Texto e fotos: Uirá Lourenço
Quanto tempo você leva para chegar ao trabalho? Qual é a diferença de tempo entre quem se desloca de carro e de ônibus ou metrô? Quais as condições para caminhar na área central e para ir de bicicleta ao comércio ou para levar os filhos até a escola?
As perguntas servem de reflexão sobre o estado de imobilidade no Distrito Federal. Longos congestionamentos se formam diariamente mesmo no Eixo Monumental (seis pistas em cada sentido) e na EPTG (cinco pistas em cada sentido). Chama atenção não só o excesso de carros – muitos ocupados apenas com o próprio motorista –, mas também a falta de prioridade aos usuários de ônibus. No final Asa Norte, a grande obra do TTN (Trevo de Triagem Norte, também conhecido como Terrível Trevo Norte) não prioriza o transporte coletivo e põe pedestres e ciclistas em alto risco, sem pontos de travessia, nem calçadas ou ciclovias.
Eixo Monumental e EPTG: pistas entupidas de carros e falta de incentivo ao transporte coletivo.
A situação é crítica, a cidade não comporta mais tantos carros (a frota motorizada cresce gradativamente e se aproxima de 2 milhões). Ao longo da Esplanada dos Ministérios e em toda a área central é impossível caminhar: as ruas, as calçadas e os canteiros se transformaram em estacionamento. Em vez de praças e espaços de convivência, grandes áreas tomadas por carros. Outra pergunta deve ser feita: o brasiliense deseja morar na Cidade-Parque ou na Cidade-Parking?
Pedestres ilhados entre carros estacionados irregularmente nas proximidades da Esplanada dos Ministérios
Ao longo dos anos, em diferentes governos, prevaleceu a lógica rodoviarista de incentivo ao automóvel, que se traduz em obras caras para ampliar vias e construir túneis e viadutos. Entre os exemplos estão a ampliação da EPTG, EPIA e EPAR, e o complexo de túneis e viadutos na Saída Norte (a vegetação e o nobre espaço urbano se convertem em mais pistas). Para completar, mantém-se alto limite de velocidade em nome da sonhada fluidez motorizada e em detrimento da segurança no trânsito. E outros projetos equivocados entram na fila, como o viaduto na EPIG e as novas vias de acesso em Águas Claras.
A velocidade excessiva, a imprudência e a infraestrutura precária (escassez de calçadas e de pontos seguros de travessia) contribuem para o alto número de pedestres feridos e mortos: até outubro 85 pedestres já foram mortos no DF (reportagens do Correio Braziliense e do G1 destacam que o número de vítimas já supera o total de pedestres mortos em 2017).
Alta velocidade em todo o DF: pedestres e ciclistas em alto risco.
Será que estamos em busca de soluções ou estamos apenas adiando o dia D em que os motoristas ficarão imóveis nas vias (estudo prevê o colapso viário no DF em 2020)? Os bons exemplos em mobilidade reforçam a impressão de que nosso rumo está equivocado. Em cidades no mundo todo, o transporte coletivo e a mobilidade ativa – a pé, por bicicleta e outros meios não poluentes – ganham espaço. E cada vez mais se fecha o cerco aos carros, especialmente na área central. Para exemplificar, Seul tem 10 linhas de metrô, com 265 estações e 287 km de extensão; Paris tem rede totalmente integrada e extensa de ônibus, bicicletas públicas e metrô; Amsterdã ostenta 40% dos deslocamentos feitos de bicicleta; Nova York criou, em 10 anos, 70 praças exclusivas para pedestres em locais ocupados por ruas.
No DF a situação é oposta: o metrô possui apenas 42 km de extensão e não atende a região norte. Nossas faixas exclusivas de ônibus não chegam a 60 km. Por outro lado, Fortaleza instalou, em seis anos, 100 km de faixas exclusivas. Para piorar, em maio deste ano, cerca de 4 km de faixas exclusivas foram suprimidas na EPNB em nome da fluidez automotiva. Além disso, não existe estacionamento rotativo pago (em São Paulo, a zona azul foi criada em 1974) e a farra do estacionamento irregular impede a passagem de pedestres e ciclistas. Vale lembrar que a cobrança nas vagas públicas é importante não só para disciplinar o uso do espaço urbano, como também para gerar recursos para bons projetos de mobilidade.
Calçadas e canteiros invadidos por carros: situação comum em todo o DF.
Neste período de transição de governo, fica a dúvida: nos próximos quatro anos, continuaremos estacionados na lógica rodoviarista e atrasada de incentivo ao carro, ou seguiremos o exemplo das cidades modernas e passaremos a priorizar o transporte coletivo e a mobilidade ativa e saudável? Queremos uma cidade reconhecida pelo fato de ser habitada por cidadãos com cabeça, tronco e quatro rodas, ou queremos reconhecimento como cidade inovadora e moderna, com transporte coletivo rápido e atrativo, com facilidades a quem caminha e pedala?
Em Amsterdã, mobilidade ativa associada ao transporte coletivo.
Se a resposta for a segunda opção, teremos que reverter o modelo de transporte voltado ao automóvel, assim como fizeram Amsterdã, Barcelona, Nova York e Seul. Os inúmeros projetos de túneis e viadutos terão que ir para a gaveta e passarão a ter prioridade as propostas de faixas exclusivas de ônibus, expansão do metrô, VLT, reforma de calçadas, redução do limite de velocidade e ciclovias conectadas.
* Este texto é uma versão ilustrada do artigo publicado no Correio Braziliense de 30/11/2018.
VÍDEOS:
– Imobilidade no final da Asa Norte – TTN (Terrível Trevo Norte)
– Caminhada no Setor de Rádio e TV Sul: calçadas invadidas, destruídas e sem rampas
– Pedestres no entorno do UniCEUB: conversa com senhor caminhante