Brasilia Para Pessoas

12
novembro
Publicado por Brasília no dia 12 de novembro de 2024

Com base em imagens (fotos e street view) ao longo dos anos, a proposta é mostrar as transformações em diferentes pontos da cidade em razão de obras viárias.

Texto e fotos: Uirá Lourenço

Obras do Viaduto do Sudoeste (Agosto/2022)

Venho acompanhando com tristeza as ações de ‘mobilidade’ em Brasília. Tive que pôr entre aspas, pois em geral a atuação do governo se resume a ampliar o espaço voltado aos carros. Ou seja, mais do mesmo: pistas, túneis e viadutos para dar vazão à crescente frota automotiva. Em 2008 era 1 milhão de veículos motorizados registrados no Distrito Federal, que superou a marca de 2 milhões em 2023.

Tenho bom acervo de imagens (fotos e vídeos) que faço ao passar de bicicleta por diferentes locais da cidade. Resolvi explorar as fotos e as imagens disponíveis no street view (google) para evidenciar as transformações. Começo o trabalho pelo viaduto do Sudoeste, na verdade um grande trevo rodoviário com vias expressas para interligar o bairro Sudoeste ao Parque da Cidade.

Sem mais delonga, eis as imagens de diferentes anos da EPIG (Estrada Parque Indústrias Gráficas, DF-011), nas proximidades do bairro Sudoeste.

Street View, Setembro/2011

Street View, Julho/2023

Street View, Maio/2024

As imagens a seguir com o bairro Sudoeste ao fundo. Em primeiro plano, a (ex-)entrada do bairro:

Street View, Novembro/2017

 Street View, Janeiro/2022

Street View, Julho/2023

É bem evidente a transformação (devastação) ocorrida na região. A obra iniciada em junho de 2021 teve um alto custo financeiro e ambiental. Com o intuito de fazer uma ligação expressa entre o bairro Sudoeste e o Parque da Cidade, o custo inicial previsto era de R$ 27 milhões. Segundo notícia do Governo do Distrito Federal à época, ‘quem sair do Parque da Cidade em direção ao Sudoeste não terá mais de passar por semáforos e retornos; seguirá direto para a avenida das Jaqueiras, passando sob a Epig’.

Centenas de árvores foram literalmente marcadas para morrer (mais de 700 foram pintadas) – tanto espécies nativas quanto exóticas – em ambos os lados da EPIG (a parte voltada para o bairro Sudoeste e a parte voltada ao Parque da Cidade). 

Algumas fotos do local a seguir, da entrada do bairro (antes e durante as obras) e de algumas das árvores marcadas e cortadas.

Agosto/2021

Setembro/2022

Detalhes reveladores

A análise das imagens ao longo dos anos revela aspectos da mobilidade e curiosidades, que destaco abaixo.

– Pontos de Ônibus

Os pontos de embarque e desembarque dos usuários de ônibus continuam bem precários, com o mesmo modelo ‘caixote de concreto’, sem informações sobre linhas e horários. No fim de tarde os pontos ficam superlotados.

O grande abrigo de concreto que existia na frente do Parque da Cidade foi demolido e cedeu espaço para pistas. As imagens do street view (abaixo) mostram a completa transformação do local. Só mesmo com o auxílio da ferramenta para saber que se trata da mesma área, pois se perderam as referências (como as árvores e a placa indicativa do parque).

Street View, Outubro/2012

Street View, Junho/2024

Pontos de ônibus precários na EPIG, na frente do bairro Sudoeste. Fotos de Novembro/2024.

– Vitalidade e Travessias

Existia um grande fluxo de pessoas (a pé e de bicicleta) entre os dois lados da EPIG. Trabalhadores que desciam do ônibus e atravessavam para o Sudoeste e frequentadores do Parque da Cidade. Bastava cruzar pelo gramado do canteiro central.

Movimento no canteiro arborizado da EPIG. Agosto/2021.

Lembro também que havia vendedores de fruta e artistas de rua, que trabalhavam próximo aos semáforos na entrada do parque. Nas imagens do street view e nas fotos dá pra ver a vitalidade que havia. Podem-se notar os semáforos e os locais de travessia.

Street View, Dezembro/2014

Street View, Junho/2015

– Entrada do Parque

Havia uma bela entrada para o Parque da Cidade, com mangueiras e outras espécies que davam sombra e embelezavam. Passava com certa frequência e lembro de ver muitos pássaros: pica-pau, sabiá, joão-de-barro e coruja. Hoje tudo se transformou em pista, não ficou nenhum vestígio da área verde, do portão e da placa do parque.

