Texto e fotos: Uirá Lourenço
Eixão do Lazer no domingo (20/9/2020).
Nos dias que antecedem o Dia Mundial sem Carro (22/9) passei duas vezes no Eixão, via expressa que corta Brasília de norte a sul. Em dias de semana, alta velocidade e grande risco para quem caminha e pedala. Aos domingos e feriados, o cenário se transforma: uma multidão se diverte e faz atividade física.
Ao notar o movimento intenso de pessoas de todas as idades a pé, de bicicleta, patinete, patins e skate no Eixão do Lazer, penso no potencial para impulsionar a mobilidade ativa. No último domingo (20/9) o Departamento de Estradas de Rodagem (DER/DF) promoveu ação para celebrar a Semana do Trânsito, com distribuição de coletes refletivos e brindes. Milhares de ciclistas compareceram (vídeo ao final). Ao admirar aquele cenário holandês, ficava imaginando uma estratégia governamental – com ações e metas definidas – para aumentar o uso dos modos ativos e saudáveis de transporte.
Em dias de semana, a realidade é bem diferente. Falta espaço seguro para pedestres e ciclistas e o limite de velocidade é altíssimo: 80 km/h (longe dos radares, muitos motoristas passam dos 100 km/h). As condições inóspitas nas passagens subterrâneas (piso destruído, sujeira e escuridão) obrigam os pedestres a atravessarem por cima, entre os carros.
Cenas do Eixão ‘normal’ em dia de semana: pedestres e ciclistas em risco.
No programa estratégico do governo, uma das metas poderia ser: dobrar a cada ano o número de ciclistas que usam a bicicleta como transporte no dia a dia. As ações de infraestrutura e educação no trânsito poderiam ser avaliadas por meio de vistorias e pesquisas com os usuários em potencial da mobilidade ativa. Assim o governo teria noção da qualidade da infraestrutura e do nível de satisfação.
Cenas do Eixão humanizado: ciclistas e patinadores de todas as idades.
– Obras de ‘Revitalização’
Ao longo do Eixão, os anúncios do Governo do Distrito Federal (GDF) destacam as obras realizadas: revitalização e reforma das tesourinhas (passagens para os motoristas). Apesar da suposta revitalização, pedestres e ciclistas foram esquecidos. As passagens subterrâneas estão em completo abandono e os projetos de revitalização para os pedestres não saem do papel.
Outra demonstração dos incentivos ao automóvel foram as obras do TTN (Trevo de Triagem Norte, também conhecido como ‘Terrível Trevo Norte’). Na ponte do Bragueto, as novas pistas foram liberadas, mas faltam pontos de travessia para pedestres e ciclistas. E até hoje a prometida ciclovia não foi entregue.
Contraste no Eixão: tesourinha reformada e passagem subterrânea abandonada.
Em suma, fica difícil chamar de revitalização. Não se deu nova vida, não se renovou o Eixão. Pelo contrário, as obras reforçaram a vocação automotiva, com pistas totalmente recapeadas e tesourinhas reformadas.
– Propostas de humanização
Uma das propostas levadas para o GDF: ciclofaixas para conexão de caminhos existentes.
Na semana passada, junto com o Gustavo Souto Maior, amigo também entusiasta das bikes, fomos à Secretaria de Esporte do DF falar sobre mobilidade ativa e levar propostas. A ideia é aproveitar esse período do Dia Mundial sem Carro para sensibilizar o alto escalão do governo. Entre as propostas estão ciclovias/calçadões em avenidas importantes (W3 e Eixão), ciclofaixas para conectar ciclovias existentes e ações educativas: curso para perder o medo de pedalar e vídeos para destacar o bom compartilhamento entre ciclistas e motoristas.
Levamos algumas propostas concretas para tornar a capital federal um símbolo de modernidade, com incentivos para que mais pessoas usem os modos de transporte saudáveis no dia a dia. Vale lembrar que as bicicletas estão em alta, com vendas aquecidas: a Decathlon, grande loja de esportes, abriu em Brasília recentemente e o estoque de bikes e acessórios praticamente zerou em poucos dias. E nesse período de pandemia centenas de cidades pelo mundo (por exemplo, Berlim, Bogotá, Lisboa, Nova York e Paris) abrem mais espaço para pedestres e ciclistas, como estratégia de desafogar o transporte coletivo e evitar o sedentarismo.
Bicicletas esgotadas em loja de Brasília.
Os desafios são grandes numa cidade que tem o automóvel no DNA e uso intensivo do transporte individual motorizado (45% dos deslocamentos no Distrito Federal). Dois aspectos são fundamentais para revitalizar de verdade Brasília: redução dos limites de velocidade e redistribuição do espaço urbano. Com infraestrutura de qualidade (rede conectada de calçadas e ciclovias, bicicletários e integração com o transporte coletivo), redução de velocidade e ações educativas, dá para avançar muito. Tomara que o ‘novo normal’ em Brasília, pós-pandemia, tenha menos carros e mais bicicletas, patinetes e triciclos.
VÍDEOS:
Três vídeos para aprofundar o tema.
O primeiro vídeo mostra uma avenida em Amsterdã, com espaço dividido de forma racional entre pedestres, ciclistas, motoristas e usuários do transporte coletivo.
No segundo vídeo, o Eixão do Lazer com milhares de ciclistas alimenta o sonho de uma cidade humanizada.
O terceiro vídeo promove reflexão sobre mobilidade urbana com base na realidade do TTN, no final da Asa Norte.