Uirá Lourenço, com colaboração especial de Rosana Baioco
No balanço da semana, saldo bem positivo para o transporte automotivo: duplicação de via, conclusão de nove dos 13 viadutos do TTN (“Terrível Trevo Norte”), parcelamento das multas de trânsito no cartão de crédito e previsão de mais viadutos. Para completar o pacote de incentivos aos motoristas, a liberação de faixa de ônibus para os carros.
Notícias de maio: obras e facilidades ao transporte automotivo (clique nas imagens para ver as notícias).
Em notícia sobre a liberação da faixa exclusiva de ônibus para os carros, o diretor do Departamento de Estradas de Rodagem (DER/DF) reconhece a importância das faixas para ônibus, mas afirma a suposta necessidade de retirar a prioridade. Segundo o dirigente: “A faixa exclusiva é muito positiva, prioriza o transporte público. Naquela região a quantidade de ônibus é muito baixa. Tentando melhorar o fluxo para o transporte coletivo, faz muita retenção. Os estudos da equipe técnica da superintendência de trânsito indicam que naquela parte é melhor não ter a exclusividade da faixa para os ônibus. Vai melhorar o trânsito.”
Ainda na entrevista, o diretor do DER/DF declarou que viaduto é “solução muito razoável que permite o fluxo contínuo” e anunciou mais viadutos: “A gente está desenvolvendo alguns projetos para vários locais onde tem muita retenção para desenvolvimento e construção de novos viadutos.”
O estado de abandono é bem evidente na capital “moderna”. Em muitos locais não se consegue sequer caminhar por falta de calçadas e rampas. Ou porque as calçadas viraram estacionamento. E os usuários de ônibus continuam se espremendo nos pontos de ônibus na árdua jornada de volta para casa.
Realidade em Brasília: calçadas tomadas por carros e pontos de ônibus superlotados.
Mas a maior preocupação é com a alta no preço da gasolina. Nas manchetes dos jornais, destaque para o tema.
Notícias de 11 a 15/5. Fonte: Correio Braziliense, Metrópoles e G1-DF. Clique nas imagens para ler as notícias.
Diante do pacote de incentivos aos motoristas, a seguidora do blog e entusiasta da mobilidade Rosana Baioco escreveu texto com as impressões ao percorrer a cidade. A seguir, o texto da Rosana.
– Sou pedestre, ciclista e motorista. Sou Cidadã!
Caminhando, pedalando e dirigindo pela cidade vejo o quanto é facilitado o deslocamento do motorista, em detrimento do pedestre e do ciclista.
Vaga improvisada na grade de edifício comercial com grande circulação de pessoas, no início da Asa Norte. O prédio conta com garagem coberta para carros.
As vias são largas e mantidas o máximo possível livres de obstáculos, os abomináveis semáforos, faixas de travessia de pedestres e ciclovias e corredores exclusivos de ônibus, para que todos os motorizados possam circular, parar e estacionar seus automóveis particulares, frequentemente por oito ou dez horas seguidas, bem perto de seus locais de destino.
Quando saem de suas cápsulas de sobrevivência têm que enfrentar calçadas esburacadas, quebradas, sujas e descontínuas, travessias penosas, demoradas e arriscadas, passarelas que praticamente duplicam a distância a ser vencida. “Coitados dos pedestres”, dizem, sem perceber que somos todos. “Mas também, quem manda não ter carro”? E o conhecido “lugar de ciclista é na ciclovia, hoje não é feriado”.
Grelha de escoamento de água da chuva exatamente em frente à rampa de acesso à ciclovia e com as aberturas no sentido dos pneus da bicicleta, representando alto risco de prender o pneu e ocasionar queda perigosa. (Ciclovia da via N-1).
Todos os caminhos levam ao…estacionamento. Calçada na lateral do Ed. Crispim, em frente ao HRAN. Sem rampas de acesso e com carros bloqueando a passagem. No edifício funciona, por exemplo, clínica de fisioterapia para idosos.
No meio do “caminho” (cruzamento ciclorrodoviário) havia uma “pedra” (carro parado esperando o sinal verde). Travessia de cruzamentos na altura do TJDFT, ciclovia da N-1.
Mas isso não parece ser suficiente, todo este espaço à disposição para o ir, vir e permanecer do cidadão dentro de seu automóvel. Não basta a leniência do poder público e da sociedade civil ao não penalizar a maioria das infrações como estacionamento sobre calçadas, alta velocidade, irregularidades mecânicas e de habilitação, além da privatização do espaço público para que se guarde um bem individual ocupando quase 6m² de área nobre da cidade todos os dias (maior que muitos dormitórios na maioria das residências).
Calçada novinha, ao lado do bloco E da SQS 108, com uma grade quebrada bem no meio.
Os viadutos e os “trevos de triagem” – que na verdade são cemitérios de nascentes e de árvores e nativas, desalojando a fauna e aumentando a sensação térmica a níveis desérticos – se multiplicam. Mas não bastam para incentivar o cidadão a se tornar um “motorista”. Agora as multas de trânsito podem ser parceladas em até 10 vezes no cartão de crédito! E têm desconto de 40% se forem pagas através de aplicativo no celular! E o preço dos combustíveis é acompanhado mais de perto que o preço do feijão com arroz.
Caro pedestre, ao final da calçada, bata as asas para passar por sobre os veículos.
Em suma: compre o carro em 60 parcelas, saia com ele todo dia, que damos desconto de 40% nas multas (com pagamento facilitado e parcelado no cartão de crédito), construímos pistas e mais pistas novinhas e liberamos as faixas exclusivas de ônibus, fazemos vista grossa às infrações e abaixamos o preço dos combustíveis. Só falta dar um carro de presente para cada um.
VÍDEOS:
– Caminhada e conversa sobre Brasília com participantes do EREA
– TTN (Terrível Trevo Norte): devastação em obra rodoviarista
– Inacessibilidade na capital federal – cadeirante em calçada destruída e sem rampas
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