Texto e fotos: Uirá Lourenço
Foto: Band/Divulgação
No primeiro debate com os candidatos ao GDF, realizado pela Band no dia 16 de agosto, foram apresentadas propostas que acendem o alerta para o que está por vir nos próximos quatro anos. Entre as propostas estão: liberação das faixas de ônibus para os carros e redução do número de pardais.
Houve ainda proposta de ampliação de vias e discussão sobre a autoria do projeto TTN (Trevo de Triagem Norte). Uma das candidatas comentou sobre a integração no transporte e a inclusão dos ciclistas, mas de forma genérica.
A seguir destaco trechos do debate entre os candidatos (disponibilizado pela Band na internet).
– TTN (“Terrível Trevo Norte”)
Na parte do debate em que os candidatos faziam perguntas entre si, Alberto Fraga (DEM) questionou Rodrigo Rollemberg (PSB) sobre a promessa de expandir o metrô até a Asa Norte. Além de falar sobre a inauguração de três estações no final do ano e sobre as licitações para expansão do metrô, o candidato Rollemberg destacou as obras do TTN (Trevo de Triagem Norte). O projeto do TTN acabou sendo alvo de disputa entre os candidatos.
Eis o diálogo entre os candidatos:
– Rodrigo Rollemberg:
“Estamos fazendo a maior obra viária da história de Brasília, com 28 pontes e viadutos.
Tive a oportunidade de visitar ontem a nova ponte do Bragueto. Está ficando linda.”
– Alberto Fraga:
“Governador, reconheça que o projeto do Trevo de Triagem Norte foi idealizado na minha gestão, que o Agnelo licitou e que o senhor pegou de mão beijada.”
As novas vias expressas e os inúmeros túneis e viadutos do TTN (mais conhecido como Terrível Trevo Norte) só vão resultar em mais congestionamentos, poluição e riscos a pedestres e ciclistas. O projeto tem concepção atrasada e incentiva o transporte automotivo, sem qualquer prioridade ao transporte coletivo e sem espaço para pedestres e ciclistas.
Excesso de carros e ônibus superlotados: imobilidade agravada pelo TTN
Esse modelo de incentivo ao transporte individual motorizado foi abandonado há muitas décadas em cidades modernas. A Política Nacional de Mobilidade Urbana e várias leis distritais (confira a lista de leis sobre mobilidade) determinam a prioridade ao transporte coletivo e aos modos ativos (não motorizados) de transporte. Além de piorar a mobilidade na capital federal, as obras do TTN resultam em grande devastação e impermeabilização.
Protesto realizado no final do Eixão Norte contra as obras de imobilidade
Quanto ao metrô, que foi tema da pergunta entre os candidatos, além da baixa extensão (apenas 42 km, que atendem apenas a região sul do DF), os usuários sofrem com superlotação e falhas frequentes (em 2017, uma falha a cada 5 dias).
– Faixas de ônibus liberadas e menos pardais
A candidata Eliana Pedrosa (PROS) foi bem clara nas suas propostas:
“No nosso governo nós vamos fazer com que os corredores de ônibus sejam utilizados apenas nos horários de pico, liberando o trânsito para todos os veículos nos demais horários. Nós também vamos reduzir os pardais em mais de 50%. Hoje nós temos uma máfia dos pardais.”
Deve-se destacar que o DF tem apenas 55 km de faixas exclusivas de ônibus e vias importantes como o Eixo Monumental, o Eixão e a EPIA não têm qualquer prioridade ao transporte coletivo. As faixas exclusivas, assim como os corredores de ônibus, devem ser ampliadas com o objetivo de aumentar a velocidade e a atratividade do transporte coletivo. Portanto, a liberação das faixas para carros e motos em boa parte do dia seria um grande retrocesso.
Quanto à redução dos pardais, vale lembrar o massacre nas ruas do DF: entre 2013 e 2016 (o Detran-DF só tem disponíveis no portal os dados até 2016) 1.534 pessoas morreram no trânsito. E muitas centenas ficaram com sequelas decorrentes das colisões e dos atropelamentos. São frequentes nos jornais as manchetes sobre as vítimas do trânsito violento, muitas vezes causado por imprudência e por excesso de velocidade.
G1/DF, 14/6/2018 |
Correio Braziliense, 16/1/2018 |
Algumas das muitas notícias sobre a violência no trânsito do DF.
A redução do limite de velocidade e o controle do excesso de velocidade são medidas importantíssimas para o aumento na segurança no trânsito, adotadas em cidades modernas.
– Proposta genérica: integração e ampliação de vias
A candidata Fátima Sousa (PSOL) mencionou a integração: definição de um programa integrado dos meios de transporte, com inclusão dos ciclistas. Ao falar sobre a integração no transporte, a candidata também incluiu a ampliação das vias.
