Neste mês de outubro, o Governo do Distrito Federal (GDF) anunciou a construção de mais 10 viadutos. Ou seja, além do conjunto de túneis e viadutos na Saída Norte com foco na fluidez motorizada, ainda estão previstos viadutos em vários pontos do DF, incluindo Recanto das Emas, Setor de Indústrias Gráficas (SIG) e Jardim Botânico. Na notícia publicada no Correio Braziliense de 24/10, o secretário de Governo informa que os viadutos estão “em fase de captação de recursos”.
A impressão que fica é que, a cada quatro anos, um novo governante assume e aperfeiçoa a lógica rodoviarista de incentivo ao transporte individual motorizado. O anúncio de mais 10 viadutos me fez lembrar a célebre frase do governador Rollemberg: “Nenhum outro governo fez tantas pontes e viadutos”. No artigo publicado no Correio Braziliense (28/9/2017), ele se referia ao Trevo de Triagem Norte (também conhecido como Terrível Trevo Norte), “com 26 pontes, viadutos e acessos em construção, a maior obra viária desde Juscelino Kubitschek”.
O governador Rollemberg (2015-2018) tinha um programa de governo bonito, com um capítulo dedicado à mobilidade, em que expunha os problemas decorrentes da alta dependência automotiva no DF: “O modelo de mobilidade urbana centrado no alargamento de vias para escoar o crescente número de veículos movidos a combustíveis fósseis dá claros sinais de esgotamento e tem significativos impactos negativos sobre o clima e a qualidade do ar”. Entre os objetivos do programa estavam: priorizar o transporte coletivo e o transporte não motorizado, promover acessibilidade e ampliar o uso de bicicleta como meio de transporte. Na prática, muito pouco foi feito.
Outro anúncio recente do governo Ibaneis foi a reforma das tesourinhas, passagens dos carros por baixo do Eixão. Segundo a notícia da Agência Brasília, “96 passagens sob o Eixo Rodoviário de Brasília (Eixão) e os eixinhos (L e W) terão estrutura e estéticas recuperadas pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), ao custo de R$ 7.337.880”. Tudo indica que não haverá melhorias para os pedestres e as passagens subterrâneas continuarão em estado de abandono: com piso destruído, sujas e inseguras.
Lembro-me também do amplo recapeamento de pistas – programa Asfalto Novo – no governo Agnelo (2011-2014), que melhorou bastante as condições dos motoristas, mas ‘esqueceu’ das inúmeras calçadas destruídas ou inexistentes. Daria para citar muitas outras iniciativas de diferentes governos para comprovar o foco no transporte individual motorizado ao longo dos anos, mas o texto ficaria muito longo. Para resumir, pode-se afirmar que a imobilidade é apartidária. Ou melhor, pluripartidária.
O TTN (“Terrível Trevo Norte”) é um exemplo de rodoviarismo pluripartidário. O conjunto de pistas, túneis e viadutos no final da Asa Norte foi concebido em 2009, no governo Arruda, teve as obras iniciadas no governo Agnelo e depois retomadas por Rollemberg. Em 2019, o Terrível Trevo segue a todo vapor no governo Ibaneis, sem qualquer sinal de melhorias para o transporte coletivo nem para pedestres e ciclistas (vídeo revela a imobilidade no local).
2017 |
2018 |
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É interessante notar o custo da política rodoviarista. Não só o alto custo para construir pistas, túneis e viadutos (só a Saída Norte tem custo inicial de R$ 207 milhões), mas também o custo de manutenção da estrutura voltada ao transporte automotivo. Muitas vezes, a manutenção não entra na conta, como comprovam os viadutos desabados ou em risco de queda no DF.
Aliás, o custo de reparar ou reconstruir rodovias urbanas é um dos motivos que levam algumas cidades a removê-las. A publicação Vida e Morte das Rodovias Urbanas (ITDP e EMBARQ) apresenta um exemplo de cidade nos Estados Unidos: “Em Milwaukee, a prefeitura decidiu remover (a um custo de US$ 25 milhões) uma extensão de via expressa que existia há 30 anos, depois que as autoridades calcularam que o custo de conserto da via teria sido de US$ 50 a 80 milhões”.
Quantos corredores de ônibus, linhas de VLT (o projeto de bonde moderno na W3 ficou na promessa) e ciclovias poderiam ser construídos com os recursos gastos em infraestrutura voltada ao automóvel? Cidades modernas abandonaram a ideia de construir vias expressas e viadutos. Há uma tendência de converter pistas e viadutos em praças, parques e ciclovias. Há muitos exemplos de ações para priorizar as pessoas e desestimular o uso do automóvel, inclusive com a remoção de rodovias e viadutos: São Francisco e Portland (Estados Unidos), Toronto (Canadá) e Seul (Coréia do Sul).
Jan Gehl, arquiteto dinamarquês autor do livro Cidades para Pessoas, comenta os benefícios do planejamento urbano com foco na mobilidade e na qualidade de vida: “A cidade sustentável é geralmente fortalecida se grande parte de seu sistema de transporte puder se dar por meio da ‘mobilidade verde’, ou seja, deslocar-se a pé, de bicicleta ou por transporte público. Esses meios proporcionam acentuados benefícios à economia e ao meio ambiente, reduzem o consumo de recursos, limitam as emissões e diminuem o nível de ruídos.”
Mais uma lembrança me vem à mente. No período de campanha das últimas eleições, a capa do Correio Braziliense (27/8/2018) estampava fotos dos candidatos: “A pé, de charrete, metrô, bicicleta: vale tudo no DF”. Para garantir votos na disputa para governador do DF, cada um se virou para estar junto ao povo: teve caminhada, pedal e até uso de carroça para se locomover. Passada a eleição, tudo volta ao normal e é difícil ver alguém do alto escalão caminhar e ouvir a população. Se ouvissem os trabalhadores nos pontos de ônibus e terminais superlotados, saberiam que os viadutos não passam de devaneio diante dos graves problemas no sistema de transporte.
Por fim, deixo a pergunta para reflexão: já pensou nos benefícios do planejamento urbano humanizado? Em vez de programas milionários de mais asfalto e viadutos, um governo comprometido com programas para multiplicar o número de faixas exclusivas de ônibus, ampliar as linhas de metrô e conectar todo o DF por meio de ciclovias?…