Texto e fotos: Uirá Lourenço
Em abril se comemorou o aniversário de 20 anos da campanha de respeito à faixa de pedestres em Brasília. Sem dúvida, o respeito à faixa aqui é maior em relação a outras cidades brasileiras, graças ao trabalho iniciado há duas décadas. Mas o respeito ao pedestre vai além da faixa de travessia e requer ações governamentais com foco na humanização, uma tendência atual em cidades modernas, que priorizam as pessoas em detrimento dos carros.
A inacessibilidade ainda predomina em todo o Distrito Federal, inclusive na área central planejada. Não apenas por falta de rampas, mas especialmente pela invasão dos espaços públicos. Ao longo da Esplanada dos Ministérios, no Setor Comercial, no Setor Bancário e ao longo de toda a W3, para citar alguns exemplos, o cenário é desolador: carros invadem calçadas, canteiros e qualquer espaço livre.
Realidade na área central: invasão automotiva
A busca por uma cidade humanizada requer ações além da mera orientação ao pedestre para que acene a intenção de atravessar a via. As ações educativas e de fiscalização devem ser permanentes e dirigidas aos motoristas. Um programa de tolerância zero ao estacionamento irregular – em especial sobre calçadas, rampas de acesso e canteiros – daria o recado de civilidade exigido aos mais fortes no trânsito. Em vez de privilégios (estacionamento livre a ampliação de vias, entre outros), o motorista precisa de limites rígidos.
Claramente a tendência moderna em mobilidade é restringir o espaço destinado aos carros e incentivar o transporte coletivo e a mobilidade a pé e por bicicleta. No entanto, além do desconforto causado pelos carros e pelas crateras no caminho, os pedestres sofrem com a insegurança decorrente do excesso de velocidade e da imprudência. Os dados oficiais revelam que não há motivo para comemoração: em 2016, 132 pedestres foram mortos no DF, valor superior aos 112 mortos em 2015. Isso sem contar os inúmeros pedestres feridos em decorrência dos atropelamentos e das quedas nas crateras.
Há muito a fazer e é inaceitável o massacre nas ruas. Pedestres e ciclistas, os mais frágeis no trânsito, estão expostos a alto risco e as autoridades precisam agir. Cidades modernas, especialmente as capitais europeias, possuem programas de redução do limite de velocidade, como forma de aumentar a segurança no trânsito e promover o compartilhamento seguro das vias. No Distrito Federal não há programa amplo com o objetivo de reduzir o limite de velocidade e muitas vias, como o Eixão, a L4, a EPTG e a EPIA, possuem limite de 80 km/h (longe dos radares, muitos motoristas passam dos 100 km/h).
Campanha da Organização Mundial da Saúde reforça a importância de reduzir os limites de velocidade.
No Maio Amarelo (mês com campanhas voltadas à segurança no trânsito), os jornais destacam as mutilações de pedestres: no dia 2/5, uma jovem de 12 anos foi atropelada no Paranoá; no dia 11/5, um rapaz de 19 anos atropelado na EPIA Sul e um menino de 8 anos atropelado na BR-020; no dia 19/5, mais duas jovens (de 13 e 15 anos) foram atropeladas na BR-020, por motorista que invadiu o acostamento; no dia 22/5, duas pessoas atropeladas no Lago Norte por motorista que fugiu e não socorreu as vítimas. As notícias revelam que, além dos pedestres feridos e mortos, ciclistas, motociclistas e motoristas foram vítimas da violência no trânsito.
Eis uma mudança simples e simbólica: a redução do limite para 60 km/h no Eixão, que resultaria em maior segurança a todos (pedestres, ciclistas e motorizados). Mas, infelizmente, o que se percebe é o descaso com o pedestre ao longo dos anos. Enquanto se gastam mais de R$ 200 milhões na construção de túneis e viadutos no norte do DF, para se incentivar ainda mais o uso do carro, as passagens subterrâneas seguem abandonadas e perigosas. Em plena capital federal, um cadeirante ou alguém de muletas não consegue descer do ônibus e chegar sem apuros ao setor hospitalar (norte e sul).
No final da Asa Norte, pedestres em alto risco e sem calçada no entorno de obras milionárias de ampliação viária.
E o governo local não pode alegar desconhecimento dos problemas de insegurança e inacessibilidade. As queixas contra as péssimas condições aos pedestres são frequentes nos jornais e nas redes sociais. Há alguns anos se denuncia a insegurança na W3 Norte, com pontos críticos aos pedestres. Fiz solicitações ao Detran-DF, incluindo pedido para instalar faixa de pedestres e semáforo na altura da 713 Norte, onde todo dia adultos e crianças atravessam correndo a via, no meio de carros e ônibus em alta velocidade. Nunca houve qualquer providência, apesar das fotos e dos vídeos que revelam o alto risco.
Durante a campanha nacional Calçada Cilada de 2016, em que o cidadão denuncia problemas de acessibilidade por meio de aplicativo de celular, a capital federal se destacou com 231 queixas registradas, atrás apenas de São Paulo. Na campanha deste ano houve 251 reclamações e muitas das crateras do ano anterior estavam ainda maiores em razão da falta de manutenção e da invasão automotiva.
Algumas das crateras denunciadas na campanha Calçada Cilada 2017
É curioso notar que nossos governantes e gestores públicos responsáveis pela mobilidade viajam para a Europa e exaltam a qualidade do transporte público e a possibilidade de caminhar e usar a bicicleta como meio de transporte. Mas, ao retornarem a Brasília, enclausuram-se em carros (particulares ou oficiais) e são incapazes de propor ações com foco na segurança e na humanização. Em vez de inovação e modernidade, as autoridades propõem mais túneis, viadutos e estacionamentos.
– Manchetes das tragédias recentes no DF (maio/2017):
Saiba mais sobre a situação dos pedestres:
– Álbum de Fotos – confira imagens dos pedestres no DF:
https://goo.gl/photos/EtNwv93VniDav1h6A
– Vídeo Pedestres atletas na Asa Norte (W3):
https://www.youtube.com/watch?v=3DHvut8jc0M
– Vídeo sobre a política rodoviarista no norte do DF:
https://www.youtube.com/watch?v=rFDdaVe4bqM