Texto e fotos: Uirá Lourenço
Todo dia milhares de pessoas passam pela rodoviária do Plano Piloto, que concentra diversas linhas de ônibus e onde fica a estação central do metrô. Atualmente, em vez de ser um ponto seguro de conexão entre as ciclovias da área central, a rodoviária se transformou numa barreira ao ciclista.
As ciclofaixas estão totalmente apagadas e invadidas por carros e ônibus, tanto na parte norte, quanto na parte sul. Em 2014 ainda se via a ciclofaixa, que se apagou e não teve manutenção ao longo dos anos. As fotos abaixo, tiradas nos mesmos pontos, comparam a situação em 2014 e neste ano.
Situação na rodoviária do Plano em 2018: ciclofaixas inexistentes e carros no caminho.
Em 2014, as ciclofaixas estavam em bom estado.
Além dos bloqueios, os buracos e as irregularidades do piso comprometem a segurança do ciclista, especialmente à noite.
Fendas em gradil representam armadilhas aos ciclistas.
O estado de abandono é visível ao longo das ciclovias no entorno da rodoviária. Os cruzamentos também dificultam bastante o caminho: falta sinalização de alerta aos motoristas e sempre há carros e ônibus no caminho. Em vídeo deste ano mostro as péssimas condições para circular e estacionar na rodoviária do Plano Piloto.
No entorno da rodoviária do Plano, ciclovia destruída e bloqueada.
– Cadê o bicicletário?!
Por ser o principal terminal de transporte coletivo, a rodoviária do Plano deveria ser atrativa ao uso da bicicleta integrada ao ônibus e ao metrô. No entanto, o bicicletário que já era inadequado (com suportes frágeis, sem cobertura e sem controle de acesso) ficou ainda pior. Atualmente, o espaço está interditado e com suportes destruídos.
Em consequência das péssimas condições, os ciclistas improvisam na hora de estacionar e recorrem a lixeiras e outros pontos que permitem prender a bicicleta. Há que se considerar ainda as pessoas que simplesmente deixam de usar bicicleta em razão da falta de bicicletário.
Improviso na hora de estacionar.
A situação de abandono compromete não só a possibilidade de integração com o transporte coletivo, mas também afeta os usuários e funcionários das lojas e dos serviços oferecidos na rodoviária, a exemplo do Na Hora e do posto do DFTrans, que não dispõem de local seguro de parada caso usem bicicleta.
Vale lembrar que há duas leis específicas sobre bicicletários no DF: a Lei Distrital n° 4.423/2009 e a Lei Distrital n° 4.800/2012. A lei de 2009 estabelece “a obrigatoriedade da instalação de estacionamento de bicicletas em locais de grande afluxo de público no Distrito Federal” e a lei de 2012 obriga a instalação de bicicletários em estações de metrô e em locais que atraiam grande quantidade de pessoas.
Outras leis também têm por objetivo incentivar o uso de bicicleta (clique para acessar leis que tratam de mobilidade urbana), a exemplo da Lei Distrital n° 3.885/2006 (Política Cicloviária de incentivo ao uso da bicicleta) e da Lei Distrital n° 4.397/2009 (Sistema Cicloviário), e podem fundamentar melhorias nas condições de acesso e de parada na rodoviária do Plano Piloto.
Além da obrigatoriedade de bicicletários prevista em leis, o Plano de Ciclomobilidade (clique para acessar detalhes sobre o programa) lançado pelo GDF em 2017 prevê a instalação de bicicletários em terminais de ônibus.
Previsão de bicicletários no Plano de Ciclomobilidade do GDF
– Mapeamento de ciclovias
Em 2015, a Secretaria de Mobilidade (Semob) realizou oficina colaborativa para mapeamento das ciclovias no DF, com os seguintes objetivos: identificar as ciclovias, os pontos de interesse (ex.: bicicletários e oficinas), pontos frágeis (ex.: falta de sinalização e buracos) e pontos positivos.
O trabalho realizado (clique para conferir a apresentação) mostra levantamento da Semob na ciclovia do Eixo Monumental e aponta o problema de descontinuidade na rodoviária do Plano Piloto.