Além de ser questionável a proposta de ampliação de vias (diversas ampliações têm sido realizadas com grande custo financeiro e ambiental, e resultam em mais congestionamentos e poluição), chamou atenção a falta de detalhamento. A integração dos modos de transporte mencionada por Fátima Sousa é, sem dúvida, positiva. Mas foi mencionada de forma genérica, sem qualquer detalhe de como seriam promovidas a integração e a inclusão do ciclista no programa.
Para exemplificar, a candidata Eliana Pedrosa detalhou as propostas. Apesar de serem equivocadas, de serem contrárias aos preceitos da mobilidade moderna e humanizada (que prioriza a segurança no trânsito e investe nos modos coletivos e saudáveis de transporte), a candidata esclareceu o horário de liberação das faixas de ônibus e o percentual de redução no número de pardais.
Atualmente, além da falta de conexão entre as ciclovias e ciclofaixas existentes, outro grande problema é a falta de incentivos à integração entre a bicicleta e o transporte coletivo. A rodoviária do Plano Piloto, principal terminal de transporte, não possui bicicletário e os ciclistas têm que improvisar na hora de estacionar (vídeo revela as condições para passar de bicicleta pela rodoviária). Neste caso, seria possível apresentar proposta concreta de melhoria na integração no principal terminal de transporte, indicando as ações previstas e o custo.
Rodoviária do Plano Piloto: ciclofaixa invadida por carros e improviso para estacionar.
– Imobilidade no DF
Caos diário na EPTG (“Linha Verde”).
É importante que os candidatos ao GDF e a outros cargos eletivos (deputado distrital e federal, senador e presidente) se convençam da importância da mobilidade urbana. Assim como educação, saúde e segurança, a (i)mobilidade afeta diretamente toda população do Distrito Federal. A dependência automotiva no DF é enorme e a qualidade do transporte coletivo é reconhecidamente baixa. A distribuição entre os modos de transporte revela o desafio: no DF, 32% usam o transporte coletivo, contra 45% do transporte individual motorizado. Para efeito comparativo, em Curitiba e no Rio de Janeiro a participação do transporte coletivo é de 46%.
Ao longo dos anos, com governantes de diferentes partidos, pouco se avançou na mobilidade. A cada eleição se apresentam novas promessas (VLT, expansão do metrô, trens regionais e ciclovias de primeiro mundo). Mas sempre se destacam as velhas obras de túneis e viadutos, que incentivam ainda mais o transporte automotivo e resultam em mais congestionamentos, poluição e sedentarismo.
EPIG (Estrada Parque Industrias Gráficas) |
W3 Norte |
Desconforto e longa espera na volta para casa.
As linhas de VLT e a expansão do metrô ficaram no papel. E nem sinal das obras dos trens que ligariam Brasília a outras cidades, como Luziânia e Goiânia. O contraste é evidente entre os projetos milionários de ampliação de vias e o estado de abandono a quem depende do transporte coletivo, com ônibus e metrô superlotados. A falta de acessibilidade (calçadas destruídas e invadidas por carros, ausência de rampas) e graves problemas no caminho dos ciclistas (ciclovias sem continuidade e escuras, alto limite de velocidade nas vias) também se destacam no cenário de imobilidade.
Enquanto as cidades modernas investem em acessibilidade e na mobilidade ativa (não motorizada), na capital federal mal se consegue caminhar em razão das inúmeras crateras e dos carros no caminho. Mesmo na Esplanada dos Ministérios a realidade é de completa inacessibilidade. As crateras nas calçadas e a falta de rampas impedem um cadeirante ou cego de caminharem da rodoviária do Plano Piloto até a catedral num trajeto de menos de 1 km.
Na Esplanada dos Ministérios, cenário de total inacessibilidade.
Em seminário sobre mobilidade e segurança no trânsito, realizado pela Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) no mesmo dia do debate, os palestrantes (especialistas e gestores públicos) foram unânimes na importância de humanizar as cidades, de forma a incentivar que as pessoas caminhem e pedalem em ambiente seguro. Travessias elevadas, ciclofaixas, menor limite de velocidade e corredores de ônibus fazem parte do pacote de medidas que promovem um ambiente mais seguro e sustentável.
Pelo visto, os candidatos precisam caminhar muito, não apenas para garantir votos, mas para conhecer a triste realidade na capital “moderna”. Não é à toa que, todos os dias, inúmeras queixas da população (atraso de ônibus, insegurança nos pontos, calçadas destruídas e ciclovias sem continuidade) são publicadas nos jornais e nas redes sociais (muitas das queixas diárias estão publicadas no blog).
Ao andarem e posarem para fotos nas ruas, nos ônibus e no metrô, espero que os candidatos percebam os graves problemas de inacessibilidade e imobilidade, e ajustem as propostas: descartem as velhas ideias que aumentam a insegurança no trânsito e agravam a imobilidade e incluam propostas que modernizem e humanizem a cidade.
VÍDEOS:
– Esplanada dos Ministérios: inacessibilidade vergonhosa em Brasília
– Ciclistas em alto risco no final no Eixão – TTN (Terrível Trevo Norte)
– TTN (Terrível Trevo Norte): devastação em obra rodoviarista