Texto e fotos: Uirá Lourenço
No dia 18 de junho, um grupo de amigos que usam a bicicleta como meio de transporte e se preocupam com a mobilidade realizaram protesto com faixas no final da Asa Norte, onde avançam rapidamente as obras do TTN, conhecido como Terrível Trevo Norte.
Desde a concepção original o projeto é totalmente rodoviarista e prevê a construção de diversos túneis, viadutos e vias expressas. A despeito das graves deficiências no transporte coletivo e das dificuldades caminhar e pedalar no final da Asa Norte, o objetivo é aumentar a fluidez motorizada. Os recentes anúncios do governo sobre as obras reforçam a proposta de incentivar o transporte individual motorizado.
Na imagem do projeto TTN (fonte: DER-DF), nada além de carros. Anúncio do GDF destaca a felicidade da motorista com os inúmeros túneis e viadutos.
Com o avanço das obras, a tendência é colapsar de vez a área central de Brasília. A frota automotiva no DF se aproxima de 2 milhões e se nota facilmente que não cabem mais tantos carros nas ruas e nos estacionamentos. Cada vez mais, canteiros e calçadas se transformam irregularmente em estacionamentos.
Espaços invadidos por carros em Brasília. Setor de Rádio e TV Sul e arredores do Ministério Público do DF.
Ao contrário de Brasília, cidades modernas investem pesado no transporte coletivo e restringem o uso do carro na área central, tanto com a cobrança para estacionar e circular, quanto com banimento dos carros em determinados locais. Além dos casos clássicos de Londres e Cingapura, que cobram pedágio urbano (valor cobrado do motorista para acessar a área central), Nova York, Estocolmo e Buenos Aires e muitas outras cidades têm anunciado medidas para desestimular o uso do carro.
O motivo do protesto contra as obras do TTN não foi apenas a ausência de ciclovia, mas também a falta de prioridade ao transporte coletivo e a grande insegurança causada pelo alto limite de velocidade e pela falta de locais de travessia para pedestres e ciclistas. Não precisa ser especialista em mobilidade para constatar os equívocos, basta parar por alguns minutos na ponte do Bragueto e observar a desproporção no espaço ocupado pelos carros (muitos apenas com o motorista) e pelos ônibus (a maioria com superlotação).
Imobilidade na ponte do Bragueto: amplo espaço aos carros e ônibus superlotados e sem prioridade na via.
No projeto TTN pessoas sem carro não têm vez!
Já se passaram cinco anos desde os intensos protestos pelo país (mobilização iniciada em junho de 2013) e, apesar de a mobilidade urbana ter sido um dos temas centrais, pouquíssimo se avançou na capital federal. É incrível como ainda muitos governantes se orgulham dos túneis e viadutos construídos e gastam preciosos recursos para incentivar o transporte automotivo, sem priorizar o transporte coletivo e a acessibilidade.
Na época da retomada das obras em 2016 (as obras do TTN foram iniciadas no governo Agnelo, em 2014, e depois retomadas no atual governo), o Brasília para Pessoas divulgou Nota de Repúdio contra a política rodoviarista de incentivo ao carro. Em abril deste ano foi protocolada representação no Ministério Público (promotorias de urbanismo e de meio ambiente) contra as irregularidades observadas nas obras. Em razão dos grandes impactos negativos (devastação e imobilidade) e da falta de transparência do governo, o blog Brasília para Pessoas mantém seção específica com informações sobre o Terrível Trevo Norte.
É lamentável que – a despeito da Política Nacional de Mobilidade Urbana, de várias leis distritais e do programa de governo favoráveis ao transporte coletivo e aos modos ativos de transporte – os projetos caros e atrasados voltados ao transporte automotivo continuem a pleno vapor. Além do TTN, outras propostas equivocadas foram anunciadas pelo atual governo, tais como: um viaduto na EPIG (Estrada Parque Indústrias Gráficas) para escoar o fluxo de carros entre o Sudoeste e o Parque da Cidade, ampliação da EPAR (Estrada Parque Aeroporto) e construção da Transbrasília (retomada do projeto Interbairros, construção de nova via de 26 km).
A recente crise dos combustíveis (desabastecimento nos postos de combustível causada pela greve dos caminhoneiros) demonstrou que o modelo de transporte baseado no automóvel é insustentável e só traz benefícios aos setores petrolífero e automotivo. Para a sociedade fica o ônus: congestionamentos, poluição e estresse nos trajetos diários, além de endividamento (muitas famílias passam sufoco para adquirir e manter o carro próprio) e desperdício de recursos públicos (os muitos milhões gastos em túneis e viadutos poderiam ser investidos em saúde e educação). Infelizmente não se aprende com os equívocos e o TTN segue o mesmo modelo rodoviarista da EPTG, que passou por grande ampliação do espaço aos carros e ficou novamente saturada alguns meses após a conclusão das obras. O corredor de ônibus nunca funcionou de forma plena e a ciclovia (com traçado ruim para os ciclistas) da EPTG continua só no barro.
EPTG (“Linha Verde”): caos reinstalado, mesmo após a megaampliação e a invasão do acostamento e do espaço para os ônibus.
Na Holanda, a crise do petróleo nos anos 70 serviu para o país voltar a investir em transporte coletivo, segurança no trânsito e transporte por bicicleta (vídeo mostra a história da retomada dos rumos da mobilidade na Holanda). Hoje o país é referência em mobilidade urbana e qualidade de vida.
Quem sabe um dia teremos mais pessoas indignadas e maior pressão contra esses projetos caros e retrógrados que só resultam em mais caos e poluição. Em vez de cobrar do governo a construção de mais túneis, a população passaria a cobrar linhas de VLT e ciclovias seguras e conectadas. Como diria Peñalosa, que foi prefeito de Bogotá e investiu em mobilidade, “a cidade avançada não é aquela em que os pobres andam de carro, mas aquela em que os ricos usam transporte coletivo”.
Vídeos sobre o TTN:
– TTN (Terrível Trevo Norte): devastação em obra rodoviarista
– Imobilidade e rodoviarismo no norte do DF
– Cenas do final da Asa Norte – Ponte do Bragueto
Álbum com imagens do protesto e da imobilidade no final da Asa Norte:
Clique na imagem para acessar o álbum.