Texto e fotos: Uirá Lourenço
Nesta semana conversava com o barbeiro. Após papear sobre eleições e o cenário político confuso, ele disparou essa: “Hoje paguei 5 reais no litro da gasolina! Amanhã, vou começar a vir trabalhar de ônibus.”
A conversa começava a ficar interessante. Perguntei onde ele morava e quanto tempo levava. Ele disse que vinha de Ceilândia e que de ônibus seria um sacrifício, teria que sair bem mais cedo. Na volta para casa, afirmou que, sem carro, chegava a esperar 40 minutos no ponto de ônibus.
Comentei que, com o bilhete único, ele poderia ir até a rodoviária e de lá pegar outro ônibus ou o metrô. Ele ficou espantado, pois nunca tinha ouvido falar do bilhete. Expliquei onde adquirir e como fazer a integração.
Ele fez as contas rapidamente dos gastos para encher o tanque do carro, dos gastos diários (mais de 20 reais só com combustível), e se animou com a ideia de usar o cartão de integração no trajeto casa-trabalho.
Fico imaginando como daria para melhorar a mobilidade e a qualidade de vida com incentivos reais para as pessoas passarem a usar o transporte coletivo. A cidade/sociedade ainda é hostil com quem usa ônibus e os anúncios espalhados nas ruas e nos jornais estimulam o uso do carro. Nos pontos de ônibus, os reiterados anúncios de fabricantes e concessionárias de automóvel, de empresas que prometem a superação do medo de dirigir e de aplicativos concorrentes do táxi revelam que a dependência do carro é mantida não apenas por meio das obras rodoviaristas (vias expressas, túneis e viadutos), mas também pela propaganda que enaltece o transporte individual.
Contraste no final da Asa Norte: mais pistas aos motoristas e transporte coletivo precário.
Uma das poucas ações recentes (completa um ano este mês) com grande potencial na mobilidade – o bilhete único – é pouco conhecida e divulgada. Penso em ações inovadoras e simples por parte do governo para disseminar a boa cultura do uso de ônibus e metrô, tal como a divulgação e a entrega de bilhetes únicos a motoristas parados nos congestionamentos. Outra ação possível: a substituição dos carros oficiais no alto escalão do GDF por bilhetes únicos, a serem usados por secretários de estado e diretores dos órgãos públicos. A publicidade governamental divulgaria fotos dos gestores públicos no ônibus e no metrô como forma de destacar o sistema público de transporte. Além dos benefícios às finanças públicas (redução dos gastos com a frota oficial), as autoridades ainda teriam a chance de conversar com o povo e conhecer de perto a realidade.
Anúncios em diversos pontos do DF reforçam a cultura automotiva.
Ao longo dos anos, governos de diferentes partidos prometem melhorias no transporte coletivo e criam programas com nomes e logomarcas pomposos (ex.: Brasília Integrada e Linha Verde). No atual programa Circula Brasília consta o desafio de aumentar a participação do transporte coletivo (que ostenta pífios 32% entre os modos de transporte).
Mas com centenas de milhões desperdiçados em túneis e viadutos e sem prioridade ao transporte coletivo (há apenas 55 km de faixas exclusivas de ônibus em todo o DF), fica bem difícil convencer as pessoas a migrar do transporte individual motorizado para o transporte coletivo.
Talvez outros fatores – gasolina cara, zona azul e aumento dos congestionamentos diários – ajudem na sensibilização dos motoristas.