Texto e imagens: Uirá Lourenço
O Detran-DF estampou notícia sobre mais uma edição do curso voltado aos motoristas que têm medo de assumir o volante. Curiosamente 5/6, data da notícia, é o Dia Mundial do Meio Ambiente.
Notícia sobre a nova edição do curso (clique na imagem para acessar a notícia)
A contradição é óbvia. Não bastasse a política rodoviarista ao longo dos anos no DF – com foco na ampliação das vias e na construção de túneis e viadutos –, o órgão de trânsito ainda ajuda os motoristas medrosos com curso gratuito.
Com o aumento do caos e da poluição causados pela crescente frota automotiva em circulação, seriam mais adequadas ações governamentais com o objetivo de desestimular o uso do carro. A Política Nacional de Mobilidade Urbana, em vigor há mais de cinco anos, é clara ao estabelecer como diretriz a prioridade dos modos de transportes saudáveis (“não motorizados”) sobre os motorizados e a prioridade do transporte coletivo sobre o transporte individual motorizado. E um dos objetivos da lei é promover o desenvolvimento sustentável.
Um detalhe a ser considerado: no DF, há empresas especializadas que oferecem cursos com o objetivo de superar o medo de dirigir. E o setor automotivo incentiva constantemente as pessoas a comprar e usar carro, como revelam os inúmeros anúncios na cidade e na mídia (jornal impresso, televisão, rádio e internet). Ou seja, não há necessidade do apoio governamental com cursos gratuitos.
Ao constatar a realidade no DF – transporte coletivo precário, calçadas destruídas e ciclovias vazias e sem conexão – conclui-se que outros setores do transporte precisam do apoio governamental. Em vez de insistir na lógica automotiva, cara e poluente, o investimento no setor de veículos limpos (VLT, ônibus elétrico e bicicleta) traria inúmeros benefícios à sociedade.
Diante de tanta carência na fiscalização de trânsito para coibir as reiteradas infrações motorizadas (ex.: estacionamento irregular sobre calçadas e canteiros e bloqueios nos cruzamentos de ciclovia), causa ainda mais perplexidade o gasto do Detran (recursos financeiros e humanos) com o curso para superar o medo do volante.
Ações inovadoras: Superação do medo de pedalar
Os órgãos gestores da mobilidade precisam se atentar para a tendência moderna de incentivar formas saudáveis e alternativas ao automóvel. As cidades modernas restringem cada vez mais o espaço destinado ao transporte individual motorizado (pistas, estacionamentos, túneis e viadutos) e as áreas centrais se abrem para as pessoas, com mais praças e parques.
Diversas notícias, especialmente de capitais europeias, comprovam a tendência de priorizar as pessoas, em vez de automóveis. O Detran, o DER, a Secretaria de Mobilidade e os demais órgãos gestores da mobilidade urbana precisam se convencer de que a saída para enfrentar o iminente colapso viário (já são cerca de 1 milhão e 700 mil veículos motorizados registrados no Detran) passa pela melhoria e prioridade absoluta ao transporte coletivo e aos modos saudáveis.
Fica a sugestão ao Detran-DF: oferecer cursos regulares gratuitos a quem tem medo de pedalar. Em vez de encorajar os motoristas medrosos, o Detran passaria a oferecer o curso gratuito Perca o medo de pedalar. Já ministrei palestras no Detran e em escolas sobre mobilidade urbana e me coloco à disposição para construir o conteúdo do curso e ministrar palestras com dicas práticas para usar a bicicleta no dia a dia.
Detran-DF (Diretoria de Educação), 2/8/2012 | Escola Católica (Taguatinga), 11/9/2012 |
Palestras com orientações práticas para pedalar em segurança.
Com o recente lançamento de bicicletário e vestiários no Palácio do Buriti, um curso teórico-prático sobre o uso de bicicleta como meio de transporte seria um grande aliado na busca por um modelo de mobilidade saudável e ambientalmente correto. O trabalho educativo voltado aos servidores dos órgãos do GDF equipados com bicicletário complementaria o investimento em infraestrutura.
Resposta do Detran sobre o curso
O Brasília para Pessoas tem feito regularmente solicitações ao GDF com base na Lei de Acesso à Informação. Ao saber da notícia sobre mais uma edição do curso para superar o medo de dirigir, enviamos perguntas ao órgão.
Uma das questões enviadas referia-se à relevância do curso considerando a Política Nacional de Mobilidade Urbana (princípio do “desenvolvimento sustentável das cidades” e diretriz da “prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado”) e o fato de empresas privadas oferecerem cursos voltados à superação do medo de dirigir.
Em resposta, o Detran informou que o curso de superação do medo de dirigir “está em perfeita consonância com a Política Nacional de Trânsito, em especial, quanto aos objetivos de ‘Priorizar a preservação da vida, da saúde e do meio ambiente, visando à redução do número de vítimas, dos índices e da gravidade dos acidentes de trânsito e da emissão de poluentes e ruídos’ e o de ‘Efetivar a educação contínua para o trânsito, de forma a orientar cada cidadão e toda a comunidade, quanto a princípios, valores, conhecimentos, habilidades e atitudes favoráveis e adequadas à locomoção no espaço social, para uma convivência no trânsito de modo responsável e seguro’, visto que no curso não são abordadas apenas técnicas para redução da ansiedade no trânsito, mas são abertas reflexões sobre o papel de cada cidadão para a construção de um trânsito mais seguro e civilizado.
O texto da solicitação e a resposta completa podem ser consultados na seção do blog voltada às informações obtidas sobre mobilidade urbana.
SAIBA MAIS:
– Passo a passo de como solicitar informações sobre mobilidade
Cidadania e mobilidade: Como cobrar direitos e exigir melhorias do poder público
– Vídeo Brasília: capital das ciclovias [cenas dos trajetos diários de bicicleta]
(clique para assistir ao vídeo)