos com segurança, eficiência e conforto para o ciclista; eliminar barreiras urbanísticas aos ciclistas; inserir a bicicleta no sistema viário e a integrar ao sistema de transporte público; promover melhorias na circulação de pedestres e usuários da mobilidade ativa; estimular o uso da bicicleta como meio de transporte alternativo; estimular a conexão das cidades, por meio de rotas de longa distância seguras para o deslocamento entre as cidades.
As duas extremidades da ciclovia que liga nada a lugar nenhum.
Infelizmente se perdeu uma boa chance de criar caminhos seguros e interligados para os ciclistas entre pontos importantes da região sul, como o aeroporto, zoológico e terminal da Asa Sul (ônibus e metrô). Em vez de um fragmento isolado de ciclovia – de pouca (ou nenhuma) serventia –, o governo deveria ter construído novas ciclovias interligadas às ciclovias existentes (por exemplo, na L2 Sul).
Seria um avanço e tanto ter uma rede cicloviária no final da Asa Sul. A rede de caminhos seguros certamente iria atrair muitos ciclistas, não só os que usam bicicleta por lazer e esporte no fim de semana, mas também os que usam (ou gostariam de usar) bicicleta nos deslocamentos diários. E ainda haveria um impulso importante no cicloturismo, atraindo viajantes de bicicleta que visitam as belezas da capital federal e arredores.
As ciclovias conectadas ainda atenderiam mais um público importante: crianças, adolescentes e jovens que estudam na região. O mapa (acessível virtualmente) revela que existem pelo menos seis centros de ensino no final da Asa Sul, incluindo Escola Classe 416 Sul, Marista e colégio militar D. Pedro II. As condições atuais desfavorecem a mobilidade ativa.
Final da Asa Sul: escolas, terminal de transporte e vias expressas.
Tomemos como exemplo a escola classe. A distância até o terminal da Asa Sul é de apenas 1 km. No entanto o percurso a pé ou de bicicleta é inviável por conta da falta de infraestrutura e das pistas expressas no caminho. Até o zoológico a distância é de 2,3 km, com trajeto também proibitivo para caminhar ou pedalar. Um professor que programe visita dos alunos ao zoo possivelmente reservará ônibus para levar os alunos e nem cogitará a possibilidade de fazer o trajeto a pé ou de bicicleta, apesar da distância relativamente curta.
Rede integrada e sustentável
Rede de transporte com linhas de metrô, BRT e VLT. GDF, Circula Brasília (2016).
Ao ver a vastidão cinza de pistas no final do Eixão e na EPAR, me pergunto qual o sentido de ampliar ainda mais o espaço para o transporte automotivo. Por que não ampliar e melhorar o já existente sistema de ônibus BRT Sul? Por que não fazer uma conexão com faixas exclusivas de ônibus entre o aeroporto e o terminal da Asa Sul? Outra alternativa (de médio e longo prazo) à ampliação viária seria executar o projeto de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que passaria pela W3 Sul e seguiria até o aeroporto.
Da promessa antiga de transporte por trilhos (obras iniciadas em 2009 e paralisadas em 2011, durante o governo Arruda) só sobrou o esqueleto no final da Asa Sul. O mapa de 2016, do programa Circula Brasília, mostra as possíveis três linhas de VLT, as linhas de BRT e do metrô expandido.
Estrutura abandonada do VLT, no final da Asa Sul.
É uma pena que os projetos estruturantes raramente (quase nunca) saiam do papel. O resultado da prioridade ao automóvel é claro ao longo dos seguidos governos: congestionamentos, poluição, estresse e estacionamentos lotados. Não é à toa que a frota de automóveis no Distrito Federal cresce progressivamente e se aproxima de 2 milhões.
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VÍDEO:
As imagens mostram a Estrada Parque Aeroporto após as obras.