Texto e fotos: Uirá Lourenço
Nos últimos dias, notei que o litro da gasolina passa de 7 reais. Motoristas formavam filas para abastecer num posto que vendia o combustível com uns 30 centavos de desconto. Apesar dos seguidos aumentos, as pistas continuam congestionadas; as ciclovias continuam com pouco movimento.
Nesse cenário de combustível caro e ciclovias vazias, uma pergunta me inquieta: qual é o patamar de preço da gasolina para promover mudança de comportamento? Ou seja, que valor a gasolina deve alcançar para que uma parcela considerável da população repense os deslocamentos e substitua o carro por outros meios de transporte.
Os momentos de crise também trazem oportunidade, o que me faz lembrar da Holanda. Quem vê fotos ou vídeos de Amsterdã e de outras cidades holandesas e se maravilha com os congestionamentos de ciclistas – crianças e idosos pedalam sem preocupação – pode imaginar que sempre foi assim.
No entanto, a exemplo de várias cidades pelo mundo, Amsterdã foi sufocada pelo avanço dos carros, especialmente nos anos 1950 e 1960. Praças e prédios cederam lugar para pistas e estacionamentos, ciclovias foram removidas. Com a crise do petróleo, nos anos 1970, as cidades da Holanda retomaram o rumo da mobilidade, com investimentos em ciclovias e segurança no trânsito.
Rua de Amsterdã: prioridade para bicicletas e transporte coletivo.
O 1º Ministro declarava que os holandeses deveriam mudar os hábitos e ser menos dependentes do petróleo. Outro grave problema eram as mortes no trânsito, inclusive de crianças.1 Com investimentos governamentais e mobilização da sociedade (protestos contra o grande número de mortes no trânsito), houve significativa melhoria na mobilidade. O documentário Como os holandeses conquistaram suas ciclovias mostra as transformações por que passou o país.2
A exemplo do que aconteceu na Holanda, a gasolina em alta e as mortes no trânsito (no Brasil, a cada ano, mais de 30 mil pessoas morrem nas pistas e outras 400 mil ficam com sequelas) poderiam e deveriam nos levar a mudanças. No entanto, a discussão se concentra no consumidor, em garantir preço ‘justo’ aos motoristas. Li notícias sobre os seguidos aumentos nos postos, sobre as causas dos reajustes no preço da gasolina e sobre a procura por gasolina mais barata na Argentina (em cidades da fronteira).
Não vi reportagem que abordasse os problemas relativos à matriz de transportes baseada no petróleo (tanto o transporte de passageiros, quanto o de carga). Tampouco vejo debate sobre a grande dependência do automóvel e os inúmeros impactos negativos nos centros urbanos. No Distrito Federal, cuja frota motorizada se aproxima de 2 milhões, os efeitos são bem conhecidos: congestionamentos nas pistas, estacionamentos lotados e estresse.
Cena comum no final do dia: congestionamento no Eixo Monumental.
Os casos frequentes de agressões e perseguições nas ruas revelam o alto nível de estresse ao dirigir. Segundo reportagem do G1 (2/11), ocorreram ao menos seis brigas de trânsito em dois meses. Entre os casos está o de Tatiana Matsunaga, que foi atropelada em frente de casa, no Lago Sul, por outro motorista após discutirem. O atropelamento pelo condutor Paulo Milhomem foi gravado por câmera de segurança e Tatiana foi internada em estado gravíssimo.
Ao ver as pistas entupidas de carros – muitos ocupados apenas pelo próprio condutor –, imagino quantas pessoas não poderiam migrar para o transporte coletivo. Especialmente para quem mora e trabalha na área central, há boa oferta de linhas de ônibus, além da opção do metrô na Asa Sul. Com a gasolina em alta, a troca do carro pelo ônibus pode render uma boa economia.
O sistema de transporte no DF pode não ser dos melhores, mas permite a integração por meio do Bilhete Único: é possível fazer três viagens de ônibus ou metrô com o preço de uma tarifa (R$ 5,50) no intervalo de três horas.
Robson Alves é repórter cinematográfico, mora no Novo Gama e trabalha no Setor de Autarquias Sul. Antes ele fazia o trajeto todo de carro. Para reduzir os custos, atualmente ele vai de carro até a estação do BRT e segue caminho de ônibus. Segundo Robson, fica bem mais rápido e barato: R$ 50 o trajeto de carro por dia, no ônibus o gasto é de R$ 11.
No próximo texto do blog pretendo trazer mais exemplos de pessoas que aproveitaram o momento de preço alto dos combustíveis para rever hábitos e procurar novos meios de transporte.
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1 Segundo o documentário Como os holandeses conquistaram suas ciclovias, em 1971 houve 3.300 mortes no trânsito, sendo mais de 400 mortes de crianças com idade inferior a 14 anos.
2 Versão em português do documentário disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BqhZMh6dQNM