Mapeamento elaborado pela Semob aponta falha na ciclovia próxima à rodoviária do Plano Piloto.
Pelo mapeamento realizado conclui-se que o atual governo tem ciência do grave problema na infraestrutura cicloviária desde maio de 2015. No entanto, passados quase três anos, não houve qualquer providência para garantir segurança aos ciclistas que passam pela rodoviária do Plano Piloto.
Vale destacar que o problema na rodoviária do Plano não é apenas a inexistência de infraestrutura cicloviária, como afirmado no trabalho de mapeamento. Outro problema evidente é a falta de manutenção da infraestrutura, afinal existiam ciclofaixa e bicicletário. As fotos de anos anteriores mostram a sinalização voltada aos ciclistas, que se apagou, e o bicicletário, que se deteriorou e está com acesso bloqueado.
Sinalização de alerta para a passagem de ciclistas em 2014, na rodoviária do Plano. | Situação do bicicletário da rodoviária do Plano em 2011. |
– Incentivos à integração da bicicleta ao transporte coletivo
Há muitos bons exemplos de incentivo à integração intermodal no exterior e no Brasil. Mauá, no interior de São Paulo, é referência mundial por oferecer 2 mil vagas aos ciclistas ao lado da estação de trem. Além das vagas, o bicicletário mantido pela associação Ascobike possui oficina, compressor de ar e outras facilidades aos ciclistas. Outro exemplo que pode ser mencionado é o da Prefeitura de São Paulo, que instalou bicicletários gratuitos – abertos 24 horas e com controle de acesso – em diferentes pontos da cidade, próximos aos terminais de transporte coletivo.
Bicicletários associados ao transporte coletivo em Mauá e em São Paulo.
No exterior há inúmeros exemplos de cidades que incentivam a integração da bicicleta ao transporte coletivo. Na Holanda e na Dinamarca, países de referência em mobilidade moderna e sustentável, existem grandes bicicletários em volta das estações de metrô e vagas próximas aos pontos de ônibus e espalhadas por toda as cidades.
Muitas vagas para bicicletas: cena comum em cidades da Holanda.
No Distrito Federal, apesar das belas leis e dos programas governamentais bem intencionados e ilustrados, faltam incentivos ao uso de bicicleta como meio de transporte, individualmente ou associada ao transporte coletivo. Além das melhorias na infraestrutura (ciclovias seguras e bicicletários adequados), devem-se promover mudanças culturais de forma a atrair mais pessoas para a mobilidade saudável.
O próprio Poder Público deveria dar exemplo com ações inovadoras. Em vez de simplesmente propor centenas de quilômetros de ciclovia e instalar milhares de vagas para bicicletas, a cúpula do GDF (governador, secretários de estado e diretores dos órgãos de trânsito) poderia adotar o transporte integrado no dia a dia. Em vez de carro oficial, cada gestor público receberia Bilhete Único e passe livre para o sistema de bicicletas compartilhadas.
Da mesma forma, os órgãos da esfera federal poderiam aderir à ação inovadora e impulsionar o transporte integrado. É curta a distância entre a rodoviária do Plano Piloto e os Ministérios, o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o STF, entre outros órgãos ao longo da Esplanada dos Ministérios. No trajeto plano e com ciclovia pode-se apreciar com calma, sem congestionamentos, a beleza arquitetônica.
Ciclovia da Esplanada dos Ministérios: bela vista e baixo fluxo de ciclistas.
Além de reduzir o caos crescente em razão da megafrota de carros em circulação, as ações de incentivo ao uso integrado da bicicleta trariam vários outros benefícios, tais como: redução do sedentarismo e do estresse; menor demanda por estacionamentos para carros; maior segurança para pedalar (com mais bicicletas nas ruas, a segurança aumenta); estímulo ao mercado de bicicletas (fábricas, lojas e oficinas).
VÍDEOS:
– De bicicleta na rodoviária do Plano Piloto
– Bicicletário de Mauá – ótimo exemplo de incentivo às bicicletas
– Esplanada dos Ministérios: inacessibilidade vergonhosa em Brasília