Texto e fotos: Uirá Lourenço
Existem muitos argumentos para incentivar o transporte coletivo: uso racional do espaço urbano, maior eficiência energética e aumento da qualidade de vida. Com um sistema de transporte integrado e confiável, não há necessidade de gastar recursos com mais pistas, viadutos e estacionamentos.
No Distrito Federal, a questão é crucial. Com frota automotiva crescente (1,8 milhão de automóveis registrados) e grande desproporção entre os modos de transporte (em pesquisa de 2018, o automóvel se destaca como meio de transporte de 47% da população1), a saída para o caos passa necessariamente por investimentos e incentivos ao transporte coletivo.
Apesar das vias largas, muitas vezes não há qualquer faixa exclusiva ou corredor de ônibus. O Eixo Monumental, com seis pistas em cada sentido, e o Eixão, com três pistas expressas em cada sentido, exemplificam a falta de prioridade aos usuários do transporte coletivo.
Ausência total de prioridade aos ônibus no Eixo Monumental e no Eixão.
Entre as possíveis medidas para reverter o caos e tornar mais atrativo o transporte coletivo, podem ser listadas:
a) Expansão das faixas exclusivas e corredores de ônibus (atualmente são apenas 55 km de faixas exclusivas em quatro vias – W3, EPTG, EPNB e Setor Policial – e 27 km do BRT Gama).
b) Expansão do metrô (a extensão do metrô estacionou em 42 km).
c) Maior diversidade de linhas de ônibus, incluindo serviço executivo (a única linha executiva faz o trajeto entre o aeroporto e o setor hoteleiro).
d) Criação de estacionamento rotativo pago para desestimular o uso do carro, especialmente na zona central, e obter recursos para investir em mobilidade (até hoje não existe a chamada zona azul no DF).
e) Melhorias e divulgação da integração com Bilhete Único: mais opções de cartão (mensal, semestral e anual) para fidelizar e incentivar o usuário; mais pontos de aquisição e recarga; campanhas sobre os benefícios do cartão.
f) Incentivo à integração entre os modos coletivos e ativos de transporte, com instalação de bicicletários seguros nos terminais de ônibus e metrô e caminhos seguros e acessíveis – com calçadas, ciclovias e ciclofaixas – até os terminais de transporte.
Essas medidas têm fundamento na legislação (confira as leis sobre mobilidade). A Política Nacional de Mobilidade Urbana prioriza os modos coletivos e ativos (não motorizados) de transporte em relação ao transporte individual motorizado. O Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU/DF) tem entre os objetivos priorizar o transporte coletivo e a integração entre os diferentes modos de locomoção. A Lei Orgânica e outras leis distritais garantem acessibilidade e condições seguras para a mobilidade ativa.
A rodoviária do Plano Piloto sintetiza o descaso com a mobilidade. É grande a contradição entre as leis avançadas e a realidade de abandono. No principal terminal de transporte, localizado no início da imponente Esplanada dos Ministérios, as filas serpenteiam toda a plataforma. As calçadas em volta estão em péssimo estado e os ciclistas não têm bicicletário nem ciclofaixa no terminal. As constantes reformas na rodoviária parecem não resultar em melhorias efetivas.
Rodoviária do Plano Piloto: síntese do descaso com quem se desloca sem carro.
Governantes de diferentes partidos têm prometido melhorias: linhas de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), expansão do metrô, ônibus modernos e ciclovias em todo o DF. Programas e slogans pomposos empacotam as promessas: Brasília Integrada, Pedala DF, Linha Verde, Brasília no rumo certo e Circula Brasília.
Diferentes programas e slogans em governos de diferentes partidos.
O VLT é uma das promessas antigas. Anunciado em 2009 pelo então governador Arruda, chegou a ter um vagão demonstrativo na W3 Sul. As obras foram iniciadas, mas jamais concluídas. A promessa foi renovada nos governos seguintes: o programa Circula Brasília, do governo Rollemberg, previa duas linhas de VLT com extensão total de 27 km. No capítulo mais recente da novela, o atual governador anunciou em abril que empresas selecionadas vão elaborar estudo de viabilidade para a linha do aeroporto até a W3, a ser construída por meio de parceria público-privada.
Outra antiga promessa é a Linha Verde (vídeo do governo no início das obras): corredor exclusivo com ônibus modernos, estações de passageiros e ciclovia na Estrada Parque Taguatinga (EPTG). As obras iniciadas em 2009 ampliaram o espaço dos carros, mas os ônibus modernos nunca chegaram e o corredor exclusivo com estações até hoje não funcionam como previsto.
EPTG (Linha Verde) em 2019: quase todo o espaço ocupado por carros.
Além de projetos e obras de infraestrutura, é essencial a valorização do transporte coletivo. Em vez de tratá-lo como transporte das massas (dos excluídos socialmente, dos que não adquiriram o carro próprio), deveria ser o transporte de massa (de alta capacidade) a ser usado por todos, com prioridade nos investimentos e nas vias.
Apesar dos benefícios para a cidade, usuários do transporte coletivo e ciclistas ainda são sacrificados pela má distribuição do espaço em favor do transporte automotivo. Fonte: http://revistaplaneo.cl/category/numeros-anteriores/planeo-21-urbanismo-radical/
Já pensou numa campanha do GDF para enaltecer quem usa o transporte coletivo? Em vez de carro oficial, já imaginou o Bilhete Único oficial, um passe livre no ônibus e metrô para o governador e todo o alto escalão do governo? O secretário de mobilidade e o diretor do Detran seriam bons garotos-propaganda dos benefícios do transporte coletivo. Além da economia aos cofres públicos, as autoridades serviriam de exemplo para a população.
Algumas empresas de ônibus do Distrito Federal têm divulgado anúncios para promover o transporte coletivo. Com exceção de ações para celebrar o Dia Mundial sem Carro (22 de setembro), é praticamente impossível ver qualquer campanha do governo com o objetivo de estimular o uso de ônibus e metrô.
Anúncios veiculados por empresas do DF.
Os gestores públicos precisam inovar, precisam abandonar a ideia equivocada de que túneis e viadutos resolvem os problemas de mobilidade. Em vez de projetar viadutos milionários (alto custo de construção e manutenção) nas vias cada vez mais congestionadas, seria mais barato e racional distribuir Bilhete Único aos motoristas e convencê-los a trocar o carro pelo ônibus e metrô.
Como já disse Enrique Peñalosa, administrador que promoveu melhorias em Bogotá, “cidade avançada não é aquela em que os pobres andam de carro, mas aquela em que os ricos usam transporte público”. Com mais faixas exclusivas, ônibus executivos, conforto nos pontos e terminais de transporte e facilidade na integração, fica mais fácil atrair novos usuários.
– ÁLBUM – Transporte Coletivo no DF
– Conversa sobre mobilidade: a troca do carro pelo transporte coletivo (VÍDEO)
– Imobilidade e rodoviarismo no norte do DF (VÍDEO)
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1 Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio (PDAD), realizada pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) em 2018. Dados divulgados pelo jornal Correio Braziliense.