Texto e fotos: Uirá Lourenço
No dia 1º de abril mais uma vida se foi no Eixão Norte (mais conhecido como Eixão Morte). Segundo a notícia, uma pessoa de 45 anos foi atropelada na altura da 214 Norte, à noite. Passo pelo Eixão com frequência, a pé e de bicicleta. O perrengue é grande para os sem-carro.
No final do Eixão, no Terrível Trevo Norte (TTN), centenas de pessoas atravessam diariamente entre os carros velozes. O lema é correr pra não morrer.1
Até quando teremos uma via expressa, assassina, um muro que divide a cidade?!
Pedestres e ciclistas em risco diário no Terrível Trevo Norte.
No início da Asa Norte, o fluxo de carros foi desviado e dois semáforos foram desativados no Eixinho, após início de obras de viaduto sobre o Eixão. O órgão de trânsito colocou até placa proibindo a travessia! O resultado: mais um ponto de alto risco para pedestres e ciclistas, obrigados a correr entre os carros velozes.
Início do Eixão/Eixinho Norte: alto risco e proibição de atravessar.
Em março (dias 20 e 21) foi realizada audiência pública decorrente de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público (MPDFT), com apoio da Rede Urbanidade, que exige soluções por parte do Governo do Distrito Federal ‘que garantam mobilidade, segurança e acessibilidade a pedestres, ciclistas e pessoas com deficiência na travessia do Eixão e dos Eixinhos’. Há muitos dados e argumentos em favor da humanização do Eixão, que foram apresentados nos dois dias de audiência, gravada e transmitida virtualmente.2
Alguns dos autores do livro As Travessias do Eixão3 estiveram presentes e ressaltamos os aspectos relativos à segurança de pedestres e ciclistas, incluindo as propostas de retificação das passagens subterrâneas (retirada do ‘L’ nas extremidades); ciclovia nos Eixinhos; travessia em nível com semáforo; e a redução/readequação da velocidade no Eixão para 60 km/h.
A redução do limite de velocidade suscita calorosas reações contrárias de muitos motoristas. Vale ressaltar que essa redução é boa para todos, inclusive para quem dirige. Em caso de atropelamentos e colisões, a menor velocidade implica em menor risco de lesão grave e morte. Quanto ao tempo ‘perdido’, ao percorrer o Eixão de ponta a ponta a diferença de tempo é inferior a 4 minutos ao se reduzir o limite para 60 km/h. Vale lembrar que a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de no máximo 50 km/h para vias urbanas.
Alto limite de velocidade no Eixão.
Noto uma reação hostil com os pedestres que atravessam o Eixão por cima, por parte de motoristas e jornalistas em comentários e reportagens. Certamente eles não têm noção do submundo tenebroso das passagens, especialmente à noite. Decidi fazer uma vistoria noturna nas passagens da Asa Norte, ao sair do segundo dia de audiência sobre segurança no Eixão (21/3). Ao final da audiência, os representantes da Companhia Energética de Brasília (CEB) afirmaram que a situação nas passagens subterrâneas é satisfatória, dentro dos parâmetros técnicos (com medição do nível de luminosidade e inspeção periódica em todas as passagens).
Essas falas me motivaram a aproveitar o trajeto de bicicleta – na volta pra casa – e parar em cada ponto de travessia. O que vi foi um cenário assustador, com todas as passagens com algum problema (de iluminação e manutenção). Algumas estavam no breu absoluto! Como exigir que as pessoas passem por baixo em condições tão degradantes e inseguras?!4
Breu e deterioração em passagens subterrâneas da Asa Norte. Imagens de 21/3/2025.
As autoridades – governador, secretário de mobilidade, comandante da Polícia Militar, os diretores do Detran e do DER, deputados distritais e federais, senadores – precisam andar ao longo do Eixão, atravessar a via na altura do TTN e olhar a situação das passagens subterrâneas à noite. Quem sabe se convencerão de algo precisa ser feito com urgência.
Eixão da Vida
É curioso que aos domingos a situação no Eixão muda drasticamente. Os carros vão embora e uma multidão se reúne, caminha e pedala em segurança. Têm piquenique, música e festas de aniversário nos canteiros gramados ao longo do Eixão.
Diversão no Eixão do Lazer.
Ao passar em dia de semana, sozinho de bicicleta (ilhado no canteiro do Eixinho), me pergunto onde foram parar aquelas pessoas a pé e de bicicleta que lotam o Eixão do Lazer. Se houvesse condições favoráveis para se caminhar e pedalar no Eixão e nos Eixinhos (nos sentidos norte-sul e leste-oeste), parcela considerável dos moradores da Asa Norte e da Asa Sul poderia ser convidada a deixar o carro em casa e optar por outra forma de transporte.
O arquiteto Antônio Eustáquio Santos falou na audiência de março. Ele propôs de forma muito acertada e poética a conversão do Eixão em boulevard, que nomeou de avenida Lucio Costa: ‘local de passagem, de encontro, de criação de ideias’. O trabalho da arquiteta Amanda Sicca, também vai na linha de transformar a highway em avenida, com faixas de pedestre, semáforos e canteiro central arborizado.
Semáforos e faixas de travessia no Eixão (proposta de Amanda Sicca).
Sou mais ousado e sonho com um Eixão humanizado sem carros. Uma espécie de Eixão do Lazer permanente, com o fluxo motorizado restrito aos Eixinhos. Nos dias de semana o Eixão estaria livre apenas para pedestres, ciclistas e usuários de patinete e monociclo. Um bonde elétrico, com velocidade reduzida e frequência regular, possibilitaria a interligação entre as Asas Norte e Sul e faria a integração com ônibus e metrô na rodoviária do Plano Piloto. Quem sabe daqui a 50 anos teremos um Eixão humanizado, com vida.
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1 Segundo a pesquisa Travessias do Eixão (IPE/DF, Andar a Pé e UnB, 2023), ocorrem pelo menos 274 travessias por dia, em nível, na altura da 116/216 Norte.
2 Os vídeos dos dois dias de audiência na Vara do Meio Ambiente do TJDFT estão disponíveis:
VMADUF –20.03.2025, às 14h15, Audiência Judicial Pública de Conciliação Híbrida
VMADUF –Continuação 21.03.2025, às 14h15, Audiência Judicial Pública de Conciliação Híbrida
3 O livro As Travessias do Eixão está disponível gratuitamente na página da associação Andar a Pé: https://andarape.org.br/
4 Elaborei relatório com fotos da vistoria noturna, que enviei à Vara do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça (TJDFT). O material elaborado por ocasião da audiência pública judicial (apresentação feita no 1º dia de audiência, texto ‘Muro que corta Brasília’ e relatório da vistoria) está acessível na pasta compartilhada (clique para acessar).
VÍDEOS
Alguns dos vídeos recentes gravados no Eixão: