Texto e fotos: Uirá Lourenço
No dia 24/1, quando o GDF garantiu no Judiciário o aumento da tarifa de ônibus e metrô, fiz um trajeto mais longo de bicicleta. Observei e registrei o cenário de imobilidade que se agrava de forma acelerada.
O resumo do que vi: pontos de ônibus lotados, muitos sem abrigo. Mesmo na área central, no entorno dos órgãos da cúpula dos Poderes locais (Palácio do Buriti, CLDF e TJDF), situação vexatória aos que dependem do transporte coletivo. Todos os pontos sem qualquer informação sobre linhas de ônibus e sobre horários.
Pontos de ônibus sem abrigo e sem qualquer informação sobre linhas e horários a menos de 1 km da cúpula dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do DF.
As pessoas se espremiam para se proteger da chuva. No caminho até o ponto, calçadas destruídas ou inexistentes. Seguindo o trajeto pela EPIG (Estrada Parque Indústrias Gráficas), mais calçadas deterioradas e ciclovia vazia. A interrogação pintada no caminho há alguns anos questiona o óbvio: cadê o resto da ciclovia?
Pedestres e ciclistas sem caminho seguro e acessível.
Na EPTG (Estrada Parque Taguatinga), cenário de caos total. Um mar de carros, inclusive no espaço que deveria ser dos ônibus: até hoje (oito anos após o início das obras na “Linha Verde”) nunca circularam pelo corredor exclusivo os ônibus com porta do lado esquerdo. O resultado: usuários de ônibus presos no congestionamento, corredor exclusivo e pontos de embarque no canteiro central abandonados.
Seria injusto dizer que nada mudou desde o tempo em que saía de Águas Claras e pedalava pela EPTG até o trabalho (2010 e 2011). Mudou para pior: há muito mais carros e a disputa dos pedestres e ciclistas por espaço ficou ainda pior. Mesmo assim eles estão lá, tratados como cidadãos de quinta categoria, obrigados a andar na lama e no meio do fluxo intenso de carros e ônibus.
Na EPTG (“Linha Verde”), no dia do aumento garantido no Judiciário, o cenário de caos e de total desconsideração de pedestres e ciclistas.
– Interesse$ na cidade
O GDF insiste na tarifa de R$ 5 e na política atrasada de incentivo aos carros, como fica evidente no final da Asa Norte. O projeto TTN (Terrível Trevo Norte) devasta grandes áreas para incentivar ainda mais o transporte automotivo.
No período de aumento da tarifa de ônibus e metrô, aumentou também a agressividade publicitária do setor automotivo. Por toda a cidade e coincidentemente nos pontos de ônibus se espalham os anúncios para compra de carro. E vem o pacote completo aos medrosos: anúncio de carro e curso para superar o medo de dirigir.
Se o usuário de ônibus e metrô ainda estiver em dúvida na troca do transporte coletivo pelo carro ou moto, vem o afago adicional: promoção nos postos de combustível. Afinal, o setor petrolífero não perderia a oportunidade surgida com o aumento das passagens.
O esforço conjunto entre governo e setor automotivo se revela ainda na oferta do curso “Superação do medo de dirigir” gratuitamente pelo Detran-DF. Não bastassem os cursos pagos oferecidos por empresas especializadas, o departamento de trânsito gasta recursos públicos para encorajar o uso do carro, sem qualquer custo aos motoristas medrosos.
No sítio eletrônico do Detran, a oferta do curso para encorajar motoristas.
Neste cenário em que o aumento da tarifa sacrifica os que usam o transporte coletivo (dados da Secretaria de Mobilidade indicam que a participação dos modos coletivos no DF é de apenas 32%), com aumento na publicidade do setor automotivo e com manutenção das obras de túneis e viadutos, espera-se que mais pessoas fujam do transporte coletivo e passem a usar carro e moto nos deslocamentos diários.
Fecha-se assim o ciclo de efeitos negativos decorrentes dos incentivos ao uso do transporte individual motorizado. Mais carros nas ruas, mais congestionamentos, mais estresse e níveis elevados de poluição e sedentarismo. Graças aos projetos e às ações centradas no carro, o colapso total das vias, previsto para 2020 por estudo encomendado pelo governo, deve ser antecipado.
Além de cara e poluente, a política rodoviarista voltada à fluidez motorizada resulta em muitas mortes e ferimentos no trânsito. E os dados de 2016 confirmam o alto nível de violência no trânsito: 394 pessoas foram mortas nas vias do DF, com destaque para os 133 pedestres mortos. No total, houve 40 mortes a mais em 2016, em relação a 2015.
– Promessas e propaganda governamental
Ao longo dos anos vários programas e projetos do GDF prometem o melhor dos mundos em termos de mobilidade: Brasília Integrada, Pedala-DF, Ciclo Vida e Linha Verde. A bola da vez é o Circula Brasília, que prefiro denominar Estaciona Brasília. A lógica automotiva, com mais túneis e viadutos, continua presente, mas disfarçada em traje de gala. O Circula Brasília apresenta um mapa de integração multimodal, com linhas de metrô, VLT e BRT espalhados por todo o DF. Para completar a ilustração, muitas bicicletas e pedestres associados aos terminais de transporte coletivo.
Diferentes nomes e logomarcas ao longo dos anos: Brasília Integrada (2008), Pedala-DF (2008) e Linha Verde (2010).
O governo atual adota novo nome e novas ilustrações no programa de mobilidade urbana.
Segundo o ditado popular, propaganda é a alma do negócio. E em termos de propaganda o governo está bem, com Brasília supostamente no rumo certo (lema adotado no atual governo). Mas o grande equívoco é tratar a mobilidade urbana como um negócio, onde prevalecem os interesses minoritários e lucrativos de setores ligados ao transporte automotivo (ex.: concessionárias de carros e postos de combustível), em detrimento dos interesses da massa trabalhadora que se sujeita todo dia a condições humilhantes para usar ônibus e metrô. Da mesma forma são humilhados pedestres e ciclistas: calçadas e ciclovias destruídas e descontínuas; pontos de travessia inexistentes ou inseguros; alto limite de velocidade nas vias e imprudência motorizada.
Ao contrário das cidades modernas que investem no transporte coletivo e em alternativas saudáveis ao automóvel, a capital federal insiste no modelo voltado ao automóvel, com vias rápidas e ampliadas para acomodar a frota crescente de carros. Graças ao esforço conjunto entre governo e setor automotivo, Brasília continuará habitada por seres com uma anatomia ímpar: cabeça, tronco e 4 rodas.