Entrada agradável do Parque da Cidade, com árvores e pássaros. Fotos de julho/2021.

Árvores marcadas e posteriormente abatidas na frente do Parque da Cidade. Julho/2021.

Entrada do Parque demolida, obras do viaduto. Street View, Maio/2023

– Avenida das Jaqueiras (e dos Ipês)

No acesso para o Sudoeste existia um gramado com caminho para pedestres, bem arborizado. Os ipês amarelos chamavam atenção. Ali ficava o início da avenida das Jaqueiras, que foi desfeita e enterrada para viabilizar as pistas que passam por baixo do viaduto e facilitaram a passagem dos motoristas por dentro do Parque da Cidade.

Na imagem deste ano é possível ver os taludes laterais. Há um grande desnível, além de grades, que dificultam o acesso de quem está sem carro.

Street View, Novembro/2018

Street View, Junho/2024

Pedestres na avenida das Jaqueiras, que foi devastada e enterrada. Agosto/2021.

Rodoviarismo caro e atrasado

As imagens ao longo dos anos nos fazem refletir sobre os rumos tomados na capital federal. Além dos aspectos de (i)mobilidade, deve-se destacar o período de extremo calor, a seca severa este ano e as enchentes na estação chuvosa.

Pelas imagens se constata a grande impermeabilização. Pode-se inferir que se formou uma grande ilha de calor na região.A impressão se confirma ao percorrer a pé ou de bicicleta o ambiente árido, nada agradável. Um grupo de moradores chegou a se mobilizar e protestar contra a transformação da avenida das Jaqueiras em via expressa, mas o governo não cedeu à pressão.

Mobilização de grupo de moradores no Sudoeste. Fotos de Agosto/2021.

Considerando a discussão sobre mudanças climáticas e o esforço de se construir cidades resilientes e sustentáveis, menos dependentes do automóvel, fica difícil defender o modelo rodoviarista de prioridade máxima (ou absoluta) aos carros. O GDF costuma exaltar os motoristas beneficiados a cada viaduto ou túnel construído: mais de 137 mil motoristas no Túnel de Taguatinga e 50 mil motoristas no viaduto do Jardim Botânico, entregue há poucos dias.

No trevo rodoviário do Sudoeste, segundo o governo, 50 mil motoristas foram beneficiados. Eu me pergunto quantos pedestres, ciclistas, usuários de ônibus, vendedores ambulantes e artistas de rua foram prejudicados. Certamente o governo não tem esses dados.

Fonte: GDF, Agência Brasília.

Minha intenção é continuar a pesquisa de imagens e publicar uma série de textos no blog com imagens de outros locais. Já pensei em outros quatro pontos da cidade que passaram por transformação. Até a próxima reflexão ; )

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Era uma ideia antiga organizar as imagens de locais da cidade transformados/devastados. Dois fatos me incentivaram a publicar o primeiro trabalho. A inauguração de mais um viaduto caro e grandioso (dessa vez no Jardim Botânico), em que o GDF insiste em propagandear como se fosse o que há de mais avançado em mobilidade e segurança no trânsito (notícia). E o projeto devastador de túnel em São Paulo, que revela como Brasília não é caso isolado de rodoviarismo. Houve protesto de moradores e truculência por parte do governo: arrastaram a cicloativista e vereadora eleita Renata Falzoni (notícia).

FOTOS

Álbum com mais imagens (link) da região entre o Sudoeste e o Parque da Cidade, entre 2021 e 2024.

VÍDEOS

Alguns vídeos da região, gravados ao longo dos anos.



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Uirá Uirá Lourenço
Morador de Brasília, servidor público, ambientalista e admirador da natureza, Uirá é um batalhador incansável pela melhoria das condições de mobilidade na capital federal. Usa a bicicleta no dia a dia há mais de 25 anos e, por opção, não tem carro. A família toda pedala, caminha e usa transporte coletivo. Tem como paixão e hobby a análise da mobilidade urbana, com foco nos modos saudáveis e coletivos de transporte. Com duas câmeras e o olhar sempre atento, registra a mobilidade em Brasília e nas cidades por onde passa, no Brasil e em outros países. O acervo de imagens (fotos e vídeos), os artigos e estudos produzidos são divulgados e compartilhados com gestores públicos e técnicos, na busca de um modelo mais humano e saudável de cidade. É voluntário da rede Bike Anjo, colaborador do Mobilize e membro da Rede Urbanidade.
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